O arco da Couraça de Alcácer Ceguer
A história de Alcácer Ceguer encontra-se intimamente ligada ao Estreito de Gibraltar e à travessia entre as suas margens. Assim foi no período do Al-Andalus, servindo de base para o embarque dos exércitos muçulmanos durante as várias ofensivas na Península, como durante o período das praças-fortes portuguesas, assegurando uma continuidade do domínio da navegação ao longo da costa marroquina, uma espécie de vigia de alerta à actividade do corso da barbária.
Apesar disso, Alcácer Ceguer nunca assegurou o domínio territorial terrestre português na margem Sul do Estreito, apesar da sua reduzida distância a Ceuta e Tânger, devido à irregularidade do terreno e à luta constante que as tribos da região e o poder do Reino de Fez impuseram. À semelhança de todas as outras praças-fortes, Alcácer foi um reduto fechado ao território envolvente, abrindo-se apenas para o mar, tenda na sua Couraça o elemento prático e simbólico dessa abertura.
Abandonada após a evacuação portuguesa, a cidadela degradou-se e tornou-se num sítio arqueológico. Desde há alguns anos que começou a ser escavada e estudada e hoje os seus principais vestígios encontram-se em recuperação e valorização, permitindo uma visita esclarecedora daquilo que foi o castelo da travessia durante o período da ocupação portuguesa.
O Estreito de Gibraltar, vendo-se ao centro o Rochedo de Gibraltar, “Jebel Tarik” ou Montanha de Tarik
Antes do século X existia no local um ribat que conheceu várias designações, como Kasr Sad (nome de uma surat do Alcorão), Marsa Bab Al-Yem (Porto da Porta do Mar), Marsa Al-Yem (Porto do Mar), Bab al Kasr (Porta do Castelo), Madinat Al-Yem (Cidade do Mar) e Al-Kasr Al-Awel (O Primeiro Castelo). Estas designações reflectem bem a vocação marítima do castelo. Aliás, as pequenas baías e praias situadas entre Ceuta e Tânger cumpriram um papel fundamental na logística de travessia do Estreito por Tarik Ibn Zyad e Mussa Ibn Nussayr em 711 e 712. Posteriormente, Alcácer Ceguer seria o ponto de travessia para as invasões Almorávida e Almóada, tendo as tropas de Yussuf Ibn Tachfin utilizado o local em 1088 e as de Abdel Moumen em 1195. (EL BOUDJAY, 2017, entrevista citada)
No período Almóada o castelo chama-se Qasr Masmuda, nome de uma das principais confederações de tribos Berberes de Marrocos. O geógrafo Al-Idrisi, na sua Geografia do Ocidente, fala assim do Estreito de Gibraltar e da localização do Qasr Masmuda:
“O comprimento deste estreito conhecido pelo nome de Zuqâq (“a ruela”) é de doze milhas. Na sua extremidade oriental, vemos a cidade de Algeciras (Al-Jazîrat Al-Khadrâ, “A Ilha Verde”) e do lado ocidental a de Tarifa (Jazîra Tarîf, “Ilha de Tarîf”), em face da qual, na margem oposta, está situado Qasr Masmûda (…) Entre Tarîfa e Qasr Masmûda, a distância é de doze milhas.” (AL-IDRISI, [1154] 1999, p. 247)
Nesse período o castelo já se encontrava associado a uma estrutura urbana muralhada, como Al-Idrisi comenta:
“Contam-se doze milhas de Ceuta a Qasr Masmûda para ocidente. É um grande burgo fortificado à beira do mar. Constroem-se aí navios e barcos destinados à navegação para o Al-Andalus. Está situado no estreito, no ponto mais próximo das cidades do Al-Andalus. De Qasr Masmûda a Tanger, contam-se vinte milhas, para ocidente.” (AL-IDRISI, [1154] 1999, p. 249)
O Castelo de Alcácer Ceguer
Al-Hassan Al-Wazzan Al-Fassi, conhecido como Leão o Africano, afirma na sua obra Descrição de Africa a propósito de Alcácer:
“Esta pequena cidade foi edificada sobre o mar Oceano, distante de Tânger aproximadamente doze milhas, e dezoito de Ceuta, por Mansour, rei de Marrocos, o qual passando todos os anos a Granada, encontrava uma certa passagem entre algumas montanhas por onde se vai ao mar, que é difícil de passar; pelo que, construiu esta cidade numa bela planície, que descobre toda a costa de Granada, e que está à ao alcance desta. A cidade é fortemente defendida, os seus habitantes são quase todos marinheiros, fazendo frequentemente a viagem entre a Barbária e a Europa. Outros são tecelões de teares, muitos são ricos mercadores e gente corajosa. O rei de Portugal tomou-a de assalto, e o rei de Fez tentou, várias vezes, reavê-la por todos os meios que pode: mas trabalhou em vão, no ano de 863 da Hegira (1458 d.C.)” (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 247-248)
Marmol y Carvajal descreve-a desta forma:
“É uma pequena cidade construída por Yacub Almansor sobre a costa do Oceano, quase a meio caminho de Ceuta e de Tânger, no local mais apertado do estreito, que está apenas a cinco milhas de trajecto frente a Tarif. Este príncipe sendo tão guerreiro que vinha quase todos os anos fazer guerra em Espanha, e porque o caminho até Ceuta onde ele embarcava normalmente era incómodo para a passagem de um exército, construiu esta cidade num lugar mais cómodo que está apenas a três léguas da costa de Espanha, num lugar mais vantajoso do estreito, onde existe um bom porto para os navios. Enviou de lá o seu exército e os seus navios com menos perigo que de Ceuta, e chamou-lhe Alcácer Ceguer ou Pequeno Palácio, porque inicialmente construiu apenas um pequeno alojamento em comparação com Alcácer Quibir e outros. Mas em pouco tempo mandou construir várias casas e mesquitas, e encheu-a de uma grande quantidade de mercadores, artesãos e gente do mar.” (MARMOL y CARVAJAL, 1667, p. 233)
Alcácer Ceguer pré-portuguesa. Fonte Jorge Correia e Charles Redman
As muralhas actuais terão a sua origem no período Merinida, durante o qual o castelo toma o nome de Kasr El Majaz e Kasr El Jawaz, ou Castelo da Travessia ou da Passagem.
Segundo Abdelatif El Boudjay, arqueólogo conservador do local, Alcácer Ceguer “não era uma grande cidade. Foi construída com base num projecto urbano estabelecido e pensado previamente. Tem uma muralha perfeitamente circular construída no reinado do sultão merínida Youssef Ibn Abd Al-Haq em 1287. É uma muralha com altura de quase 8 metros, largura de 1,60 metros, defendida por 29 torres semi-circulares e rasgada por três portas monumentais (Bab Al-Bahr, Bab Fès e Bab Sebta). Um tal projecto urbano apenas podia ser realizado por um poder central.” (EL BOUDJAY, 2017, entrevista citada)
Jorge Correia salienta a singularidade da forma circular do perímetro muralhado e questiona a sua eventual relação com outros exemplos longínquos:
“O desenho quase perfeito de uma circunferência não parece corresponder nem aos canones do mundo islâmico nem à tradição de construção de cortinas fortificadas no Norte de Africa nem no Al-Andalus, representada pelos Almorávidas, os Almóadas ou os Merinidas. Contudo, poderemos ler em Qsar es-Seghir uma réplica do modelo circular da grande capital Abássida, Bagdade?” (CORREIA, 2013, p. 2)
A designação actual, Ksar Seghir ou Castelo Pequeno, remonta provavelmente ao final do século XV, quando se torna num ninho de corsários. No período da ocupação portuguesa o nome é adaptado para Alcácer Ceguer ou simplesmente Alcácer. Apesar de os esforços portugueses se encontrarem centrados na conquista de Tânger após a tomada de Ceuta, a proximidade de Alcácer Ceguer a esta última cidade constituía um entrave aos movimentos dos cavaleiros portugueses no seu território exterior e mantinha um enclave inimigo entre uma e outra e uma base para ataques à navegação no Estreito de Gibraltar. São disso exemplo o facto de em 1416 o adail de Ceuta ter sido capturado com mais cinco soldados e encarcerado em Alcácer Ceguer, bem como existe notícia do resgate de 15 cativos em 1426. (REDMAN, 1979, p. 8, citando Jerónimo de Mascarenhas)
Uma das torres Merinidas da Porta do Mar
No ano de 1458 uma esquadra de 220 navios e 25.000 homens, segundo Rui de Pina, 280 navios e 26.000 homens segundo Damião de Góis, parte do Porto, Lisboa e Lagos com destino a Alcácer Ceguer. Seria a primeira conquista africana do jovem Rei D. Afonso V, muito influenciado pela política expansionista e belicista do infante D. Henrique. Com ele “a política de expansão em Marrocos toma o primeiro plano das preocupações reais”. (LOPES, [1937] 1989, p. 22)
No dia 21 de Outubro a armada chega diante da cidade, que é cercada. O ataque português é implacável, baseado no poder de fogo da artilharia pesada, com o qual as muralhas são seriamente danificadas. No final do dia 22 a cidadela rende-se “condicionalmente, isto é, os moradores sairiam livremente, com as suas fazendas, e entregariam todos os cativos cristãos que estavam em seu poder” (LOPES, [1937] 1989, p. 22). No dia 23 de manhã as tropas portuguesas ocupam Alcácer Ceguer. A conquista foi facilitada pelo facto de parte da armada portuguesa ter sido desviada acidentalmente pelo vento para diante de Tânger, acontecimento que confundiu os marroquinos, e evitou que concentrassem forças na sua defesa.
Marmol y Carvajal tem a seguinte descrição da tomada da cidade:
“Assim que o Rei chegou diante da praça, preparou todos os barcos e chalupas para fazer o desembarque, que rapidamente se encheram, tendo em conta a quantidade de navios e o desejo que cada um tinha de combater. Mas o desembarque não foi tão fácil como se pensara, por causa de cinco centenas de cavaleiros que vieram opor-se, com uma quantidade de infantaria (…) No entanto, os habitantes vendo em perigo os seus bens, as suas vidas e a sua liberdade, começaram a fortificar-se o melhor que puderam. Mas não lhes foi dado o tempo necessário para tal, já que estando tudo pronto e em boa ordem, o Rei deu ordem de carga, e de atacar por todos os lados; o que se fez com tanta fúria, que apesar de os Mouros se defenderem bem, devido à artilharia e fogos de artifício, foram obrigados a retirar para a cidade. Os Cristãos perseguiram-nos até às portas (…) O desagrado do Rei foi grande, ao ver a resistência dos sitiados, e as baixas que sofreu, que de imediato fez aproximar os manteletes para sapar as muralhas e mandou o Infante D. Henrique colocar as escadas para iniciar o assalto. O combate foi grande (…) durou até à meia-noite com muitos mortos e feridos de parte a parte.” (MARMOL y CARVAJAL, 1667, p. 234-235)
De acordo com Marmol y Carvajal, os habitantes renderam-se, e os combates cessaram com a libertação dos prisioneiros cristãos que estavam na prisão da cidade e com a entrega de reféns mouros. Na manhã seguinte abandonaram a cidade com os seus bens e as tropas portuguesas entraram no seu interior.
Muralhas e torreões de Alcácer Ceguer
Damião de Góis, na sua Crónica do Príncipe D. João, confirma de forma geral os factos descritos por Marmol y Carvajal, dando conta do desembarque português na praia na tarde do dia 21 de Outubro, utilizando centenas de bateis, “e como os que iam nos bateis cada um desejasse para si a honra de ser o primeiro que saísse, foi a voga feita com tanta pressa, que quase todos vararam na praia de modo, que nunca se pode saber na verdade qual fora o primeiro que chegara, nem a primeira pessoa que saíra.” (GOIS, [1567] 1724, p. 47)
Na praia estavam à sua espera “mais de quinhentos Mouros de cavalo, e muitos de pé”, que, no seguimento da batalha, muitos se recolheram para a Vila e outros fugiram para a serra. “Dos nossos ao desembarcar foram muitos feridos, dos quais morreram Rui Gonçalves de Marchena, Capitão de homens de pé, e Rui Barrero Comendador da Ordem de Cristo, homens nobres, e bons Cavaleiros, e na fugida dos Mouros, por seguir o alcance deles até muito perto da Vila, João Fernandes Darca, homem nobre, e bem cortesão lhe deram uma pedrada, de que logo caiu morto”. (GOIS, [1567] 1724, p. 47-48)
Entretanto chegou a noite e o Rei mandou retirar, preparando-se os apetrechos necessários para o tomar de assalto a Vila. Na manhã seguinte, dia 22, foi dada ordem de ataque e “fazer rosto às tranqueiras da Vila”, sendo recebidos por tiros de artilharia. Os mouros não conseguiram suster o ataque e retiraram para dentro de muros, “do que sendo sabedores os de cavalo da Companhia do Infante D. Henrique, quebraram as portas das mesmas tranqueiras, e entrando de tropel por elas, foram acometer as da Vila, as quais por serem barradas de grossas chapas, e lâminas de ferro, não puderam quebrar”. (GOIS, [1567] 1724, p. 49)
Os portugueses não conseguiram entrar na Vila até ao sol posto e “foram constrangidos a se afastar deixando o combate, até que se pusessem as mantas ao muro, e outros engenhos, para com menos perigo entrarem a Vila” (GOIS, [1567] 1724, p. 49-50). Era meia noite, quando se verificou que não se conseguia tomar a Vila escalando os seus muros, pelo que foi colocada uma bombarda de grande calibre com a qual se destruiu parte do pano da muralha. Os moradores perceberam que não conseguiriam evitar a derrota e propuseram entregar a Vila com a “condição de os deixarem sair dela livremente sem receberem dano, levando consigo suas mulheres, filhos, familiares e fazenda” (GOIS, [1567] 1724, p. 52).
As torres Merinidas integradas no Castelo e a Porta do Mar
Assim foi, e na manhã seguinte, “que era quarta-feira 23 dias de Outubro de 1458 despejaram os Mouros a Vila, levando consigo suas mulheres, filhos e fazenda, sem dos nossos receberem nenhum agravo: porque o Infante D. Fernando tomou a cargo a segurança deles, e se pôs da banda do Sertão com sua gente, para defender que lhes não fosse feito nojo, e também para por vigias que não levassem consigo nenhum Cristão ou Cristã cativo”. (GOIS, [1567] 1724, p. 53)
“Como a Vila foi despejada, que seria horas de meio dia, El Rei entrou nela a pé, e em procissão se foi à Mesquita, e a fez consagrar, e dedicar ao nome de nossa Senhora da Conceição.” (GOIS, [1567] 1724, p. 53)
Durante os meses de Novembro e Dezembro, a cidade é cercada durante 53 dias pelo sultão de Fez Abdel Haq, numa tentativa de a reaver, mas o cerco é levantado sem resultados. Nos meses de Julho e Agosto do ano seguinte Alcácer é de novo cercada, mas volta a resistir. Os louros da sua invencibilidade são atribuídos pelo cronista Zurara ao capitão da Praça, D. Duarte de Meneses, filho do capitão de Ceuta, D. Pedro de Meneses.
As datas e duração exacta do cerco não são consensuais nas fontes, conforme refere João Braga da Cruz, já que, “segundo Luis del Mármol y Carvajal o cerco inicia-se por volta do mês de Dezembro. De acordo com Elaine Sanceau, o cerco ocorre de 13 de Novembro de 1458 a 2 de Janeiro de 1459. Já na crónica de Zurara, o dia 11 de Novembro parece marcar o início de um assédio que duraria mais de 50 dias”. (CRUZ, 2015, p. 41)
Alcácer Ceguer durante o século XV. Fonte Jorge Correia
O período inicial da ocupação portuguesa, em termos de intervenções nas estruturas defensivas, foi ocupado com as reparações dos estragos feitos durante a conquista da cidade. Mas o cerco do final de 1458 demonstrou que Alcácer não estava adaptada às necessidades dos portugueses e obrigaria à realização de obras mais profundas que se realizaram durante o século XV e que tiveram uma filosofia claramente tardo-medieval. Segundo Jorge Correia, terá provavelmente sido desse período a regularização do traçado da muralha, formado um circulo perfeito de 200 metros de diâmetro e cerca de 30.000 m2 de área, a construção dos torreões semicirculares e a abertura do fosso.
“Dúvidas não existem no que à abertura de uma cava em torno da vila diz respeito, depois de uma avaliação do capitão ter constatado a planura da implantação da vila. Desta forma, a água permitia formar um canal em redor da praça, aproveitando, eventualmente, parte do curso fluvial.” (CORREIA, 2008, p. 152)
Mas havia que voltar costas ao território e abrir a cidadela ao mar, protegendo-a dos ataques terrestres e garantindo o seu abastecimento por via marítima. É então construída uma primeira couraça, ligando a muralha ao rio, que segundo Rui de Pina, “a dita coiraça se começou logo à segunda feira de Ramos XXII dias de Março do ano de mil quatrocentos e cinquenta e nove (…) a dita coiraça não se acabou senão depois do S. João do dito ano”. (PINA, [15–] 1902, Vol. III, p. 5-6)
“A palavra couraça significa, em termos gerais, uma muralha perpendicular ao muro de uma fortificação, realizada para proteger o abastecimento. Deriva do árabe qawraya, que sabemos se empregava pelo menos desde o século XIII (…) As couraças, como assinala Huici Miranda, protegiam um caminho até um poço ou, como nos diz Robert Ricard, a um rio ou inclusivamente ao mar.” (GOZALBES CRAVIOTO, 1980, p. 365)
As couraças seriam um elemento constante e marcante das fortificações portuguesas em Marrocos, garantindo não só que as manobras de abastecimento se realizassem em segurança, como o próprio controlo da zona ribeirinha enquanto território vital à sua sobrevivência.
O Oued Ksar Seghir no local onde a “Couraça Velha” se situava
A localização da primitiva couraça sobre o rio compreende-se pelo facto de na altura o Oued Ksar Seghir se encontrar menos assoreado, permitindo ao acesso de navios ao interior da barra. Nas escavações realizadas recentemente, foi encontrada a porta da Couraça Velha, cuja abertura, segundo El Boudjay, obrigou ao entaipamento momentâneo da Porta do Mar. (EL BOUDJAY, 2017, entrevista citada)
A couraça teria um papel fundamental no cerco de 2 de Julho a 24 de Agosto de 1459 imposto pelo Rei de Fez, já que permitiu operações militares de entrada e saída da praça com maior segurança. Segundo Zurara, ocorreu então uma surtida realizada por um grupo de cavalaria e infantaria que pôs em debandada os sitiadores para o Monte Seinal, situado na margem esquerda do rio. Rui de Pina dedica um capítulo a este cerco, dando conta dos combates e bombardeamentos ocorridos. O Rei de Fez acabou por retirar, devido ao cansaço das suas tropas e à falta de mantimentos, e à bravura com que os portugueses se defenderam. Como balanço, comentou que “foram lançadas na vila duas mil e quatrocentas e cinquenta e seis pedras grossas, foram mortos dos cristãos até XXV, e dos mouros muitos, de que se não houve o número certo”. (PINA, [15–] 1902, Vol. III, p. 13)
Gozalbes Cravioto refere que esta couraça foi a única que os portugueses construíram dirigida a um rio e não ao mar. “As funções eram muito diferentes: uma assegurava o abastecimento por mar e a outra protegia o abastecimento de água potável à população, assim como as saídas dos escutas, atalaias e facheiros ao campo exterior” (GOZALBES CRAVIOTO, 1977, p. 54). Esta couraça era rematada na sua extremidade por uma pequena torre e em 1514 encontrava-se arruinada. Das obras realizadas durante o século XV constaram também a adaptação das torres da Porta do Mar para alojamento do Capitão, D. Duarte de Menezes, e a construção de uma torre circular no mesmo local, de altura considerável, servindo de atalaia da praça.
As obras da couraça foram executadas por Pêro Lopes, besteiro dos contos, e Vasco Martins, carpinteiro (CORREIA, 2008, p. 154), mas as realizadas após 1473 foram dirigidas por Rodrigo Anes, nomeado nesse ano Mestre das Obras dos Lugares de África (CORREIA, 2008, p. 155).
Segundo Pedro Dias, trabalharam também neste período na fortificação da vila, João Anes e Rui Lourenço. (DIAS, 2002, p. 57)
O Rif na região entre Ceuta e Alcácer Ceguer
O ano de 1464 fica marcado pela morte de D. Duarte de Meneses, Capitão de Alcácer Ceguer, num episódio em que deu a sua vida para salvar a de D. Afonso V, numa incursão imprudente na Serra de Benacofu. O episódio é descrito por André Luiz Bertoli num texto onde analisa a Crónica do Conde D. Duarte de Meneses de Gomes Eanes de Zurara, escrita entre 1464 e 1468.
D. Afonso V organizou uma incursão à Serra de Benacofu a partir de Ceuta, para a qual convidou alguns nobres cavaleiros para o acompanharem. Entre eles, D. Duarte de Meneses, que, apesar de contrariado por conhecer os perigos da região, que era muito acidentada, arborizada e povoada, não recusou o convite. Entre os fidalgos estavam “o duque de Bragança e seus filhos, o conde de Guimarães e D. Afonso; D. Afonso de Vasconcelos, conde de Vila Real; o conde de Monsanto; o conde de Viana, D. Duarte de Meneses, e seu filho D. Henrique”. (BERTOLI, 2012, p. 193)
Zurara refere que D. Duarte tinha o destino marcado, já que um monge tinha profetizado que se combatesse às ordens de outrem seria morto. “Ironicamente, o prudente conde D. Duarte acabou perecendo sob o comando do rei, aquele que, segundo os espelhos de príncipes, deveria ser o exemplo de nobreza, cavalaria, prudência e justiça, mas que nesta ação narrada por Zurara representa a cavalaria desordenada e destemida em busca de glória e renome.” (BERTOLI, 2012, p. 193)
Após algumas escaramuças o Rei mandou os besteiros e peões retirarem para Tetuan, na época desocupada devido à sua destruição pelos portugueses, ficando a hoste portuguesa muito reduzida em homens. Apercebendo-se do facto, os mouros, que se encontravam escondidos no mato, começaram a atacar ferozmente os portugueses, que tiveram que retirar em debandada. D. Duarte, por ser o mais conhecedor dos terrenos, foi escolhido pelo Rei para cobrir a retirada, acabando por ser morto juntamente com alguns dos seus homens.
Zurara, cujas crónicas são invariavelmente tendenciosas, fazendo a defesa das posições oficiais do poder, não reconhece a imprudência do Rei e o erro da sua decisão. “Segundo o cronista o rei não pretendia recuar, mas, ao contrário, lutar até a morte contra o muçulmano, sendo este considerado um destino e morte honrada para um rei/cavaleiro/cruzado português.” (BERTOLI, 2012, p. 195-196)
Alcácer Ceguer no início do século XVI. Fonte Jorge Correia
No início do século XVI começam os trabalhos da reforma manuelina, iniciando-se com a construção de uma nova couraça, cujo projecto do ano de 1502 é atribuído a Diogo Boitaca, foi levado a cabo por Pêro Vaz e no qual trabalhou Fernão Gomes, pedreiro de Faro. (CORREIA, 2008, p. 155)
A Couraça Nova partia do Castelo, de cuja obra se encontrava associada, e ia até ao mar, numa extensão de 110 metros. A couraça era um verdadeiro corredor fortificado, que garantia a supremacia sobre a Praia e assegurava que as operações de logística se efectuassem de forma segura e eficaz.
O dito corredor era coberto com um telhado, com caminho de ronda em toda a sua extensão de um lado e do outro, provido de merlões, tendo na sua extremidade dois torreões circulares ou baluartes guarnecidos de bocas de fogo e uma porta de grandes dimensões. O Baluarte Oeste tinha no seu nível superior “duas bombardeiras dirigidas a Oeste, em direcção a uma montanha próxima chamada Seinal e uma para o mar. Na torre (Este) haviam outras duas dirigidas ao campo e outra para o mar.” (GOZALBES CRAVIOTO, 1977, p. 52)
A porta situada entre as duas torres era arqueada e sobre ele existia uma janela para comunicar com os barcos e uma pequena troneira.
O seu auto de medição foi realizado pelo próprio Boitaca em 1514.
Projecto da Couraça, desenhado possivelmente por Diogo Boitaca em 1502. Torre do Tombo, Lisboa
O projecto de Diogo Boitaca tem um relatório escrito pelo seu secretário, Bastião Luiz, denominado Instruções a Respeito das Obras da Vila de Alcacer Seguer, que acompanha o desenho anterior, publicado na colecção As Gavetas da Torre do Tombo, C.E.H.U, Lisboa 1965, tomo V, pág. 213-216, cujo extracto seguinte integra o artigo de Gozalbes Cravioto e a sua totalidade se inclui nos anexos da obra de Jorge Correia referenciados na bibliografia deste artigo.
No relatório percebe-se que o projecto de Diogo Boitaca era de facto um projecto de remodelação de uma couraça já existente, mas que não cumpria os requisitos necessários à sua função:
“A maneira que avees de teer no acrescamento da coyraça e obras dos cubelos que ora mandamos fazer em nossa villa d’Alcacer Ceguer homde vos ora emviamos por vedor a recebedor dellas he ho seguinte.
Item vos hordenamos que aquela coyraça que ora estaa feita se reforme e faça mais comprida até chegar aa augua nesta maneira e saber.
Que ha dita coyraça se acrescemte asy como saee do muro da villa e vaa teer e çarrar com ho mar naquella grosura que ora he. E no cabo della se façam dous cubellos redondos que subam sobre ha altura do muro da dita coyraça quatro palmos os quaes cubellos seram váaos e teera cada hum de váao em larguo quinze palmos e em grosura de parede biij palmos porque doutros tamtos fazemos fumdamento que sera a grossura do muro da coyraça que ora estaa feita e doutros tamtos farees esta que mandamos de quissa que sigua húua obra a outra e vaa toda por húua vitolla.
E se ho muro da dita coyraça que ora he feita nom for de tanta grossura de quanto quer que for há seguirees com toda a outra obra e asy os cubelos se criaram e sayram do mesmo muro da coyraça e grossura della de maneira que toda há parede seja húua.”
A Couraça Nova vista do Castelo, vendo-se o mar e, ao fundo, Espanha
A porta de entrada no Castelo pela Couraça Nova, sendo visíveis os vestígios do telhado que a cobria
“Item ao pee dos ditos cubellosmandamos fazer senhos tallamares de pedraira dereitos contra ho mar d’altura de dez palmos pouco mais ou menos segundo vos a vos e a Fernam Gomez pedreiro de Faram que convosco enviamos por mestre das ditas obras bem parecer e necessário pera o guolpe e rompimento do mar e asy for dereito acima a prumo quanto cumprir. Asy começara de cahyr o schamfrado e hira morer no peito do cubello a maneira d’alambor e seu espigam semprepolo meyo e dhi corra a pedraira na altura do dito talhamar em redondo polo pee do cubello e dhi pera cima seram d’alvenaria e de dentro ate a altura dos ditos talhamares seram os ditos cubelos mociços e cheos e ao olivel do cháo deles se faram en cada húm três bombardeiras e húua seteira de pedraira das faces de fora a saber húua bombardeira pera o mar per cima do ispigam do talhamar e as doutras duas comtra a praya com seu compasso e a seteira pera demtro dhúu cubelo contra o outro. E os ditos cubelos seram abobadados em redomdo sobre o cháo primeiro pera que o outro amdar de cima venha há dita abobada pera o quale farees húa porta em cada cubello por que se corram ao muro da dita coyraça e neste amdar de cima se faram três bombardeiras em cada cubello ao holivell do cháo do dito amdar a saber em h’uu dos cubelos duas pera a bamda do seynal e húua pera o mar e no outro duas pera a bamda das vinhas e outra pera o mar e as ameas dos ditos cubelos e as do muro da dita coyraça mandares fazer da feição das de Framça como as que se fizeram na barreira da dita villa. E porque as ameas da coyraça que ora he feita nom sáao da feição nem grandura mandares fazer de duas delas húua pera ficarem no compasso das outras pouco mas ou menos.
Item na testa desta coyraça antre ambos estes cubelos se fara húua porta pera o mar pera servemtia da dita coyraça e o portal della sera de pedraira e sera em lume de … palmos em larguo e de … em alto pera o qual mandares fazer húuas portas de viguas fortes e bem feitas com suas couceiras ferradas e sua tramca bem guarnecida. E a dita porta sera da grandura que a vos e ao dicto mestre bem parecer de guisa que aja nella húu postigo que nella farees.
E porquanto polas portas do amdar de cima dos ditos cubelos se nom poderam servir do hamdar do cháao deles debaixo da abobada far lhe es senhas portas em baixo de demtro da dita coyraça aos pees deles e asy os mandares cubrir de telhado sobre as ameas deles pera mais gaselhado quamdo cumprir…”
A Porta da Vila, de entrada no Castelo, integrada no baluarte semicircular
A intervenção na Couraça Nova concentrou todas as atenções da intervenção nas estruturas defensivas da vila, e “seria um novo regimento, datado de 20 de Dezembro de 1508, a impulsionar as reformas de Alcácer Ceguer, em particular do seu castelo”. (CORREIA, 2008, p. 158)
Os principais pontos desse regimento eram os seguintes:
Construção de um “perímetro acastelado”, em redor das estruturas Islâmicas pré-existentes à ocupação portuguesa, onde se instalassem os alojamentos do Capitão, um celeiro, armazém, moinho e forno. O Castelo seria dotado de uma cava chapada, baluarte semicircular com porta de ligação com a vila através de ponte levadiça sobre a cava, caso o inimigo penetrasse na vila, e seria construída uma Torre de Menagem quadrada na couraça.
As obras do Castelo obrigaram à demolição de algumas casas particulares, pertencentes a Brás Cebolinho, de acordo com uma avaliação de Martim Lourenço. “Da informação fornecida, retenha-se o pensamento, ao mesmo tempo pragmático e racional, da prioridade de um campo desafogado para a implantação do castelo sobre a demolição de um conjunto de casas particulares, ou seja, da primazia do interesse público e colectivo sobre o privado.” (CORREIA, 2008, p. 162-163)
A intervenção a cargo de Diogo Boitaca e Diogo Barbudo, foi complementada com outras estruturas defensivas, como “chapas e contra-chapas em vinte locais” (fosso argamassado nas duas faces) e tranqueiras, “defesas complementares dos muros da vila, da couraça e do castelejo, uma das quais, com cunhais de cantaria, ficava logo à esquerda da porta de Ceuta”. (DIAS, 2002, p. 61)
Pela descrição, estas tranqueiras seriam mais valados, e, tendo cunhais de cantarias, funcionariam como barbacã da própria muralha.
Alcácer Ceguer no início do século XVI, após as obras de Danzilho. Fonte Jorge Correia
No ano de 1511 chega a Alcácer Francisco Danzilho para reestruturar as fortificações da vila, sobretudo para as adaptar às técnicas modernas da arquitectura abaluartada. As suas obras seriam medidas em 1514 por Diogo Boitaca e Bastião Luiz.
No local da antiga Porta de Fez é construído o Baluarte de Fez, no Castelo é construído o Baluarte da Praia e a Porta de Ceuta é reformulada, sendo-lhe introduzido um baluarte para a sua defesa.
No Castelo é criada uma Praça d’Armas, onde se guardavam os cavalos e em cujas dependências se armazenavam armas e bens de consumo. (EL BOUDJAY, 2017, entrevista citada)
As intervenções de Danzilho foram apoiadas por outros construtores como Simão Lopes e Gonçalo Mateus. (DIAS, 2002, p. 63)
O Baluarte da Praia
A Praça d’Armas do Castelo, interior do Baluarte da Praia
A intervenção no Castelo e de construção do Baluarte da Praia permitiu “a criação de uma franca praça de armas no seu interior. Na nova estrutura, alamborada e rodeada de fosso, integraram-se dez canhoneiras alternadas em dois níveis e um adarve superior ameado, para artilharia ligeira.” (CRUZ, 2005, p. 53)
Segundo João Braga da Cruz, a intervenção de Danzilho tem assim uma especial atenção para o reforço dos três pontos de contacto da praça com o exterior _ Baluarte da Praia, Baluarte de Ceuta e Baluarte de Fez.
A estrutura urbana de Alcácer Ceguer
Áreas escavadas por Redman & Boone e possível estrutura urbana segundo os mesmos autores
Sobreposição dos elementos desenhados na foto aérea do local
O facto de Alcácer Ceguer ter sido parcialmente arrasada pelos portugueses no seu abandono e a partir de aí ter tido apenas ocupações esporádicas, teve como resultado que a sua estrutura original se mantivesse, permitindo estudar a vila tal como era nesses tempos.
Referem Charles Redman e James Boone, arqueólogos americanos que escavaram inicialmente o local nos anos 70, que no período da ocupação portuguesa “a colónia tornou-se mais do que um posto avançado militar, evoluindo para uma cidade altamente diferenciada com ruas calcetadas, várias praças, grandes edifícios públicos e uma variedade de estruturas particulares, públicas e religiosas”. (REDMAN e BOONE, 1979, p. 5)
Estas estruturas acolhiam os moradores, comerciantes, artesãos e restantes habitantes que asseguravam as actividades necessárias à vida na praça, e os fronteiros, ou seja, nobres com funções militares e administrativas, e suas famílias. A população total é estimada em 800 indivíduos.
O local era densamente ocupado por construções, ruas e praças, tendo como eixo estruturador a Rua Direita, ligando a Porta de Ceuta à Porta de Vila, e como edifícios principais a Igreja de santa Maria da Misericórdia, antiga Mesquita, a Assembleia da Vila, a Prisão, adaptada do Hammam, ou Banhos Públicos e a Igreja de S. Sebastião, havendo também evidências da existência de um mercado. (REDMAN e BOONE, 1979, p. 13-14)
“O resto da malha era pontilhada por pequenos equipamentos colectivos, moinhos, fornos e poços, que definiam unidades residenciais compostas por várias habitações que formavam uma cobertura bastante equilibrada da área intra-muros. Apesar da sua matriz mediterrânica, as habitações portuguesas adaptaram-se às pré-existentes, mas impuseram frequentemente novos planos, mais próximos da rua. De facto, uma maior abertura da arquitectura vernacular ao exterior traduz o efeito geral da apropriação da vila herdada e do pensamento e da tradição europeus que progressivamente desenharam uma malha mais regular, procurando alinhamentos e ortogonalidades.” (CORREIA, 2013, p. 7-8)
Vestígios da Igreja de Santa Maria da Misericórdia
Planta da Igreja de Santa Maria da Misericórdia de Redman & Boone
No texto de Redman e Boone é referido que muitos dos edifícios e arruamentos portugueses apresentam vestígios dessa adaptação, patente em estratigrafias anteriores que se mantêm por baixo. “Em geral, a irregularidade das plantas dos edifícios reflecte a mistura de edifícios residenciais, áreas de industrias ligeiras e talvez estabelecimentos comerciais construídos em conjunto com uma mais vasta área do aglomerado.” (REDMAN e BOONE, 1979, p. 25)
As habitações da cidade, identificadas nas escavações de Redman e Boone, eram construídas em alvenaria de pedra e cal ou tijolo e tinham entre 3 e 6 compartimentos e uma área média de 60 m2, mas os edifícios de maior dimensão apresentavam pátios interiores. Muitos edifícios mostram evidências de alterações posteriores, nomeadamente de subdivisão de compartimentos, provavelmente para fazer frente ao aumento da população. (REDMAN e BOONE, 1979, p. 26-27)
Para além dos já referidos fornos e moinhos, foram descobertos outros edifícios de caracter industrial, como oficinas de ferreiro com as suas forjas.
Vestígios do edifício da Assembleia da Vila
Redman e Boone identificaram e recolheram inúmeros outros materiais construtivos, sobretudo telhas e pedras de cantaria, muitas das quais em estilo Manuelino, e muitos artefactos utilitários, como cerâmicas e utensílios metálicos, e moedas. Em muitos dos artefactos são evidentes as relações comerciais entre Alcácer e outros locais, sobretudo na Península, mas também no Mediterrâneo e inclusivamente no extremo oriente. (REDMAN e BOONE, 1979, p. 28-39)
Outro aspecto de grande interesse nas escavações é o dos esqueletos encontrados, num total de 196 indivíduos, 55% dos quais homens, 28% mulheres, 11% crianças e 6% adultos sem sexo determinado. A maior parte dos adultos morreu antes dos 40 anos, alguns enterrados ao mesmo tempo, sinal de possíveis epidemias, e outros apresentando sinais de fracturas cranianas. Alguns evidenciavam sinais de doenças, como artrites.
Das análises aos vestígios alimentares, destacam-se os cereais, as carnes, maioritariamente bovina e suína, mas também de gado miúdo, galinha, peixe e conchas, e alguma caça, como veados. (REDMAN e BOONE, 1979, p. 40-41)
Alcácer Ceguer vista do Monte Seinal
A presença do Monte Seinal na margem esquerda do Oued Ksar Seghir, em situação sobranceira em relação à cidadela, sempre constituiu uma ameaça à segurança dos portugueses no local e chega a ser iniciada a construção de uma fortaleza no seu cimo.
Em 1549 D. Afonso de Noronha, capitão da praça de Ceuta, chega a Alcácer com a missão de construir essa fortaleza, iniciando-se a construção de um castelo de madeira como preparação para uma fortificação roqueira. Em Agosto chegam a Alcácer D. Pedro e D. João de Mascarenhas, acompanhados por Miguel de Arruda e Diogo Telles, que defenderam que a obra do Seinal devia ser abandonada e Alcácer evacuada, pela dificuldade de garantir a sua defesa. Mas D. João III encarrega D. Afonso de Noronha da empreitada, dizendo-lhe que Luís de Loureiro e Miguel de Arruda deviam ser ouvidos nas principais decisões. (DIAS, 2002, p. 64-65)
“Foi Miguel de Arruda quem traçou o plano da obra que se começou (…) D. João III manteve sempre Miguel de Arruda à frente da obra, e acabou por receber os planos detalhados e ainda uma maqueta em barro.” (DIAS, 2002, p. 65)
Mas apesar de se terem recrutado homens de armas e pedreiros na Andaluzia, “mil trezentos e cinquenta pelo menos”, a construção nunca se concretizaria. Poucos meses depois suspende-se a construção do Forte no Seinal e a estrutura edificada até então é destruída para não poder ser utilizada pelo inimigo. No ano seguinte Alcácer Ceguer seria evacuada, com grandes destruições feitas pelos próprios portugueses, sendo os seus bens, armas e homens transferidos para a vizinha Tânger.
Fernando Pessanha, citando Hugo Cavaco, refere que algumas das pedras do Seinal foram transportadas para Portugal e reutilizadas na construção das igrejas da extinta Vila de Santo António de Arenilha, junto à actual Vila Real de Santo António. (PESSANHA, 2014, p. 84)
No texto de João Braga da Cruz o autor refere que as demolições que os portugueses realizaram na vila serviram para entulhar o fosso e a barra do rio, bloqueando a entrada de embarcações para se abrigarem no seu interior. (CRUZ, 2005, p. 65-67)
A Couraça reconstruída, alma de Alcácer Ceguer
Abandonada após a evacuação, Alcácer Ceguer não sofreu alterações posteriores, mantendo os seus elementos fundamentais, que se foram degradando ano após ano. O lugar voltaria a ganhar importância durante o período da expulsão dos mouriscos da Península, sendo utilizado como porto de acolhimento de refugiados.
Hoje é considerada um sítio arqueológico, visitável, que dispõe de um Centro de Interpretação aberto ao público. Excepção feita ao Castelo, à Couraça e ao tramo Poente da Muralha, que subsistem no seu essencial, reconstruídos recentemente numa parceria entre o Ministério da Cultura de Marrocos e a Associação do Património do Litoral Marroquino, com financiamento do Ministério da Cultura e da Embaixada dos Estados Unidos da América. Patentes estão também os vestígios arqueológicos dos edifícios mais significativos, escavados inicialmente pela equipa de Redman, e que continuam a ser investigados por uma equipa portuguesa, no âmbito de um projecto tutelado “pela Universidade Nova de Lisboa e pela Conservation du site archéologique de Ksar Seghir, sob a direcção de André Teixeira e Abdelatif El-Boudjay.” (SANTOS, 2017, p. 206-210)
Do conjunto ressalta a monumentalidade da Couraça Nova, agora rejuvenescida, que Gozalbes Cravioto assim descreve, em ruínas, já que o texto é anterior às recentes obras de restauro, mas que ilustra a sua importância para a sobrevivência da comunidade portuguesa que habitou em Alcácer Ceguer:
“Hoje, as ruínas da couraça marítima, a “couraça nova” portuguesa, parecem mostrar-nos que foi o mar o único cordão umbilical de um império impossível”. (GOZALBES CRAVIOTO, 1977, p. 57)
Cher Monsieur
Merci d’avoir contribuer à la promotion de ce site emblématique. Bon courage et je souhaite que vous recevrez plus de commentaires. Ils nous intéressent en tant que gestionnaire du site.
Cher Dr. Elboudjay. Merci pour votre encouragement et mes félicitations pour votre travail dans le site de Ksar Seghir. Je suis un lecteur attentif de vos études et recherches et j’éspère qu’un jour on puisse se connaitre, incha Allah.
Porque o tempo escasseia nesta minha circunstância actual de vida para visitar e ficar sem pressas a navegar por este seu magnífico site, local especial e único de tanta aprendizagem de cultura histórica tão importante e prazerosa que o seu talento nos permite, Frederico Mendes Paula, bem haja !
A nossa admiração e consideração pelo seu saber, sensibilidade, trabalho e entrega permanece e se consolida num valer a pena sempre vir aqui ! Merece bem ser muito mais divulgado, só que hoje os faits divers políticos de uma sociedade do espectáculo e de mercado formatada e a (des) informação facebookiana e dos media em que o nível cultural vai descendo á mediocridade assustadoramente entretêm as pessoas no imediato de um quotidiano apressado sem tempo para pausas e silêncios para reflectirem em profundidade.
Mas somos muitos os que o apreciamos, que eu saiba . E que nos apaixonámos por Marrocos : ) Saudações cordiais.
Isabel Maria
Muito obrigado. Fico sem palavras. Os meus cumprimentos