O bairro de Albaicin em Granada
O Al-Andalus foi um espaço de convivência de povos e identidades, que partilharam o território do Sul da actual Península Ibérica desde o início do século VIII até meados do século XIII. Árabes, Berberes, Judeus, Hispano-Romanos e Hispano-Godos, coexistiram de forma tolerante, respeitando a identidade de cada um, exceptuando dois períodos em que tribos fanáticas e obscurantistas, caso dos Almorávidas e Almoádas, desvirtuaram esse clima de tolerância e respeito mútuo, impondo a verdade absoluta própria dos ignorantes.
O Al-Andalus foi também um espaço de revoltas permanentes entre tentativas de centralização do poder e aspirações de afirmação das várias identidades, personificadas pelos diversos grupos sociais que se mantinham organizados, por vezes dando origem a alianças com contornos que iam muito para além do campo estritamente político, mas que se explicam em termos estratégicos, ideológicos e mesmo espirituais, cujo exemplo paradigmático foi a aliança entre a Cavalaria Espiritual Muçulmana e Ibn Qasi e os Templários de Afonso Henriques.
O Castelo dos Mouros em Sintra
A matriz identitária do A-Andalus, aquilo que o caracteriza e distingue, é fundamentalmente uma matriz civilizacional Árabe, enquanto aglutinadora de elementos culturais, linguísticos, sociais e científicos Árabes, incorporando elementos da cultura Berbere e dos Hispano-Romanos, Hispano-Godos e dos Judeus. É assim errado referirmo-nos a esse período como o “período Islâmico”, já que a sua identidade não lhe foi conferida pela religião, nem tão pouco o Islão foi o pólo aglutinador dos vários grupos sociais. Ao contrário, a arabização dos povos Hispânicos, em termos da sua adopção da língua e costumes dos Árabes, foi o elemento aglutinador e caracterizador da sociedade Andalusina. Convém lembrar que os Cristãos tinham as suas igrejas e os seus bispos participavam em concílios, como refere José Garcia Domingues na sua descrição do período dos Becres de Ossónoba, bem como os Judeus eram livres de praticar o seu culto nas suas sinagogas. Nesta perspectiva, parece muito mais sensato designar o período em causa por “período Árabe”.
A Mesquita de Cordoba
Um aspecto que hoje se encontra no centro das discussões sobre o Al-Andalus é a questão de se saber se os Árabes de facto invadiram e conquistaram a Península, ou se, pelo contrário, foi a Península que se arabizou e que chamou a si as administrações Árabes. É inegável que a entrada dos exércitos Árabes na Hispânia, correspondente ao corolário lógico do seu percurso expansionista através do Norte de Africa, veio destronar a administração visigoda no poder, e nessa perspectiva não pode deixar de ser considerada como invasão, tal como a dos Romanos e Visigodos assim o tinha sido. A questão que se coloca é que a situação de desagregação das instituições visigóticas ao tempo da chegada de Oqba Ibn Nafi ao Magrebe e o posterior pedido de auxílio dos nobres visigodos a Mussa Ibn Nossayr para intervir nos destinos do poder vigente, a crescente convicção de que Guadelete foi um assunto interno visigodo, se bem que apoiado por guerreiros de Tarik Ibn Zyad, a reduzida população Árabe envolvida na expansão do Califado Omíada de Damasco, e consequente inexistência de “mão-de-obra” para uma colonização da Península, e ainda o facto de não existirem notícias de quaisquer batalhas travadas durante o processo de arabização, corroboram a teoria de que se tratou de uma invasão aceite pela sociedade visigoda da época.
O Alhambra e Granada
Houve sem dúvida a colocação de elites Árabes nas administrações peninsulares, em muitos casos com recurso aos autóctones arabizados, caso dos moçárabes e muladis, mas houve sobretudo uma progressiva arabização de toda a sociedade Andalusina, que se operou principalmente através da actividade comercial e do grande avanço cultural e científico que os Árabes detinham. É significativo que as primeiras moedas cunhadas no Al-Andalus fossem bi-lingues, escritas em Árabe numa das faces e em Latim na outra.
O legado Árabe na identidade da Península é tão evidente como foi evidente no próprio processo de criação da identidade Andalusina. O legado Árabe é tão legítimo quanto o legado Romano ou Visigodo. O termo “reconquista” para definir o final do Al-Andalus revela-se assim de cariz tão ignorante quanto obscurantista. Por um lado, para reconquistar algo é preciso em primeiro lugar já o ter possuído, por outro é preciso que esse algo tenha sido usurpado. A negação do passado Árabe e do reconhecimento do seu contributo na nossa identidade não é apenas uma questão de ignorância, mas serve objectivos que desde há décadas nos vêm sendo impostos, a coberto da nossa pretensa “vocação europeia”, que nega o nosso passado e identidade mediterrânicos e legitima culturalmente as decisões políticas que determinam o rumo que este país vem tomando.
Escreveu Fernando Pessoa:
«Não há profundo movimento português que não seja um movimento árabe, porque a alma árabe é o fundo da alma portuguesa»
Bibliografia
ALVES, Adalberto . “Portugal e o Islão Iniciático” . Ésquilo, 2007
BOSCAGLIA, Fabrizio . “Arabismo Pessoano” blog
DOMINGUES, José Garcia . “O Gharb Al-Andalus” . Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, Faro, 2011
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