O autor deste blogue realizou um conjunto de cinco vídeos sobre a presença portuguesa em Marrocos para o Instituto Camões e a Embaixada de Portugal em Rabat, cujas versões em língua portuguesa e árabe se apresentam, encontrando-se em preparação uma outra versão, em língua francesa.
mouros de pazes
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A Couraça e o Baluarte da Couraça de Arzila
David Lopes é um autor admirável. Foi um ilustre historiador e professor de Língua e Literatura Francesa e Língua e Literatura Árabe, licenciado em Lisboa com o Curso Superior de Letras, e estudou em Paris, na École Nationale des Langues Orientales Vivantes e na École Pratique des Hautes Études. Deixou uma importantíssima bibliografia, da qual salientamos, de entre muitas outras obras, a edição dos Anais de Arzila: crónica inédita do século XVI de Bernardo Rodrigues e os Textos em Aljamía Portuguesa. O prefácio da obra de David Lopes, História de Arzila durante o Domínio Português (1471-1550 e 1577-1589), começa da seguinte forma: “Os filhos de D. João I é um livro admirável” (LOPES, 1925, p. VII). Nesse prefácio, David Lopes faz o elogio do autor desse livro, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, incontornável historiador, cientista social e político português da segunda metade do século XIX, e tece considerações sobre a ideia de que a História tem uma grande carga de subjectividade e de poesia por parte de quem a escreve, ou a revive, correndo o risco de, poeticamente, se afastar da própria História. “Todas as ideias preconcebidas que são o nosso ser espiritual vão alterar a pureza da nossa visão actual. São outras tantas causas de erros e de falsos juízos. Não importa. As cousas inertes do passado só revivem coadas pela nossa sensibilidade. Por força, alguma cousa da alma do historiador passará para a alma das cousas e dos homens objecto do seu estudo” (LOPES, 1925, p. IX).
O meu elogio a David Lopes não é apenas uma identificação com o seu pensamento e admiração pela sua obra, como, inevitavelmente, uma partilha da sua própria identificação e admiração por Oliveira Martins, cuja dimensão histórico-poética está patente nesta passagem do seu livro Os filhos de D. João I, ao referir-se aos habitantes de Ceuta expulsos da sua cidade aquando da conquista portuguesa de 1415: “A mourama fugira chorando, sumira-se na espessura dos arvoredos dos arrabaldes da sua cidade perdida. E durante essa noite, em volta de Ceuta, ouvia-se um coro de povo escondido, em ais e doridas perguntas pelas mães e pelos filhos. Dir-se-ia que as moitas dos jardins e o arvoredo das hortas falavam, que gemiam na tristeza da noite, e que eram lágrimas as folhas pendentes balouçadas pelo vento mansamente” (MARTINS, [1891] 1983, p. 51). Continue Reading
Cavaleiros da Duquela
A presença de Portugal em Marrocos limitava-se a uma rede de praças isoladas situadas na costa, comunicando entre si por via marítima. Essa presença nunca existiu no interior do país, onde não existem vestígios edificados, a não ser os dos cativos portugueses ao serviço das autoridades locais. No entanto, a constituição do chamado Protectorado da Duquela, coincidente com a capitania de Nuno Fernandes de Ataíde em Safim, representou um esforço da Coroa Portuguesa para o domínio de um vasto território no interior do Sul do país, numa estratégia ilusória da criação de um Marrocos Português, que o tempo se encarregaria de contrariar.
E se, no dizer algo romântico de alguns autores como David Lopes, “a sua capitania é a página mais assombrosa da história luso-marroquina; foram seis anos de vida trepidante de cavalgadas e combates (…) ele e os seus companheiros foram que fizeram do nome português sinónimo de bravura e lhe criaram essa auréola que ainda tem naquele país” (LOPES, [1937] 1989, p. 31), a verdade é que o Protectorado foi criado com base numa política de terror, à custa do sangue e do sacrifício das populações locais, para quem a presença de Portugal não deixou saudades, como prova esta frase de Marmol y Carvajal sobre a destruição da cidade de Tidjout pelos portugueses:
“A cidade foi repovoada rapidamente depois, e vive-se aí tranquilamente desde que os Portugueses abandonaram Safim”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 17)
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A abóbada de nervuras da Capela-mor da Catedral de Safim
Safim era no início do século XVI a principal praça portuguesa do Sul de Marrocos. Importante centro de comércio e porto de exportação dos produtos transportados pelas cáfilas que faziam escala em Marraquexe e dos cereais e gado da Duquela, adquiriu entre os anos de 1510 e 1516, correspondentes à capitania de Nuno Fernandes de Ataíde, um papel extremamente importante no plano político-estratégico das ambições de D. Manuel para a criação de um Marrocos português, ilusão alimentada por alguns partidários dessa utopia como Diogo de Azambuja, que o tempo se encarregaria de contrariar.
À importância económica, política e estratégica de Safim deveria corresponder uma importância simbólica no contexto religioso, acolhendo uma das três dioceses portuguesas em Marrocos, a única no chamado Marrocos Amarelo.
A construção de uma Catedral na cidade foi um desígnio dessa política, tendo a sua edificação ocorrido no ano de 1519. Continue Reading
A Casbah de Boulaouane, construída próximo do local da Batalha dos Alcaides por Mulay Ismail no século XVIII
No dia 14 de Abril de 1514 travava-se em a única batalha campal entre um exército de Portugal e o do Reino de Fez, se exceptuarmos a posterior batalha de Alcácer Quibir. De facto, a guerra que se travava em Marrocos era a chamada guerra guerreada, na qual os capitães das praças-fortes faziam razias preventivas nos campos circundantes ou resistiam a cercos, raramente de forma concertada uns com os outros, tentando manter as suas posições com o máximo de segurança. Uma espécie de guerra de guerrilha e contraguerrilha que envolvia um número de forças relativamente limitado, e que não alterava substancialmente a situação militar estabelecida.
A partir de 1510, Portugal consegue alcançar um acordo de paz com grande parte das tribos da Duquela, trazendo para a sua esfera um território de dimensão apreciável, e controlando grande parte das riquezas e do comércio aí existentes. Neste período a ilusão alimentada por D. Manuel de conquistar Fez e Marraquexe ganha alguns adeptos e reflecte-se nas acções político-militares que empreende.
A conquista de Azamor em 1513 tem um efeito importante no Reino de Fez, que organiza um poderoso exército para tentar recuperar a cidade e inverter o curso dos acontecimentos. Continue Reading
Os campos da Duquela
As Praças-fortes portuguesas em Marrocos encontravam-se isoladas, rodeadas de inimigos, dependendo da metrópole ao nível dos abastecimentos. Portugal fazia esforços para celebrar acordos com os mouros que habitavam as áreas circundantes, garantindo-lhes protecção. Em troca, assegurava um clima de paz e cobrava tributos em espécie, não só em cereais e gado, vitais à sua sobrevivência, mas também assegurando a existência de um comércio por demais lucrativo. As tribos que aceitavam a vassalagem à Coroa Portuguesa eram chamadas Mouros de Pazes ou Mouros de Sinal.
A ocupação da costa de Marrocos por Portugal divide-se em duas zonas distintas, uma a Norte e outra a Sul, que alguns cronistas chamam Marrocos Verde e Marrocos Amarelo (SANTOS, 2007, p. 3), que se distinguem uma da outra não só pelo clima, geografia, tipo de culturas e criação de gado, como pelo próprio enquadramento político. Enquanto no Marrocos Verde o poder do Rei de Fez se faz sentir de forma centralizada, no Marrocos Amarelo existe autonomia das tribos Berberes, que gerem de forma independente o seu território. Esta diferença nas características da administração do próprio território determina também o relacionamento entre a sociedade marroquina e o ocupante português. Enquanto no Marrocos Verde o clima de guerra “institucionalizada” é interrompido momentaneamente pelo estabelecimento do acordo de paz de 1471, com as devidas reservas que os seus termos levantavam (LOPES, [1937] 1989, p. 26), no Marrocos Amarelo o relacionamento com os mouros de pazes faz-se, grosso modo, tribo a tribo, de forma instável, ganhando alguma estabilidade nos 6 anos da capitania do nunca está quedo Nuno Fernandes de Ataíde em Safim, que trouxe para o lado de Portugal um imenso território com milhares de quilómetros quadrados, que ficou conhecido como Protectorado da Duquela. Continue Reading
Placas toponímicas de Mazagão
A história de Mazagão é uma história de luta e resistência de uma comunidade que viveu isolada durante 260 anos, cercada por um ambiente hostil. Na Cidadela de hoje respira-se um ar português, carregado de história, que a população local teima em preservar, estampado nas pedras, nos elementos arquitectónicos, nas mensagens escritas…
“O actual bairro da Cité Portugaise em El Jadida encerra em si uma história portuguesa, construída e urbana, que debutou com o levantamento de um castelo manuelino em 1514 e se prolongaria por mais de dois séculos e meio. Porém, foi o investimento numa nova praça fortificada e abaluartada, com desenho regulado de vila no seu interior, conduzido por uma junta de arquitectos e engenheiros em 1541 que cristalizaria a imagem de Mazagão como baluarte inexpugnável no Norte de Africa e preservaria o estrato formal português na actual cidade marroquina”. (CORREIA, 2007, p. 184)
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Músicos de rua em Essaouira
A Darija Marroquina é o dialecto Árabe Magrebino falado correntemente em Marrocos. Apesar de apresentar algumas diferenças regionais, fruto da grande diversidade cultural e geográfica do país, a crescente normalização do modo de vida e a progressiva influência dos média tendem a contribuir para a sua uniformização.
A Darija Marroquina é um dos muitos dialectos falados no Mundo Árabe, com as suas especificidades, resultantes de factores históricos e geográficos. O relacionamento entre as populações dos actuais territórios de Portugal e Marrocos deixou inevitavelmente a sua marca no dialecto Árabe falado em Marrocos, mas a sua percepção não é clara nem se encontra devidamente esclarecida, fruto da falta de um estudo científico e rigoroso sobre o assunto. Continue Reading
O morabito de Sidi Chachkal junto ao Cabo Beddouza
As Praças-fortes portuguesas em Marrocos encontravam-se isoladas, rodeadas de inimigos, dependendo da metrópole ao nível dos abastecimentos. Portugal fazia esforços para celebrar acordos com os mouros que habitavam as áreas circundantes, garantindo-lhes protecção. Em troca, assegurava um clima de paz e cobrava tributos em espécie, principalmente em cereais e gado. No Norte de Marrocos, o poder centralizado no sultão de Fez permitiu o estabelecimento de alguns acordos duradouros, mas no Sul, a autonomia política das tribos originou um clima de guerra quase permanente.
As tribos que aceitavam a vassalagem à coroa portuguesa eram chamadas de “Mouros de Pazes”. E apesar do facto de no Sul de Marrocos a “conversão” dos mouros de pazes ser mais difícil, vigorou durante seis anos um acordo com as tribos da chamada região da Duquela, que trouxe para o lado de Portugal um imenso território com alguns milhares de quilómetros quadrados, só possível pela ousadia do capitão da Praça de Safim Nuno Fernandes de Ataíde, a quem os mouros chamavam “o nunca está quedo”, e da sua aliança com o alcaide mouro Yahya Bentafuft. Continue Reading
Baluarte da muralha de Mogador. autor desconhecido
“Ficávamos nas praças de Marrocos como a bordo das nossas naus; porém as naus iam, vinham, livremente pelos mares, multiplicando a força, distribuindo o castigo; ao passo que as praças de África eram pontões imóveis, ancorados, constantemente batidos pelas vagas da mourama tempestuosa”. (MARTINS, 1947, p. 258-259)
As Praças-fortes portuguesas em Marrocos eram um problema para o país. Rodeadas de inimigos, encontravam-se isoladas e dependiam da metrópole ao nível do abastecimento e víveres. Portugal fazia esforços para celebrar acordos com os mouros que habitavam as áreas circundantes. Esses acordos davam origem a uma relação de vassalagem entre os mouros e a coroa portuguesa. No seu âmbito Portugal garantia protecção aos seus vassalos, bem como o direito de livre circulação e exercício de actividade comercial nos seus domínios. Em troca assegurava um clima de paz com as áreas circundantes às praças e cobrava tributos em espécie, principalmente cereais e gado. As tribos que aceitavam a vassalagem à coroa portuguesa eram chamadas de Mouros de Pazes ou Mouros de Sinal.
A situação tinha contornos completamente diferentes nas praças do Norte e nas praças do Sul, resultados das características das duas regiões, fosse ao nível geográfico, climático, do povoamento ou políticas, fosse pela própria forma como Portugal implementou o seu estabelecimento em cada uma delas. Continue Reading