Cavaleiros da Duquela
A presença de Portugal em Marrocos limitava-se a uma rede de praças isoladas situadas na costa, comunicando entre si por via marítima. Essa presença nunca existiu no interior do país, onde não existem vestígios edificados, a não ser os dos cativos portugueses ao serviço das autoridades locais. No entanto, a constituição do chamado Protectorado da Duquela, coincidente com a capitania de Nuno Fernandes de Ataíde em Safim, representou um esforço da Coroa Portuguesa para o domínio de um vasto território no interior do Sul do país, numa estratégia ilusória da criação de um Marrocos Português, que o tempo se encarregaria de contrariar.
E se, no dizer algo romântico de alguns autores como David Lopes, “a sua capitania é a página mais assombrosa da história luso-marroquina; foram seis anos de vida trepidante de cavalgadas e combates (…) ele e os seus companheiros foram que fizeram do nome português sinónimo de bravura e lhe criaram essa auréola que ainda tem naquele país” (LOPES, [1937] 1989, p. 31), a verdade é que o Protectorado foi criado com base numa política de terror, à custa do sangue e do sacrifício das populações locais, para quem a presença de Portugal não deixou saudades, como prova esta frase de Marmol y Carvajal sobre a destruição da cidade de Tidjout pelos portugueses:
“A cidade foi repovoada rapidamente depois, e vive-se aí tranquilamente desde que os Portugueses abandonaram Safim”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 17)
“Estats et royaumes de Fez et Maroc, Dahra et Segelmesse tirés de Sanuto, de Marmol, etc”. Nicolas Sanson 1655. Bibliothèque nationale de France
A Duquela, em termos geográficos, era para os portugueses o território que abarca as regiões marroquinas de Doukkala-Abda e parte das de Marrakech-Tensift-El Haouz e Sous-Massa-Daraa, assim definidas no anterior quadro das regiões administrativas, e que no actual quadro da regionalização inclui parte das regiões de Casablanca-Settat, Marrakech-Safi e Souss-Massa.
Corresponde ao território que Léon l’Africain e Marmol y Carvajal descrevem no século XVI como abarcando a parte da Barbária correspondente ao Reino de Marrocos, concretamente três das suas sete províncias, a saber, Hea (ou Haha, na costa do Oceano Atlântico entre Mogador e Agadir), Sus (ou Sous, de Agadir para Sul) e Ducale (ou Dokkala, a Norte e Noroeste da cidade de Marrocos, ou de Marraquexe), e do Reino de Fez, apenas parte de uma das suas sete províncias, concretamente a de Temezne (ou Temsna, situada entre os rios Bou Regreg e Oum Er-Rbia), e que se encontram ilustradas na Planta de Nicolas Sanson de 1655. (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 7-8)
A Duquela é geograficamente um território constituído por três grandes planícies férteis, a Dukkala, a ‘Abda e a Chiadma, contendo algumas elevações de média altitude, como o Jbel Hadid, a Serra de Ferro, o Jbel Bani Maguir, os Montes Claros, e o Jbel Lakhdar, a Serra Verde, conforme designações das crónicas portuguesas. É atravessada por dois rios importantes, o Oum Er-Rbia ou Morbeia, que desagua em Azamor, e o Tensift, o Rio Tenerife ou Rio de Aguz, que desagua em Souira Kadima. O clima é atlântico na costa e continental no interior, sendo em geral uma região com escassez de recursos hídricos. Apesar desse facto, tinha no século XVI várias florestas nas zonas mais altas e uma fauna variada, incluindo leões, lobos, gazelas, cabras, cervos, perdizes e patos. Os habitantes dedicavam-se ao cultivo dos cereais, à apanha do argão e à pastorícia de gado, sobretudo miúdo.
Safim
Damião de Góis refere que “desta província da Duquela, os principais lugares são, Safim, Tite, Almedina e Azamor, que todos com os mais estiveram à obediência del rei D. Manuel”, fazendo uma distinção entre os “habitadores dos lugares cercados, a que chamam Bárbaros, o qual nome tomam da província de Africa chamada Barbária” e os “que sempre andam no campo se chamam Árabes, e dizem que estes vieram da Arabia, e se fizeram senhores da terra, os quais são mais guerreiros, e poderosos que os que vivem nos lugares cercados.”(GÓIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 89)
Em relação aos Berberes ou Bárbaros, como refere Damião de Góis, pertencem à Unidade Etnico-Linguística dos Masmoudas, facto que Leão o Africano e Marmol y Carvajal confirmam, sendo os Árabes originários de vários grupos. Damião de Góis descreve-os assim:
“Destes Árabes há na Duquela três linhagens, a que chamam Xerquia, Abida e Garabia” (GÓIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 89), divididas em Cabildas, que nomeia, e que contabiliza em termos de cavaleiros, homens de pé, número de aduares (aldeias) e de tendas por aduar. Apenas por curiosidade, a contabilidade de Damião de Góis em relação aos Árabes da Duquela, dá um total de 9.000 cavaleiros, 135.000 homens a pé e 590 aduares ou aldeias, com uma média de 100 tendas cada aduar.
Segundo os estudos de Yassir Benhima, a realidade social da Duquela é bastante complexa. De facto, os seus habitantes originais, tendo em conta que não existe informação anterior ao século XI, são Berberes do grupo Masmouda, divididos em três subgrupos _ os Dukkala, designação que significa gente da terra ou do barro, os Banu Maguir, cuja origem Amazigh alguns autores colocam em causa e outros defendem que poderão ser Amazigh do grupo Sanhaja e não Masmouda, e os Regraga, nome relacionado com a baraka ou bênção. Estes subgrupos por sua vez subdividem-se em várias tribos. (BENHIMA, 2003, p. 205-209)
Tribos da Duquela à data da ocupação portuguesa
Quanto aos Árabes, Benhima aponta para a presença de dois grupos, os Khult e os Banu Sufyan, que se instalam no século XII, tendo os Khult evoluído para um processo de sedentarização, dando origem (já nos finais do século XV) aos grupos Gharbia e Xarquia (Ocidental e Oriental), enquanto os Sufyan, por intermédio de uma facção chamada Banu Al-Harith começam a disputar as terras mais junto à Cordilheira do Atlas, expulsos pelos Khult. Este processo, que ocorre no século XIII, corresponde à conquista da região pelos Merinidas (via Khult), expulsando o poder Almóada (via Sufyan) para Marraquexe e para o Atlas (BENHIMA, 2003, p. 248). Estes movimentos tribais são acompanhados por um apoio dos Merinidas às confrarias Sufi do Sul de Marrocos, principalmente à de Safi, formando-se temporariamente seis Taifas autónomas na região (BENHIMA, 2003, pp. 249-251). A fundação da cidade de Almedina pelos Merinidas acontece neste período, como afirmação do poder central do Makhzen de Fez, contrariando as aspirações territoriais dos Emires Hintata sobre a Duquela, que, entretanto, se tinham apoderado de Marraquexe. (BENHIMA, 2003, pp. 251-252)
Os Chiadma, tribo berbere arabófona, cuja origem está no cruzamento de etnias locais com os Banu Maaqil imigrados do Yemen, surgem também no século XV e partilham com os Regraga o território do Jbel Hadid. O último grupo a chegar são os ‘Abda, que se instalam na zona da foz do Rio Tensift. (BENHIMA, 2003, pp. 209-216)
No século XV a Duquela vive um período de independência, tanto do poder de Fez, que em meados do século foi tomado pelos Oatácidas, como dos Hintata de Marraquexe, sendo disputada por facções locais, facto que irá facilitar a entrada dos portugueses na região. (BENHIMA, 2003, pp. 205-209)
O Morabito de Sidi Chachkal, um dos muitos testemunhos das confrarias Sufi na Duquela
Uma questão que não é clara nos textos consultados prende-se com as características do povoamento da Duquela, considerada por alguns autores como dominantemente caracterizado pelos aglomerados sazonais ou nómadas, ligados sobretudo à pastorícia, mas outros referem uma rede de aglomerados permanentes dependentes da agricultura. Esta questão é determinante para a própria forma de relacionamento entre os portugueses as tribos e como a vassalagem se processava.
Concretamente, nos textos portugueses é referido que a Duquela teria apenas duas cidades de importância significativa, Safim e Azamor, e duas outras de importância secundária, Tite e Almedina, sendo o restante aduares de carácter precário, como escreve David Lopes, afirmando que “nestes territórios, tirando as nossas praças, só havia duas povoações de alguma importância: Tite, entre Mazagão e o Cabo Branco, e Almedina, a Leste de Ualídia. Tudo o mais eram alcaimas, aduares ou adixares” (LOPES, [1937] 1989, p. 33). O próprio documento de criação do distrito e diocese de Safim, refere que o mesmo era “composto por Azamor, Almedina, Tite, Mazagão e todos os lugares adjacentes através de bula ‘In apostolice dignitatis, de 1499.” (CORREIA, 2008, p. 285)
Esta realidade não corresponde inteiramente ao que afirmam Léon l’Africain e Marmol y Carvajal. De facto, nos seus textos são descritas várias cidades de pequena dimensão, algumas muralhadas, a maioria das quais hoje não existentes, pelo facto de terem sido destruídas durante o período do Protectorado e esvaziadas da sua população, fosse pelo abandono voluntário, fosse pelo abandono forçado. Benhima estima que, só em deportados para Portugal, o número tenha atingido as 100.000 pessoas (BENHIMA, 2003, p. 218), para além das próprias deportações internas, sejam as realizadas nas zonas controladas pelo Reino de Fez, sejam as fugas de populações para zonas de paz.
A marca dos poucos anos que Portugal dominou a Duquela teve enormes consequências nas características do seu povoamento e tecido económico, já que os portugueses exigiam o pagamento de tributos em géneros, mas destruíam a capacidade para os produzir.
Gravura de Safim em 1572, in Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, Biblioteca Nacional de Portugal
Esta falta de um poder centralizado na Duquela permite que, numa primeira fase, os portugueses estabeleçam acordos de vassalagem e instalação de feitorias em Safim, Azamor e Meça e, numa segunda fase, ocupem posições na costa com a construção de algumas fortalezas e conquistem Safim e Azamor. Aliás, a tomada de Safim, tira partido da situação de divisões internas que se vivia na cidade.
“Até ao ano de 1507, um esforço astucioso e continuado de fomento à intriga e rivalidade internas, articulado com um plano secreto de colocação da feitoria em estado de defesa e sustentado por um apoio naval de grande envergadura, tornaria irreversível a tomada portuguesa de Safim”. (CORREIA, 2008, p. 263)
Para além da sua importância político-estratégica, a Duquela tinha um enorme valor económico pelo comércio que aí se praticava:
“Por uma declaração de Nuno Gato, em Maio de 1512, relativa aos direitos que pagavam na alfândega de Safim determinadas mercadorias que entravam na cidade, se vê o comércio que aí se fazia de produtos da região. Eis a enumeração de alguns: peles de cabra, couros de vaca, cera, lã, anil marroquim, alquicés, pescado, mel, manteiga, boi ou vaca, carneiro, tasconte, cardão, haiques…” (LOPES, [1937] 1989, p. 55)
Mas tinha sobretudo um outro valor muito mais importante, que era o da garantia da submissão das tribos à Coroa Portuguesa e o pagamento de elevadíssimos tributos, pagos sobretudo em trigo, cevada, milho, cavalos, burros, camelos, carneiros e têxteis. “Os tributos em trigo que a Duquela, Abda, Xiátima e outras tribos pagavam eram mais de 7.000 cargas de camelo”. (LOPES, [1937] 1989, p. 61)
Para assegurar o domínio deste vasto território com uma força militar reduzida e, sobretudo, sem o indispensável apoio naval, principal arma da ocupação portuguesa, eram utilizados grandes contingentes de mouros de pazes ou mouros de sinal, aqueles que se submetiam ao ocupante português, enquadrados na guerra guerreada que os militares portugueses desenvolviam.
Esta guerra guerreada, baseada em acções de contraguerrilha e de intimidação das populações era constante, dado que, nem a emergente dinastia Sádida do Suss, nem a dinastia Oatácida de Fez, nem os Emires Hintata de Marraquexe, controlavam as tribos locais, não sendo viável a celebração de um acordo de paz global na região. A situação era assim de extrema instabilidade e gerida pelos portugueses tribo a tribo.
Cavaleiros Árabes
Marmol diz que Mulay Idriss reinava nas montanhas do grande Atlas, Aben Haddo e Mulay Ferez, seu irmão, na Montanha Verde e numa parte da Duquela, incluindo alguns lugares no Rio Oum Er-Rbia, os Xerifes dominavam o Suss e parte de Hea, Mohamed Oataz, penúltimo rei de Fez, tinha as províncias de Escura e Tedla e outra parte da Duquela, e Mulay Nasser Bouchentuf tinha apenas a cidade de Marrocos. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 63)
No dramático conflito que marcou a presença dos portugueses na Duquela digladiaram-se três grupos com interesses antagónicos.
Os portugueses, cuja política era a do terror, da submissão das populações e pagamento de tributos, ou, em alternativa, a guerra, pilhagens, escravidão e destruição das suas cidades. Esta realidade estava plasmada nos próprios acordos de vassalagem que referiam que “para além disso (dos tributos acordados), os portugueses correm o país na companhia dos seus aliados, cobrando tributos das províncias vizinhas, ou saqueando e fazendo os seus habitantes prisioneiros.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 86-87)
O Reino Oatácida de Fez, que tendo consciência de que não poderia constituir uma alternativa no terreno, sobretudo após a derrota em Boulaouane, praticava uma política de terra queimada, esvaziando as cidades e os campos dos seus habitantes, que levava para a região de Fez, deixando aos portugueses o mínimo para saquear, ao mesmo tempo que disputavam com o Reino de Marraquexe a supremacia sobre um inevitável Marrocos unificado que se aproximava. Este antagonismo entre Fez e Marraquexe era de tal forma evidente, que durante a correria de Nuno Fernandes de Ataíde a Marraquexe participou “um Tenente do rei de Fez e várias tropas”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 65)
Os Xerifes do Suss e os Emires Hintata de Marraquexe, esperançados que a sua hora de tomar o controlo da região e expulsar o invasor português acabaria por chegar, tentavam manter as cidades povoadas, constituindo uma rectaguarda e um apoio para a sua guerra de guerrilha. A Duquela era afinal o seu território natural e onde estava o seu povo.
O Escudo Português do Castelo do Alto de Safim
Nuno Fernandes de Ataíde, conhecido como o nunca está quedo, é o grande responsável pela criação de um vasto território de mouros de pazes, que ficou conhecido como Protectorado da Duquela, que governaria até à sua morte em 1516. No dizer de Damião de Góis “Nuno Fernandes de Ataíde foi tão astucioso e tão incansável nos negócios da guerra, que assim os cristãos, como mouros de pazes e guerra lhe chamavam nunca está quedo, porque fazia tantas entradas e por caminhos tão desviados, que em nenhum lugar o tinham certo, assim os que o acompanhavam, como os que dele temiam, pelas muitas mudanças que fazia, sem poderem atinar os caminhos que tomava, até junto aos lugares que ia acometer.” (GOIS, [1566] 1949, IV Parte, fl. 7)
Nuno Fernandes era um convicto de um Marrocos Português construído à custa das armas e com base no pagamento de tributos forçados pelos seus habitantes. O Protectorado seria assim uma instituição com base na guerra. Para o ajudar, nomeia como seu adaíl Lopo Barriga, um outro valoroso militar que não lhe ficava atrás em coragem e ousadia.
Mas criação desta vasta área de mouros de pazes nunca teria sido possível sem a existência de um alcaide local como aliado, suficientemente influente para conseguir unificar as várias tribos e torná-las vassalas da Coroa Portuguesa, neste caso assente na pessoa de Yahya Bentafuft, que prolongaria a vida do Protectorado por mais dois anos após a morte de Nuno Fernandes, se bem que numa situação de clara desagregação.
“Nuno Fernandes de Ataíde era então governador de Safim e mantinha ao serviço do Rei de Portugal quinze mil cavaleiros Arabes e as comunidades das províncias da Duquela e Hea, sob o comando de Cide Yahya Aben Tafuf, de modo que corria todas as terras de Marrocos e lhes fazia pagar contribuição ou por amor ou pela força”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 63)
O Castelo do Mar de Safim
Se parece consensual na maior parte dos autores consultados este papel determinante de Nuno Fernandes na criação do chamado Protectorado da Duquela, também é verdade que o papel de Bentafuft nem sempre é devidamente reconhecido.
As relações entre os mouros de pazes e as autoridades locais portuguesas em Marrocos não eram as melhores, muito marcadas pela desconfiança, já que Yahya, apesar de colaborar com os portugueses, não renegava nem a sua origem, nem a sua fé. De origem berbere, Yahya era um líder nato, que “à cabeça das tribos Árabes das zonas costeiras da região, os Gharbia e os ‘Abda, participou em numerosas campanhas militares e razias punitivas contra as tribos e localidades recalcitrantes à autoridade portuguesa”. Yahya foi sempre olhado pelos portugueses de Safim como demasiado ambicioso e ostensivo, utilizando inclusivamente “num ou outro texto o título de Emir ou de Sultão”, sendo visto como um possível líder em busca de poder autónomo. (BENHIMA, 2003, p. 261)
Apesar disso, tinha o apoio incondicional de D. Manuel, que das duas vezes que o enviam a Lisboa “para ser castigado” o manda de volta para a Duquela com poderes reforçados. D. Manuel tinha consciência do papel imprescindível de Yahya e da sua razão quando lhe escreveu a seguinte carta, na qual expressa bem que os militares portugueses não estavam nada interessados na paz, a qual era imprescindível para as ambições da Coroa de Portugal:
“Senhor, o dia que de Portugal parti mencomendaste a paz e que eu a comprasse por meu dinheiro, e fiz tudo o que Vossa Alteza mandou, fiz a paz com tudo aquillo que eu pude, que nunca se tal fez nem viram em Duquella em nenhum tempo, e apanhei todalas pagas e as trouxe a Safim em obra de quinze dias, e não dei nem peitei por fazer a paz nenhum dinheiro de vossa fazenda, e o capitão e os cavalleiros que cá estão não querem paz, senão guerra, e isto fazem por não terem nenhum proveito da paz, nem do serviço que eu faço, por não terem que tomar, nem que repartir, e por este respeito todos me querem fazer mais mal do que podem, agora não sei o que de mim faça, trouxe de vossa alteza um regimento e o capitão manda que faça cá outro, peço a vossa alteza que me faça justiça, me mande dizer o que hei de fazer de mim e dos meus, no que receberei muita mercê”. (LOPES, 1897, pp. 59-61)
Uma rua na Medina de Safim
De facto, “quando Bentafuf foi mandado para Portugal por Azambuja, o objetivo do português era que ele fosse castigado por sua atitude contrária aos interesses do império; porém, na Corte, o mouro fez amizade com poderosos e nunca foi punido por suas graves faltas Lopes (1940, p.119) estima que a sua volta a Safim deve ter-se dado no começo de 1511, para onde veio como alcaide de ‘Abda e Garbia, com a finalidade de apaziguar as populações que vinham contra Safim de toda a Duquela e além, para por fim ao domínio português.” (TEIXEIRA, 2006, p. 23)
No entanto, o seu relacionamento com Nuno Fernandes era aparentemente o de subalterno, como evidenciam as cartas por ele escritas ao capitão em português aljamiado, esta em concreto denotando também a contradição em que vivia:
“Louvores ao seu Deus. Senhor D. Nuno, vosso servo Iahia Tafufte vos faz saber que, desno dia que vim a esta terra, não vi nenhum prazer nem descanso com cristãos, nem menos com mouros. Os mouros dizem que sou cristão e os cristãos dizem que sou mouro, e assim estou em balanças sem saber o que hei de fazer de mim, senão o que deus quiser, e quem boa conreição tiver Allá o salvará”. (LOPES, 1897, p. 63)
O campo da Duquela
As fontes consultadas para a descrição dos factos que de seguida se apresentam foram as obras de Leão o Africano, Damião de Góis e Luis de Marmol y Carvajal, referenciadas na bibliografia, sendo que duas constatações devem ser feitas _ as três obras são em tudo semelhantes nos factos que relatam, mas observam-se diferenças nas datas que apresentam. Por exemplo, Marmol y Carvajal refere que o ataque a Tednest aconteceu em 1514, enquanto Leão o Africano diz que foi no ano de 918 da Hégira, 1513, facto confirmado por Damião de Góis. Marmol refere que o massacre de Amagor ocorreu em 1516, enquanto que na obra de Damião de Góis parece ter ocorrido em 1515. Assim, é natural que na cronologia que apresento, existam discrepâncias em relação às datas dos eventos relatados.
Os anos de 1508 e 1509 foram de consolidação do poder na cidade de Safim. 1510 conhece um cerco à cidade e no seu seguimento Nuno Fernandes inicia o processo de domínio sobre as tribos vizinhas. “Após a sua nomeação em Safim no ano de 1510, Nuno Fernandes começou a fazer correrias em todas as direcções ao redor da cidade, tendo submetido os Mouros num raio de 5 ou 6 léguas.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 83-84)
Vemos assim que a submissão do território do interior da Duquela começa logo com a nomeação provisória de Nuno Fernandes em 1510, tendo em conta que a sua nomeação definitiva como capitão de Safim só acontece em 1513. Um aspecto que sobressai das cronicas é a total ausência das palavras paz ou acordo, dominando os termos pagar e castigar. E se ano a ano o território tributado aumentava, a capacidade de os seus habitantes em pagar o tributo diminuía, já que as populações fugiam ou eram escravizadas, as suas aldeias destruídas e as suas manadas roubadas.
As populações escravizadas em Marrocos constituíam a grande maioria dos escravos em Portugal no período inicial da escravatura. Aliás, a designação escravo só surge posteriormente, sendo chamados inicialmente mouros. Mouros negros, se fossem Norte-Africanos, Mouros pretos, se fossem da Africa subsariana. Daí a expressão trabalhar como um mouro. De acordo com Rogério Ribas, cerca de 70% dos indivíduos julgados em Portugal pela Santa Inquisição eram do Norte de Africa, e constituíam o grosso da população mourisca portuguesa. A Duquela era a origem de grande parte deles. (RIBAS, 2006, p. 2)
Evolução do Protectorado da Duquela
No início de 1511 o raio de acção das razias e consequentemente da área tributada aumenta, com a chegada de Bentafuft de Lisboa com poderes reforçados por D. Manuel.
“O Governador, que tinha trazido de novo Yahya de Portugal, tendo tempo e ocasião, saqueou várias aldeias Berberes e vários aduares Arabes, enviou para Portugal uma quantidade de cativos para vender da provincia da Duquela e lugares vizinhos. Enfim, estes dois chefes obtiveram tantas vantagens sobre os Mouros, que todos os habitantes da província da Duquela, dos lugares que estão ao longo do Rio Ommirabi, ou ao longo da costa, os do interior do país até ao monte Atlas, e a mais de quinze léguas do lado de Marrocos, pagam tributo.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 84-85)
Nesse ano de 1511 as correrias concentraram-se na zona situada entre Safim e Azamor, com particular incidência na cidade de Almedina.
Numa primeira incursão, iniciada no dia 22 de janeiro, Ataíde partiu de Safim com 430 cavaleiros e 100 peões e besteiros e foi atacar 5 aduares nos arredores de Almedina, que destruiu, e onde roubou muito gado “grosso e miúdo”. Os locais responderam com uma força de “1.000 peões e 400 de cavalo” e travou-se uma rija batalha, “porque eram tantas as lançadas que estavam de arremesso, zargunchadas, e pedradas que encobriam o ar”, mas os mouros foram desbaratados, morrendo mais de 300. A hoste portuguesa foi seguida até Safim por cerca de 800 de cavalo. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fls. 26-28)
Rebanho na região da Duquela
Na segunda incursão, realizada a 23 de Outubro, Nuno Fernandes teve conhecimento que 25 aduares do Norte da Duquela se tinham concentrado junto a Almedina. Os espiões portugueses evitavam os caminhos normalmente utilizados pelos Mouros porque os rastos dos cavalos de uns e outros eram facilmente identificáveis, já que os mouros apenas pregam as ferraduras com 6 pregos, enquanto os portugueses o fazem com 8. No dia seguinte Nuno Fernandes deixou Safim com 450 cavaleiros e 500 arcabuzeiros e juntou-se a Yahya Bentafuft. Quando avistaram os mouros numa planície junto ao mar, os portugueses dividiram as suas forças ficando o grosso no cimo de uma colina com o governador, enquanto Lopo Barriga atacou com 250 homens de cavalo, com tanto ímpeto que matou 300 mouros. No seguimento do combate foram aprisionadas 567 pessoas, de todas as idades, 5.000 cabeças de gado miúdo, 1.000 bois ou vacas, 300 camelos, asnos, muitos cavalos e bestas de carga, deixando mortas no campo 300. No dia seguinte vários alcaides da região dirigiram-se a Safim para afirmar a sua vassalagem e pagar o seu tributo. Os tributos que ficaram acordados foram os seguintes:
“Os de Abda, que são os principais Arabes da província, pagam mil cargas de camelo por ano, metade trigo, metade cevada, duas cargas de cevada por cada uma de trigo que não paguem. A carga de um camelo são vinte medidas de cevada ou doze de trigo. Para além disso dão mais seis belos cavalos e quatro falcões. Os de Garbia, que são também os principais da província, são taxados do mesmo com os de Uled Ambran d’Iscani, que são também muito poderosos e muito ricos, os de Uled Chedma, que são uma comunidade Berbere que vive em aduares como os Arabes, e são muito poderosos, e os de Uled Motaa com os habitantes da cidade de Almedina, que são Berberes. Para além disso haverá o imposto de trigo que os Arabes levarão à cidade no valor de cinquenta mil alqueires de trigo e cem mil de cevada. Os das cidades de Aguz, de Aguer e de Namer, que estão com a mesma taxa que estas comunidades, pagarão também a sua taxa de igual modo que os outros, com quatro fêmeas de falcões. É este o rendimento de Safim antes da tomada de Azamor, sem contar com a Alfândega e outros direitos sobre as mercadorias. Para além disso, os portugueses correm o país na companhia dos seus aliados, cobrando tributos das províncias vizinhas, ou saqueando e fazendo os seus habitantes prisioneiros.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 86-87)
Bentafuft foi também compensado com um soldo e poderes:
“Além de lhe el Rei fazer mercê, lhe assentou soldo para ele, e vinte criados seus, com o título de Alcaide da Duquela”. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 30)
O Jbel Hadid ou Serra do Ferro
No ano de 1512 as acções centram-se na ocupação do Rio de Aguz (Oued Tensift). Numa dessas incursões, Yahya foi ao castelo de Amirauel cobrar impostos aos daquela comarca, levando consigo 170 cavaleiros da tribo ‘Abda. Os Chiadma (Xiátima) souberam da sua presença e atacaram-no com 800 homens de cavalo, mas foram vencidos por Bentafuft. Poucos dias depois Nuno Fernandes Mandou Cide Yahya e Lopo Barriga ao Jbel Hadid (Serra do Ferro), à aldeia de Azeze, onde mataram alguns mouros, captivaram outros e roubaram gado. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fls. 64-65)
Nesse mesmo ano atacaram Almedina, “cercada de muros, os moradores dela vivem das suas lavouras que sã muito abundantes, são muito destros a cavalo, de que tem muitos, e bons de suas criações. As mulheres são louçãs e bem ataviadas.” Nuno Fernandes atacou a cidade com 400 lanças e alguns homens de pé, cujas defesas eram de 600 de cavalo e 6.000 de pé. Foi travada uma batalha, sem vencedor, e os portugueses retiraram. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fls. 65-66)
Noutra ocasião, Nuno Fernandes, acompanhado de Lopo Barriga e D. Nuno Mascarenhas, com uma força de 250 cavaleiros, atacaram uns aduades a leste de Safim. Surpreendidos por 400 cavaleiros Mouros, tiveram que retirar, perdendo todo o saque que tinham feito, que era de 20.000 cabeças de gado miúdo. Oito dia depois atacaram o arraial do Rei de Marrocos que estava acampado junto ao cabo Cantim, mas tiveram que retirar, dada a superioridade do inimigo. Mesmo assim pilharam vários aduares no caminho, trazendo mais de 300 cativos, muitos cavalos e camelos. O Rei de Marrocos mudou o seu arraial para a Serra de Benimagre, que Ataíde atacou com 500 cavaleiros portugueses e muitos outros de Bentafuft. Os de Marrocos retiraram e os portugueses aprisionaram “muitas mulheres nobres (…) gado, cavalos, camelos, e mais de quatrocentos cativos”. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fls. 66-67)
Arkemoud, entre Essaouira e Souira Kadima
As correrias prosseguiram neste ano de 1512 pela região a Sul de Safim. Lopo Barriga e Bentafuft atacaram o campo de Alehanz, junto aos Montes Claros, onde “mataram mais de mil almas, e trouxeram cativas cento e cinquenta e oito, com muito gado vacum, e miúdo, camelos, bestas muares, cavalos, e muitas tendas com outro despojo”. De seguida entraram no país Chiadma, onde capturaram mais 50 almas. Nesse dia o Xerife do Suss entrou na região e atacou a hoste portuguesa, “e se travou entre eles uma muito cruel escaramuça, porque eram estes homens cortesãos, e bem ataviados e armados”. No final o Xerife retirou. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 68)
Certa ocasião o rei de Marrocos atacou Bentafuft no lugar de Aguz, ao que Nuno Fernandes lhe mandou um reforço de 500 cavaleiros. A vitória do alcaide foi total, com grande quantidade de despojos, tendas, cavalos, camelos, gado grosso e miúdo. No dia seguinte Nuno Fernandes e Lopo Barriga chegaram ao local e segundo Damião de Góis, Nuno Fernandes terá ficado muito triste pelo facto de não ter sido ele o autor de tal façanha. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 69)
O ano de 1513 é o da conquista de Azamor e do abandono de Almedina e Tite pelos seus moradores. Neste ano as correrias centraram-se sobretudo nas áreas envolventes a Azamor e nos povoados situados ao longo do Rio Oum Er-Bia ou Rio Morbeia. Sobre Tite e Almedina escreveu Damião de Góis:
“Sabida pelos moradores das cidades de Tite, e Almedina a tomada de Azamor, as despejaram de todo, do que certificado o Duque, mandou tomar posse da de Tite, e Nuno Fernandes de Ataíde, capitão e governador de Çafim foi tomar de Almedina, posto que naquele tempo pagava páreas a elrei dom Emanuel, onde achou grande soma de trigo, e cevada, e deu dela a capitania a Cide Iheabentafuf, de que lhe tomou a menagem em nome del Rei, e deu salvo conduto a todolos que dela saíram, para se tornarem, pagando seu tributo, como dantes, e para maior segurança de não rebelarem, mandou derribar dois lanços do muro, um da banda Dazamor, e outro da parte de Çafim, e a cidade se tornou a povoar, e a ser mais próspera do que antes era.” (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 91)
Cavaleiros
Em Fevereiro desse ano, com uma força de 1.200 cavaleiros e 1.000 homens de pé, foram arrasadas e incendiadas várias aldeias nas margens do Rio Morbeia, como Bencafiz e Tafuf “onde acharam muitos mouros, mouras e meninos, que uns se lançavam à agua e outros andavam já nadando para se salvarem da outra banda do rio”. Houve alguns combates e os portugueses cativaram duzentas almas e muito “gado vacum, miúdo, camelos, cavalos e outras alimárias.” (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 92)
O alargamento da área de tributos processou-se também para Sul, com a destruição de Tednest. Marmol y Carvajal, descreve Tednest como a principal cidade da província de Hea, sendo muralhada, contando com mais de três mil habitantes, muito rica em agricultura e gado, e muito desenvolvida ao nível das actividades artesanais e com um comércio intenso com Safim. Tinha mesmo um hospital para os pobres. Foi sempre partidária dos Xerifes, que aí construíram um sumptuoso palácio. Foi atacada em 1514 (esta data não corresponde à apontada por leão o Africano e Damião de Góis, que afirmam ter sido em 1513) por um capitão africano de nome Yahya Ben Tafuft, vassalo do rei de Portugal e pelo seu aliado Nuno Fernandes de Ataíde, que com cem cavaleiros cristãos, três mil cavaleiros mouros e oitocentos soldados de infantaria arabes da Duquela, que fizeram oitocentos mortos e duzentos prisioneiros entre os da cidade, tendo perdido cento e vinte dos mouros de pazes. A batalha decorreu nos arredores da cidade e a população fugiu para as montanhas. D. João de Meneses, governador de Azamor veio apoiar os cristãos e o saque em gado, cereais e outros bens foi enorme. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 7-9)
Leão o Africano descreve as suas muralhas e a mesquita que existe no centro da cidade, para além de outros templos e de um asilo para os pobres. Refere também como os habitantes de Tednest são acolhedores e simpáticos e diz que existe um bairro judeu com 100 habitações que se dedicam ao comércio. “Esta cidade foi arruinada no ano novecentos e dezoito da Hégira (1513): pela razão que todos os seus habitantes fugiram para as montanhas subitamente, e daí se transportaram para Marraquexe. A causa desta fuga foi porque o povo se apercebeu que os Árabes vizinhos desta cidade fizeram um complot com o capitão dos Portugueses (que se encontram em Safim) para a entregar nas mãos dos cristãos. E eu vi esta cidade depois que foi demolida, cujas muralhas estão todas por terra, e as casas servem de ninho para os corvos e outros pássaros, que foi no ano novecentos e vinte (A.D. 1514).” (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 137-138)
A Casbah de Boulaouane
O ano de 1514 fica marcado por dois acontecimentos de grande relevância _ a Batalha de Boulaouane, ou dos Alcaides e a correria provocatória de Diogo Lopes aos muros da cidade de Marrocos (Marraquexe).
No mês de Abril, o Rei de Fez, Mulay Mohamed organiza um poderoso exército para atacar Azamor, composto de duas hostes, uma comandada por si próprio e a segunda comandada pelo seu irmão e vice-rei de Meknés, Mulay Nasser. As duas hostes fariam o percurso separadamente, estando previsto encontrarem-se a Sul de Azamor, no local de Boulaouane. No entanto, o grosso do exército é desviado a meio do caminho para socorrer um ataque a Tânger e o exército marroquino ficaria na prática reduzido à sua vanguarda, comandada pelos Alcaides Al-‘Attar (Latar) e Lutete, que dispunham de cerca de 7.000 homens de armas, entre os quais cavaleiros, besteiros e espingardeiros. Estes alcaides já se encontravam em Boulaouane e os portugueses, cujo exército se encontrava concentrado nas proximidades, em Sarnu, perceberam que se atacassem de imediato defrontariam uma força bastante mais reduzida. Assim aconteceu e a derrota dos Alcaides foi total. No dia seguinte chegou o restante exército de Fez, o qual, percebendo que não teria hipóteses de conquistar Azamor nem defrontar os portugueses se limitou a raziar o campo envolvente, onde sofreu mais alguns reveses e retirou.
Em Outubro o almocadém de Safim Diogo Lopes faz uma correria provocatória a Marraquexe, levando consigo cerca de 450 mouros de pazes e 50 cavaleiros portugueses, “os quais mouros de pazes chegaram alguns tanto adiante, até darem com os contos das lanças nas portas da cidade, bradando viva elrei dom Emanuel nosso senhor”. Durante o regresso fizeram 53 cativos, outros despojos, 10.000 ovelhas e 330 camelos. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 99)
Para além destes dois acontecimentos, foi realizado um ataque a Al Borj (Aleborge), nos Montes Claros, por Bentafuft, Lopo Barriga e D. Afonso, filho do Conde de Mira, com 1.000 cavaleiros mouros e 150 portugueses, a quarenta aduares, que saquearam, matando muita gente, trazendo 500 cativos, 400 camelos e mais de mil cabeças de gado. (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fls. 124-125)
Principais combates na Duquela
No ano de 1515 a área tributada não parece ter aumentado.
Os Chiadma, e com eles Sidi Bou Jemaa (Cide Bugima) vieram-se queixar aos portugueses que o Xerife do Suss andava fazendo ataques nas suas terras. De facto, o Xerife de Hea, reagindo às pilhagens que Nuno Fernandes fez na sua região, quando entrou vinte e cinco léguas pelo seu território adentro, pilhando 50 aldeias, matando e aprisionando muita gente, levando para Safim mais de 20.000 cabeças de gado, 400 camelos, sem que ninguém lhe fizesse frente, juntou um exército e atacou o território dos Uled Chedma, vassalos dos portugueses. Lopo Barriga juntou 50 cavaleiros com os quais atacou os invasores e no dia seguinte recebeu mais 50 cavaleiros portugueses e um reforço de 100 mouros de pazes. Formou 4 esquadrões, dando um ao seu sobrinho Pedro Barriga e a Jorge Mendes e atacou o xerife que tinha 1.600 lanças, organizadas em 3 esquadrões, um de 700 cavaleiros comandado pelo seu filho mais velho Abdelquibir, o segundo de 300, comandado por ele próprio e outro de 600, comandado pelo seu filho Hamet. O combate durou duas horas, foram mortos cem mouros e os portugueses tiveram apenas 4 feridos. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 87-88)
Nuno Fernandes nunca se conformou com o facto de Diogo Lopes ter feito uma correria a Marraquexe e ele não. Tanto assim foi, que organizou um exército para provar a todos que ele também o poderia fazer, apesar de essa correria não ter qualquer significado estratégico relevante, apenas uma provocação e um acto de vaidade pessoal, apesar de já se ter escrito que Nuno Fernandes tentou conquistar Marraquexe, coisa que nunca aconteceu. Marraquexe não era conquistável com o tipo de forças disponíveis, mas sobretudo, mesmo que o fosse, não era governável.
No dia 23 de Abril de 1515 partiram das salinas da Duquela, “trezentos cavaleiros cristãos de Safim, duzentos de Azamor, cem arcabuzeiros a pé, e dois mil e quatrocentos cavaleiros Mouros (…) os da Charquia e Abdalá tinham a direita, os da Garbia a esquerda, os Cristãos estavam no meio (…) atacaram Marrocos e as opiniões eram diferentes (…) resolveu-se atacar pela Porta de Fez (…) o combate durou mais de quatro horas e houve vários mortos e feridos de ambas as partes. No final saiu tanta gente por todas as portas, tanto a pé como a cavalo, que se decidiu retirar por uma passagem do Rio Tensift”. O exército Cristão foi atacado na sua rectaguarda durante a travessia do rio e no regresso raziaram os campos por onde passaram. Participou do lado dos portugueses um contingente do Rei de Fez, facto que é significativo em termos políticos. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 50-66)
A Kutubyia de Marraquexe
O ano de 1516 fica marcado pelo alargamento da área tributada para Sul e, sobretudo pela morte de Nuno Fernandes de Ataíde, marcando o início do fim do Protectorado da Duquela.
Neste ano acontece a página mais negra da vida do Protectorado, com o terrível massacre de Amagor, uma cidade situada no alto de uns penhascos, com oitocentos fogos, com um castelo e algumas aldeias à sua volta. Era uma cidade aliada dos Xerifes até ao ano 1516, quando Nuno Fernandes de Ataíde enviou Lopo Barriga com duzentos cavaleiros e cinquenta soldados de infantaria, mais mil cavaleiros Arabes comandados por Sidi Bou Jemaa (Cide Bugima). Marmol conta que o ataque à cidade fez duzentos mortos entre os habitantes, mas cerca de oitocentos atiraram-se dos rochedos e muralhas para não serem aprisionados pelos Cristãos. Quatrocentos deles foram feitos prisioneiros e o saque foi de tal dimensão, que durou três dias. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 22-24)
Cabras numa Argânia Spinosa, árvore típica do Suss marroquino
Damião de Goís refere a propósito que “o Castelo de Amagor está situado numa serra áspera, situada de rochedos (…) aquela vila é muito forte e de grande termo, em que haverá mais de cento e oitenta aldeias”. O Xerife encontrava-se no local e o ataque travou-se junto às tranqueiras (paliçadas) que 350 soldados forçaram e entraram na cidade.
“Os da vila vendo-se entrados se lançaram pelo muro e rochedos para se salvarem, de que morreram a ferro duzentos e dos que se lançaram pelo rochedo abaixo mais de mil almas, entre homens, mulheres e meninos, de que muitos morreram espetados em árvores que havia no rochedo por onde se lançaram, e assim os cavalos selados, enfreados por não ficarem em poder dos cristãos (…) os cativos foram mais de quatrocentos (…) cento e oitenta cavalos selados e enfreados. Foi tanto o despojo de móveis, trigo, cevada, mel, manteiga, galinhas, gado e outras coisas, que três dias contínuos não fizeram os mouros outra coisa, que acarretar da vila para o arraial, no fim dos quais se partiram com o despojo”.
Em Safim foram levados em procissão à Sé pela vitória alcançada e Damião de Góis remata a sua descrição com esta frase que os leitores julgarão pela sua crueza:
“Esta foi uma das honradas vitórias que os portugueses até então tiveram naquelas partes de Africa.” (GOIS, [1566] 1949, III Parte, fl. 127)
O Castelo do Mar de Safim
No ano seguinte Nuno Fernandes recebe um pedido de ajuda dos Uled Motaa, vassalos da Coroa Portuguesa, que se queixaram de que os Uled ‘Amran tinham saqueado as suas terras. Nuno Fernandes preparou um exército de 450 cavaleiros portugueses e 60 arcabuzeiros apeados, e levou mais 3.500 cavaleiros de Garbia. Viajaram toda a noite e saquearam a base rebelde de Uled ‘Amran, nos Montes Claros. De regresso traziam muitas mulheres, crianças e velhos como prisioneiros. O chefe rebelde, Rahu ben Xamut perseguiu o grupo com cem cavaleiros e gritou para os mouros que estavam do lado dos portugueses que era tempo de se vingarem dos cristãos, que tanto mal lhes faziam, fazendo ataques contra essa coluna. De entre os prisioneiros estava a sua amada, mulher que todos os autores referem ser muita bela, e gritou-lhe que não desesperasse, porque a iria salvar. Marmol y Carvajal descreve de forma poética o diálogo entre Rahu e a sua amada Yote, que pedia aos soldados que a libertassem, para ir ter com seu amado. O diálogo, travado no meio da contenda, é por demais teatral, com promessas de amor eterno e afirmações de fatalidade do destino cruel, e digno de um verdadeiro romance, que aqui não cabe reproduzir, que aliás Damião de Góis confirma na Quarta Parte da sua Cronica, folhas 7 e 8.
Rahu continuou a encorajar os mouros a não colaborarem com os cristãos e atacou a rectaguarda da coluna, comandada pelo genro de Nuno Fernandes. Este mandou então o genro para a vanguarda e tomou o seu lugar. Rahu chegou-se próximo dele e matou-o com um golpe de zagaia no pescoço. Nesse momento os mouros de pazes atacaram os portugueses e muitos morreram. Não só Nuno Fernandes, como o seu genro, o seu tio, o seu cunhado e muitos outros nobres. Outros foram feitos prisioneiros, como Lopo Barriga, D. Henrique de Sá, Jorge de Brito, D. António Carneiro, num total de 35 nobres. Rahu levou os prisioneiros para Marraquexe, onde foram entregues ao Xerife.
O que é mais incrível nesta história é que Rahu foi por sua vez morto pouco tempo depois por um jovem mouro de Fez que lhe trespassou o pescoço da mesma forma que ele matara Nuno Fernandes. Levaram o corpo à sua mulher que nunca mais bebeu nem comeu e morreu, sendo enterrada juntamente com ele.
A Menara de Marraquexe
Lopo Barriga ganhou fama também na prisão, onde matou vários dos homens que ali se dirigiam para o insultarem. Foi espancado e a sua camisa enviada toda ensanguentada ao rei de Portugal que pagou por ele um grande resgate. Lopo foi libertado e viajou para Portugal, mas regressou a Safim, onde foi morto em combate em 1534. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 88-92)
Yhaya estava nessa altura em Portugal e é então enviado para Safim com poderes reforçados, no dizer de Marmol y Carvajal “na qualidade de General de todos os vassalos do Rei”. Bentafuft ainda consegue manter na esfera da Coroa Portuguesa a maioria das tribos durante algum tempo, percorrendo o território com um poderoso exército de 15.000 cavaleiros Mouros e 500 Cristãos para cobrar os tributos devidos.
Mas a situação começa a ser insustentável, com muitas tribos a negarem-se a pagar os tributos e a apoiarem os Xerifes. Em 1519 Yahya é assassinado pelos Uled Abram e os portugueses voltam a ficar confinados às suas praças fortes no litoral, prevendo o desfecho inevitável da sua evacuação alguns anos depois.
Como final deste artigo, apresenta-se uma descrição de uma quantidade apreciável de cidades e lugares que existiam á data do Protectorado, hoje desaparecidos, a maioria dos quais destruídos pelos portugueses. A localização de muitos deles é imprecisa e resulta da conclusão retirada das descrições dos textos consultados (Léon L’Africain e Marmol y Carvajal) e de cartografia dos séculos XVII e XVIII. As contradições e imprecisões das fontes são consideráveis, na definição das localizações e distâncias em léguas referidas pelos cronistas, como pela sua localização nas cartas.
Aglomerados urbanos da Duquela à data do Protectorado
Detalhe da carta “Fessae et Marocchi regna”, Hondius, Jodocus. Cartographe, 1600. Bibliothèque nationale de France
Detalhe da carta “Estats et royaumes de Fez et Maroc, Dahra et Segelmesse tirés de Sanuto, de Marmol, etc”. Nicolas Sanson 1655. Bibliothèque nationale de France
Detalhe da carta “Statuum Maroccanorum regnorum nempe Fessani, Maroccani, Tafiletani et Segelomessani”, Homann, Johann Christoph (1701-1730). Cartographe. Bibliothèque nationale de France
Tednest (actual Talmest?) é a principal cidade da província de Hea. É muralhada e conta com mais de três mil habitantes. Foi atacada por um capitão africano de nome Yahya Ben Tafuft, vassalo do rei de Portugal e pelo seu aliado Nuno Fernandes de Ataíde, que com cem cavaleiros cristãos, três mil cavaleiros mouros e oitocentos soldados de infantaria arabes da Duquela que fizeram oitocentos mortos e duzentos prisioneiros entre os da cidade, tendo perdido cento e vinte dos mouros de pazes. A batalha decorreu nos arredores da cidade e a população fugiu para as montanhas. O saque em gado, cereais e outros bens foi enorme (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 7-9). “Esta cidade foi arruinada no ano novecentos e dezoito da Hégira (1513), pela razão que todos os seus habitantes fugiram para as montanhas subitamente, e daí se transportaram para Marraquexe. A causa desta fuga foi porque o povo se apercebeu que os Arabes vizinhos desta cidade fizeram um complot com o capitão dos Portugueses (que se encontram em Safim) para a entregar nas mãos dos cristãos. E eu vi esta cidade depois que foi demolida, cujas muralhas estão todas por terra, e as casas servem de ninho para os corvos e outros pássaros, que foi no ano novecentos e vinte (A.D. 1514)” (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 137-138).
Agobel (?) é uma cidade pequena, mas forte, situada numa alta montanha com trezentas e cinquenta casas. Foi atacada por Lopo Barriga com cento e vinte cavaleiros cristãos e oitocentos mouros seus aliados. Foram feitos cento e vinte prisioneiros e a cidade incendiada e saqueada. Esteve abandonada até que os Xerifes a voltaram a povoar. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 10)
Alguel (?) é uma cidade muralhada construída numa montanha de difícil acesso. Foi vassala da Coroa Portuguesa, mas os seus habitantes acabaram por tomar o partido dos Xerifes. Nuno Fernandes, acompanhado dos mouros de pazes de Yahya Bentafuft e Sidi Bugima organizaram o seu cerco, que não se concretizou. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 11)
Miat Bir (?), ou Cem Poços “pertence ao Alto Atlas, onde se vêm ainda no seu cimo as ruínas de grandes edifícios, que parecem ter sido feitos pelos Romanos, e ao seu lado um poço muito profundo”. Para além das ruínas de edifícios importantes, que os “patifes” de Fez vêm rapinar, existem muitos poços que comunicam entre si através de grutas grutas com muitos morcegos e hienas. Essas gritas e poços deu ao local o nome “Cem Poços” e não habita aí ninguém (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 309). Esta descrição de Miat Bir não corresponde a uma outra do mesmo autor, na qual conta que por várias vezes Lopo Barriga se divertiu a atacar Miat Bir no seu caminho para Alguel, o que pode indiciar que existiriam duas Miat Bir. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 11-13)
Uma Kasbah no Alto Atlas
Teculet (actual Ouled Amira?) está situada dezoito milhas a Ocidente de Tednest, entre Tednest e a foz do Oued Tensift. Tem mil e quinhentos habitantes, é muralhada e tem quatro hospitais para os pobres e outros para religiosos. É uma cidade rica pela sua proximidade ao porto, tem cavalariças e produz cera que vende aos portugueses. No ano de 1517 entrou em guerra com os portugueses e foi destruída por eles (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 139-140). Está situada na encosta de uma montanha junto a um porto onde existe o velho Castelo de Aguz. A sua região é muito rica em nozes, figos e uvas e tem uma água muito boa. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 14)
Hadequis (actual Souk El Had Atouabet?) é uma cidade com altas muralhas, com templos e muitas lojas. Realiza-se uma feira quinzenal muito rica, onde se comercializa o óleo de argão, cavalos, gado, manteiga e muitos têxteis. “Entre este povo, encontram-se mulheres dotada de uma beleza perfeita, branca, ligeiramente cheias, e sobretudo bem dispostas e com graça. Mas os homens são brutos e impelidos por ciúmes desmesurados, de tal forma que só estão à vontade depois de tirarem a vida do corpo daqueles que tiverem um caso com as suas mulheres”. (É caso para perguntar o que terá Leão o Africano andado a fazer por esta aldeia!!). Os portugueses arruinaram esta cidade no ano de 1516 (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 141-142). Segundo Marmol y Carvajal, situa-se a três léguas a Sul de Teculet, tem mais de mil casas, e “não há lugar na província onde as mulheres sejam mais belas e mais brancas e mais bem dispostas e onde apreciem mais gentileza e galanteria, mas gostam muito dos estrangeiros e os seus maridos são bem ciumentos (…) Nuno Fernandes de Ataíde acompanhado de Yahya tomou esta cidade de assalto no ano de 1514 e levou as mais belas escravas que houve em Portugal.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 16)
Heusugaghen (?) situa-se três léguas a Sul de Hadequis (segundo Léon L’Africain a duas milhas!) é uma praça-forte situada no cimo de uma montanha com cerca de quinhentos fogos, habitada por gente selvagem que não tem “nem honra nem consciência do bem e só pensam em vingar-se dos seus inimigos e matá-los se puderem à traição, que é o que eles gostam mais.” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 16)
Cavaleiros mouros
Técheuit ou Tidjout (?) é uma pequena cidade de trezentos fogos, a quatro léguas a Poente de Heusugaghen, cuja população é muito trabalhadora. Cultivam a terra, têm árvores de frutos e criam gado e cavalos. Na região há muitos leões que atacam frequentemente e matam os seus animais (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 146-147). Os portugueses tomaram este lugar em 1514, escravizaram cinquenta habitantes, pilharam e incendiaram tudo. “A cidade foi repovoada rapidamente depois, e vive-se aí tranquilamente desde que os Portugueses abandonaram Safim”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 17)
Tesegdelt (?) é uma grande cidade com oitocentos fogos, cercada por altos penhascos, que não necessita de muralhas, situada a quatro léguas de Técheuit. Os seus habitantes são corpulentos e corajosos e não pagam tributos as Arabes, resistindo corajosamente aos portugueses (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 148-149). Malmol y Carvajal estima o número de fogos num milhar e refere que fica a quatro léguas de Técheuit, junto ao rio com o mesmo nome. Tem na sua proximidade uma floresta, de onde extraem o óleo de argão. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 17-18)
Tagtessa (?) é uma cidade antiga no cimo de um monte, cujo acesso se faz por um estreito e difícil caminho, situada a cinco léguas a Sul de Tesegdelt. Os seus habitantes “são os mais orgulhosos e os maiores ladrões da região”. As mulheres descem ao rio para lavar a roupa através de degraus talhados na rocha. “Enfim, é um povo guerreiro e mau num lugar inconquistável”. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 18)
Eitdeuet (?) é uma cidade no cimo de uma montanha com setecentos fogos. Está rodeada de florestas e tem uma grande comunidade judia. Este povo leva uma vida austera e dura. Comem carne de cabra, pão e óleo de argão. As mulheres são “belas e coloridas, e os homens fortes, ágeis e práticos” (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 153-154). Marmol refere que fica a cinco léguas a Sul de Tagtessa e tem fontes com uma água muito fria e florestas de nogueiras. É uma cidade com escolas de leis, e onde existem juízes, advogados, procuradores e notários. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 19)
Uma aldeia no Alto Atlas
A seis léguas a Norte de Eitdeuet fica Culeyhat El Mujahidin (?), que é uma praça-forte situada numa montanha. Foi fundada por um Mouro de Tesegdelt chamado Omar que aí instalou uma confraria. A história deste local está envolta em episódios de guerra e assassinatos entre os seguidores de Omar e os habitantes das redondezas. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 20)
Egue Leguingil (?) é uma cidade situada no cimo duma falésia, duas léguas a Sul de Eitdeuet, de muito difícil acesso, onde vivem artesão e fabricantes de mel. São um povo guerreiro, que comercializa os seus produtos com os comerciantes Cristãos, que têm dificuldade em fazê-los seus vassalos. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 21)
Teftana (actual Tafedna) é um porto fortificado situado quatorze léguas a Poente de Egue Leguingil, que já foi uma “república” com alfândega que cobrava 10% ás mercadorias que entravam e saíam. Foi tomada aos cristãos pelos Xerifes no ano de 1511. Tem cerca de setecentos fogos. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 21-22)
Amagor (?) tem oitocentos fogos, um castelo forte e algumas aldeias à sua volta. Os habitantes cultivam cevada e têm cabras e cavalos. Era uma cidade aliada dos Xerifes até ao ano de 1516, quando Nuno Fernandes enviou Lopo Barriga com duzentos cavaleiros e cinquenta soldados de infantaria, mais mil cavaleiros Arabes comandados por Cide Bugima. Marmol y Carvajal conta que o ataque à cidade fez duzentos mortos entre os habitantes, mas cerca de oitocentos mais atiraram-se dos rochedos e muralhas para não serem aprisionados pelos Cristãos. Quatrocentos deles terem sido feito prisioneiros e o saque foi grande, já que durou três dias. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 22-24)
Cavaleiros mouros
Tesarot (?) é um pequeno povoado fértil a cinco léguas a Noroeste de Marraquexe, que pratica a agricultura e paga tributo a Portugal por intermédio dos Arabes Ouled Amran. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 46)
Toumedlast ou Tamdegost (?) é um pequeno aglomerado que cultiva cereais e produz tâmaras. Foi tributária dos portugueses, mas os seus habitantes abandonaram-na porque estes os maltratavam. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 50)
Conté (El Beddouza?) foi fundada pelos Godos na costa, a sete léguas a Oriente de Safi, junto ao Cabo de Conté (a localização na planta de Marmol não coincide com esta localização). Foi uma cidade muito povoada, mas os portugueses arrasaram-na, ainda sendo visíveis restos das suas construções (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 94). Léon L’Africain situa-a a 20 milhas de Safim (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 242).
Tite (actual Moulay Abdellah?) situa-se a 4 léguas a Oeste de Mazagão. Mulay Nasser, irmão do rei de Fez, Mohamed Uataz, tentou libertá-la do jugo dos portugueses, mas não conseguiu, apenas prendeu um tesoureiro que nela, com um judeu, cobrava impostos para o rei de Portugal, e evacuou a cidade que continua deserta com as suas casas e torres. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 94-95)
Meramir ou Maramer (Mramer?) situa-se cinco léguas a Leste de Safim e tem mais de quatrocentos habitantes vassalos dessa cidade. Após a conquista de Safim pelos portugueses, os habitantes fugiram, mas Nuno Fernandes de Ataíde prometeu-lhes segurança em troca de um tributo e eles voltaram. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 109)
Almedina (?) é uma cidade muralhada situada numa fértil planície entre Safim e Azamor, com muralhas e torreões. Foi arrasada pelo rei de Fez porque se tornou vassala dos portugueses, mas voltou a ser povoada. É uma cidade de cavaleiros que fez a guerra a Safim e Azamor e, quando os portugueses as abandonaram, fez a guerra a Mazagão. Por causa dos ataques dos portugueses, encontra-se abandonada. “É uma pena ver uma cidade tão bonita, tão bem situada e com tantos jardins, agora arruinada com as muralhas caídas, pois mesmo os Árabes não estão aí em segurança nas suas tendas por causa dos Cristãos de Mazagão” (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 111-112). Léon L’Africain chama-lhe a capital da Duquela (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 244).
Subeit (?) situa-se nas margens do Oum er-Rbia, numa zona fértil em cereais, mel e cera, que vendem aos Cristãos. Era tributária de Portugal desde a conquista de Azamor, mas foi evacuada pelo rei de Fez e encontra-se abandonada (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 112). Léon L’Africain situa Almedina a quarenta milhas de Subeit (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 247).
Tamarrost ou Tamarroch (?) situa-se nas margens do Oum er-Rbia. Tem cerca de 400 fogos. Desde que os portugueses a atacaram foi abandonada e os seus habitantes fugiram para Almedina. (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 248)
Targa (Sidi Ali Ben Youssef?) situa-se nas margens do Oum er-Rbia e trainta milhas de Azamor. Tem cerca de 300 fogos. Depois da conquista de Safim pelos portugueses foi um centro de guerrilheiros comandados por Halim. Foi evacuada pelo rei de Fez. (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, p. 249)
Boulaouane ou Bulaaguen é uma praça fortificada com 500 fogos. Foi o local de uma importante batalha travada contra os portugueses, no seguimento da qual foi pilhada e destruída. (LÉON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 249-250)
Benacafiz (?) situa-se nas margens do Oum er-Rbia a quinze léguas de Azamor e a duas léguas da Serra Verde. É de fundação antiga, com muralhas e torres. Foi incendiada pelos portugueses. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, pp. 114-115)
Super interessante. A questão que se me coloca é a de saber como havemos de contribuir para que uma relação histórica de conflito se possa transformar numa relação futura de paz e cooperação.
Precisamente através do estabelecimento de relações de amizade e cooperação, que não neguem o passado, mas o assumam tal como foi, de forma descomplexada, e o projectem para o futuro com base no legado comum, na identidade partilhada e na vontade de colaborar para o bem estar das suas comunidades. Os acontecimentos que ocorreram durante a ocupação de algumas áreas de Marrocos por Portugal têm já uma distancia que propicia esse relacionamento, muito favorecido pelas influências mútuas, por um património material e imaterial comuns e pelo facto de sermos vizinhos. Apesar das diferenças culturais, existe muita coisa que nos une…