Ponte de Afoullous, Khemisset. foto Mustapha El Qadery
O tema da influência portuguesa em Marrocos ultrapassa em muito os simples testemunhos edificados, assumindo aspectos pouco esclarecidos, por vezes mesmo desconcertantes, mas sobretudo pouco estudados.
Existe uma conotação do português com o inexplicável, com diversos mitos que fazem parte do imaginário marroquino, por razões mais ou menos compreensíveis, às quais não serão alheios os factos de se encontrarem enraizados em comunidades rurais, com base em histórias com origem suficientemente remota para darem largas à imaginação popular, mas de memória suficientemente recente para que os mais idosos as transmitam de geração em geração.
Podemos dizer que o mito do português L-Bartqiz, com surpreendentes referências a habitantes portugueses de grutas nos confins do deserto ou nas montanhas mais inacessíveis, a autores de pinturas rupestres em tempos imemoriais, a pontes construídas em locais longínquos que os portugueses nunca ocuparam, a prisões de cativos portugueses e até a uma condessa sedutora com pés de camelo, é tão fascinante para o senso comum marroquino, como o mito das mouras encantadas, dos piratas ou dos tapetes voadores é para o senso comum português.
O Mito do Português em Marrocos
O termo Bartqiz, também sendo comum escrever-se Bertkiz, Brtkiz, Berdqiz, Burtuqass ou mesmo Lburtayqiz, corresponde à adaptação da palavra português na Darija marroquina, dialecto Árabe de Marrocos, surgindo também na sua forma Árabe, Burtughali, sendo traço comum em todas elas o facto de as consoantes P e G não fazerem parte do alifato ou alfabeto Árabe, sendo normalmente substituídas pelo B e Q. Esta referência surge por vezes também nas formas de Nassari (Nazareno ou Cristão), Romi (Romano) ou Iroumi (termo usado pelos amazigh para a palavra Romi).
Por detrás deste mito do português estão razões de ordem cultural, mas também de ordem ideológica, que vários autores têm estudado, no sentido de entender a sua origem e a razão da sua persistência. Para todos eles, a marca do período colonial francês é uma constante, apesar de a entenderem de forma diversa. Para a investigadora Ana Neno Leite, existiu uma enfatização da presença portuguesa em Marrocos por parte do poder colonial francês, que se manifestou, por exemplo, na edição de muitos postais ilustrados com monumentos atribuídos aos portugueses, com o intuito de justificar a própria necessidade da existência do protectorado, de uma presença civilizadora, enquanto garante da modernidade e progresso num meio essencialmente pitoresco, segundo o termo utilizado pela própria autora.
“As imagens reproduzidas em série identificando o património português em Marrocos foram sobretudo as que podiam alimentar a ideia de um império glorioso e não a de um colonizador vencido. O discurso produzido nestes postais é de um domínio monumental europeu, face ao Marrocos pitoresco dos indígenas. O sentido de ser português como sinónimo de antiguidade que encontramos no imaginário de todos os marroquinos era já uma simbologia utilizada pelo Protectorado Francês. A representação pictórica exprime e articula as ideologias imperialistas, que conferem uma espécie de continuidade entre um passado colonial e a dominação europeia do momento moderno.” (LEITE, 2011, p. 18)
A Ponte Portuguesa de Khenifra sobre o Oued Oum Er-Rbia
Citado pela mesma autora, José Alberto Tavim vai mais longe, fazendo suas as palavras de Simon Levy sobre a generalização da coincidência entre os conceito de testemunho antigo e de português.
“Mas é verdade que, a outros níveis, se Portugal não é um “ilustre desconhecido,” é pelo menos um “ilustre pouco conhecido.” Ali estão os castelos e as cidades da costa abandonados, que todos os marroquinos associam de imediato aos “antigos” portugueses, expulsos pela força do Islão e dos poderes santificados de Marrocos. […] Simon Lévy chama a atenção que a “historiografia popular,” francesa e colonial, atribui aos portugueses tudo o que é anterior ao Protectorado (francês e espanhol), salvo evidentemente as mesquitas.” (TAVIM, 2005, p. 42)
Indubitavelmente, a referência mais desconcertante que qualquer português ouvirá em Marrocos é a da associação dos portugueses à vida nas cavernas, situação que, diga-se em abono da verdade, é bastante comum. No caso das grutas situadas na costa, como as Grutas dos Portugueses em Oualidia, o facto é compreensível, sabendo-se que Portugal ocupava importantes posições junto ao mar, e que as águas do chamado Mar das Éguas ou Golfo de Cádiz estavam pejadas de corsários e piratas portugueses. A situação deixa de fazer sentido quando essas referências são feitas a locais longínquos, situados no interior do país, em lugares tão ermos como o Alto ou Anti-Atlas.
Os Celeiros de Falésia de Aoujgal, no Alto Atlas. foto Kasbah Lodges Groups
No Alto Atlas central existem comunidades semi-nómadas que habitam sazonalmente grutas situadas em locais de difícil acesso, como em Assaka, no Vale de Ounila, entre Ait Benhaddou e Telouet, ou como em Aoujgal, na região entre Azilal e Imilchil. Estas grutas estão associadas a impressionantes celeiros de falésia, essenciais para a sobrevivências das tribos no Inverno, e motivo de guerras inter-tribais sangrentas.
No Anti-Atlas os celeiros fortificados ou agadires, plural igoudar, são também muito comuns. Os seus habitantes referem-se a eles, inexplicavelmente, como tendo origem portuguesa, chamando-lhes igoudar n-iroumine (agadires dos romanos) ou igoudar n-bertkiz (agadires dos portugueses).
“Na região de Bani e nas encostas Sul do Anti-Atlas, as ruínas de antigas construções situadas no cimo das montanhas e das colinas são também conhecidas pelo termo agadir. Estas são frequentemente atribuídas aos portugueses (berdqiz), aos cristãos/romanos (iroumiyne) (…) Robert Montagne, descreve (…) este postulado fazendo referência aos igoudar n’iroumine: Sabemos que uma lenda espalhada por todo o Atlas marroquino representa os primeiros habitantes das montanhas de Marrocos como cristãos que teriam ocupado os cumes de acesso mais difícil e utilizado as cavernas hoje inacessíveis”. (RAMOU, 2013, p. 7)
Agadir Id Aissa. foto Bart Deseyn
Parece consensual, na opinião dos vários autores consultados, que o advento da islamização é indissociável deste processo de identificação dos igoudar com os portugueses/cristãos, no sentido de constituir o marco entre duas épocas distintas. No entanto, a discrepância temporal entre esse momento de ruptura e a construção dos igoudar confere a esta situação um carácter ilógico, como fica patente nesta frase de Henri Terrasse citado por Salima Naji na sua obra Greniers collectifs de l’Atlas: patrimoines du sud marocain:
“Nenhum dos agadires que subsistem hoje parecem remontar a mais de dois ou três séculos. Mas em todas as artes berberes, a data absoluta do momento conta bem menos que a antiguidade da tradição que o prolonga”. (NAJI, 2006, p. 223)
Assim, esta conotação dos igoudar aos portugueses tem um carácter extremamente curioso, já que configura uma recusa em aceitar o legado passado, enquanto formador da própria identidade cultural e social. É como se tivesse existido uma descontinuidade na História, segundo a qual, a partir de determinado momento a realidade passasse a ser distinta, como se não existisse memória, quando “o edifício é um símbolo da identidade do grupo, ele focaliza uma memória, ele é entendido na sua relação com os homens e a cultura dos lugares”. (NAJI, 2006, p. 223)
Agadir Tizgui. foto Michel Terrier
Para Salima Naji, problema não é apenas a “referência constante” em relação à identificação de tudo o que é antigo com os portugueses, mas sobretudo a “amplitude dessa referência (…) Afirma-se por todo o lado com a mesma evidência que essas fortalezas arruinadas foram, antigamente, deixadas pelos portugueses”. (NAJI, 2006, p. 225)
“Como os antigos designavam todas as ruínas de celeiros situadas em locais altos como pertencentes aos “Portugueses” (lburteyqaz) a maior parte dos habitantes estão persuadidos que os portugueses habitavam antigamente o país, e encontram mesmo justificações técnicas para afirmar que se trata de construções feitas por estrangeiros.” (NAJI, 2006, p. 226)
Mas o mais surpreendente é a conclusão a que Salima Naji chega, já que o estrangeiro se torna antepassado e o antepassado se torna estrangeiro, sendo ambos um só.
“Assim, os celeiros n’irumin são aqueles onde a memória de uma prática se perdeu: não se armazena aí há muito tempo; por vezes não se sabe mesmo se se tratava de um celeiro. Já que as ruínas permitem identificar uma via central e compartimentos, explica-se que se tratava de lugares de habitação, de uma antiga aldeia. Um lugar que já não tem memória da sua comunidade é um celeiro ou uma ruína de “Portugueses” (…) Por um processo de “vingança simbólica”, os portugueses do século XV e XVI foram assimilados aos autóctones vencidos pelas conquistas muçulmanas. Esta tese fundamentada permite compreender o aparente paradoxo diante do qual estamos colocados. Os antepassados são exteriores: estrangeiros, cristãos, Portugueses. E no entanto, o antepassado é autóctone.” (NAJI, 2006, p. 228)
A Cidade Perdida de Ba Hallou ou dos portugueses. foto El Nota
Para além dos celeiros, outro tipo de ruínas são referenciadas como portuguesas, como a chamada Gara de Medouar, uma suposta prisão na região de Rissani, às portas do deserto, que é uma formação sedimentar do periodo Cambrico-Devoniano em forma de “U” (ROBERT-CHARRUE, 2006, p. 6-7), onde foi construído um muro de pedra com 6.00 metros de altura para o encerrar completamente e permitir o armazenamento de água da chuva. É também conhecida com Montanha Oca. A conotação com os portugueses advirá do facto de ser um local onde foi utilizada muita mão-de-obra escrava proveniente da Africa subsariana, que era posteriormente vendida a traficantes portugueses.
Na mesma região, entre o Vale do Draa e o Vale do Ziz, junto às Gargantas de Mharech, a Norte de Ramlia, existem ruínas de uma aldeia de portugueses, regularmente visitada como tal por grupos de turistas, cujo nome é Cidade Perdida de Ba Hallou. É uma povoação muralhada e abandonada, acessível pela pista que liga Zagora a Taouz, por Tafraoute Sidi Ali, Ramlia e Ouzina. A conotação do local como assentamento português é referida pelos habitantes da região, que asseguram essa sua origem.
Ponte Portuguesa em Fez
Uma das referências mais comuns ao mito de L-Bartqiz é a das chamadas pontes dos portugueses. Existem várias, sobretudo na região de Fez-Meknés, assumindo-se como autênticos monumentos à nostalgia, situação que ainda alimenta mais o mito que já as envolve. Mustapha El Qadery, professor e investigador da Universidade Agdal de Rabat, que tem vindo a estudar o tema das pontes dos portugueses, enquanto marca do Mythe El Bartqiz, refere que a marca do período colonial está na génese desse mito, fazendo menção aos postais ilustrados enquanto meio propagandístico do mesmo:
“Os postais coloniais que ilustram as antigas pontes marroquinas são categóricos. Os edifícios são obra dos Portugueses. Um contra-senso, já que a maior parte das pontes citadas situam-se nas regiões onde os Portugueses nunca puseram os pés!” (EL QADERY, 2015, obra citada)
Para o autor, o objectivo do Protectorado é claro e pretendia afirmar que Marrocos não tinha capacidade de gerir o seu território e levar a cabo esse tipo de obras de engenharia, como que justificando a necessidade de um poder colonial que ajudasse o país a se auto-governar.
El Qadery afirma mesmo que “as pontes medievais de Marrocos são na sua maioria obra das dinastias que se sucederam no território do império xerifiano. Os Almorávidas, mas sobretudo os Almóadas e os Sádidas construíram pontes e aquedutos sem que a História lhes tenha testemunhado essa capacidade. Uma reabilitação abafada durante muito tempo pela falta de interesse nacional, mas igualmente pela propaganda colonial que não se ousa rever”. (EL QADERY, 2015, obra citada)
No entanto, o mesmo autor reconhece que “não há fumo sem fogo” e que as referências aos portugueses não são totalmente infundadas, mas é necessário dar-lhes o devido enquadramento. A explicação mais plausível é a da utilização de trabalho escravo português. A teoria de que as pontes foram construídas por cativos portugueses é a mais lógica e não é nova. Convém não esquecer que só na Batalha de Alcácer-Quibir foram aprisionados 16.000 portugueses, existindo várias referências à sua utilização em trabalhos forçados. Os prisioneiros da chamada guerra do corso eram sem dúvida alguma outra grande fonte de fornecimento de mão-de-obra para as empresas do Reino de Fez. A conotação das pontes com os portugueses poderá assim resultar da utilização de trabalho escravo português, mas também serem exemplos de um estilo importado da arquitectura portuguesa, ou seja, serem construídas à portuguesa.
O Borj Nord de Fez
Esta importação de estilos, ou adopção de tecnologia mais eficaz aconteceu em vários domínios, como por exemplo ao nível das fortificações, como é exemplo o Borj Nord de Fez, fortaleza construída no século XVI por Ahmed El-Mansour de acordo com o modelo português, com recurso a cativos portugueses, quem sabe se projectada por um português.
Otmane Mansouri refere a este propósito:
“Numerosos soldados portugueses foram feitos prisioneiros durante as batalhas contra os exércitos reais portugueses. Tendo em conta o seu número, os portugueses apenas resgatavam os cativos mais nobres. Os que ficavam tornavam-se escravos. Entre esses soldados, havia homens que obtiveram responsabilidades graças às suas competências, que se converteram ao Islão. Um deles, Jaoudar Pacha, célebre oficial do exército Sádida, foi inclusivamente enviado para conquistar o império Songhai do Mali para explorar o ouro do Níger.” (MANSOURI, 2011, p. 33)
El Qadery também refere que os portugueses seriam “construtores, mas cativos (…) Nessa época, o rei Sádida Al-Mansour fizera muitos prisioneiros europeus e utilizou-os para grandes obras como pontes assim como outras construções de carácter militar visando facilitar a mobilidade do exército marroquino”. (EL QADERY, 2014, obra citada)
As Pontes “Portuguesas” em Marrocos
Inúmeras pontes portuguesas estão referenciadas, como as pontes de Khénifra, Kasbah Tadla e Boulaouane sobre o Oued Oum Er-Rbia, a ponte de Meknés sobre o Oued Boufekarane, destruída em 2002 por uma enxurrada, a ponte de Fez sobre o Oued El-Ahdam, a ponte de Lalla Mimouna sobre o Oued Fouarat, a ponte de Tânger sobre o Oued Halk, a ponte de Mohamedia sobre o Oued El-Maleh, demolida para dar lugar a uma nova ponte, a ponte de Douar Njat sobre o Oued Njat, uma ponte no bairro Seffarine em Fés El-Bali sobre o Oued Fés ou as famosas pontes de Sefrou sobre o Oued Aggai.
Ironicamente, apesar de tantas pontes construídas, os portugueses não construíram uma única para seu uso, já que a ocupação portuguesa da costa de Marrocos se confinava a praças e fortalezas de forma hermética, isolada, sem ligações regulares com o exterior com base em rotas comerciais, estabelecendo as comunicações entre si por via marítima.
Planta de Larache de 1606 de João Mateo Benedetti. Arquivo Nacional Torre do Tombo
Relativamente aos fortes construídos à portuguesa, o Borj Nord de Fez não será o único exemplo. As duas fortalezas existentes em Larache, o Forte Laqbibat ou das Cúpulas e o Forte Laqáliq, ou Castelo das Cegonhas, apesar de não terem sido construídas pelos portugueses, que nunca ocuparam a cidade, são conotadas com a presença portuguesa, sendo o primeiro inclusivamente conhecido como o Forte Português.
Segundo Filipe Themudo Barata as duas fortalezas que hoje existem em Larache foram construídas pelo sultão Ahmed El-Mansur Ad-Dahbi após a Batalha de Alcácer Quibir de 1578, e tiveram mão portuguesa, já que foram desenhadas por um italiano ao serviço de Portugal, de nome João Matteo Benedetti, prisioneiro nessa batalha, e construídas por cativos de portugueses de Alcácer Quibir:
“Segundo todos os testemunhos o indicam e as formas e técnicas construtivas o comprovarão, estes fortes não só terão sido projetados por um engenheiro italiano, trabalhando para o rei português e que terá ficado aprisionado em Alcácer‐Quibir, como também a maior parte da mão‐de‐obra terá sido fornecida, logo em 1578, pelos prisioneiros portugueses da batalha, que, aliás, terão também sido os seus primeiros ocupantes. Ainda hoje, muitos visitantes e mesmo autóctones chamam à primeira dessas fortificações o Castelo Português.” (BARATA, 2012, obra citada)
A Habs Qara em Meknés
As prisões dos cativos da guerra do corso são outro elemento referenciado com a presença e influência portuguesa, não apenas pelos milhares de prisioneiros portugueses que aí permaneceram, como por aspectos menos esclarecidos. Algumas delas estão associadas a histórias e mitos, como a Habs Qara de Meknés, a Prisão Portuguesa de Anafé ou a já referida Gara de Medouar.
Talvez a mais conhecida prisão de Marrocos seja a Habs Qara de Meknés. Projectada por um arquitecto português cativo de Mulay Ismail, de nome Cara, era de tal modo extensa que podia acolher 50.000 cativos simultaneamente. A Habs Qara é um imenso labirinto que se desenvolve num raio de cerca de 7 km e se estende por debaixo de toda a cidade de Moulay Ismail. Com o terramoto de 1755 grande parte arruinou-se. O acesso ao seu interior faz-se actualmente apenas a uma zona muito restrita, por razões de segurança e controlo, já que é um espaço demasiado extenso.
Segundo consta, o arquitecto Cara aceitou fazer o projecto a troco da sua libertação. Afinal a libertação nunca aconteceu e Cara fez o projecto à borla, acabando por morrer na prisão que desenhou. Não existem fontes credíveis que falem deste arquitecto Cara, a não ser referências isoladas e que vão passando de boca em boca sem uma base concreta. Constitui assim um verdadeiro mito!
A Prisão Portuguesa de Anafé antes da sua demolição
Mas a prisão portuguesa de Anafé será sem dúvida o exemplo mais intrigante sobre a conotação entre lugares de encarceramento e a presença portuguesa.
Portugal nunca ocupou Anafé, tendo arrasado a cidade em 1468, a qual ficou destruída até ao terramoto de 1755, sendo posteriormente reedificada pelo Sultão Sidi Mohamed Ben Abdallah. Durante esse período foi ocupada precariamente por tribos nómadas e por corsários, que aí instalaram uma prisão, que ficou conhecida como Prisão Portuguesa. Aliás, a doca existente frente ao local da antiga prisão ainda era conhecida há poucos anos como doca dos portugueses.
Jean-Luc Pierre, confirma que Casablanca nunca esteve de facto totalmente abandonada. De acordo com as suas investigações, o Almirante Holandês Laurens Reael descreve assim a cidade em 1627:
“El-Anfa é uma cidade morta que parece no entanto ter sido pujante (…) nós chegamos lá no momento em que uma tribo de Árabes acampava nos seus arredores. Gente sem morada fixa, que deambulam através do país (…) estavam em grande número na praia, por detrás das muralhas e sobre as torres”. E continua: “Existe uma mesquita, alguns edifícios são mantidos como alojamentos sazonais (…) os corsários de Salé têm aqui uma enseada secundária e uma prisão acolhe cativos europeus.” (PIERRE, 2002, obra citada)
Segundo Jean-Luc Pierre, foram encontradas inscrições com caracteres latinos nas colunas da prisão.
Uma das colunas da antiga Prisão Portuguesa de Anafé, colocadas actualmente no Parc de La Ligue Arabe de Casablanca, com inscrições supostamente realizadas por cativos cristãos
A chamada Prisão Portuguesa ou Prisão de Anfa, era uma construção de forma rectangular, adossada ao pano Norte da muralha da Ville Ancienne de Casablanca. Apresentava uma nave de dimensões apreciáveis, com uma estrutura interior constituída por um conjunto de arcos apoiados em colunas, em pedra calcária, suportando uma cobertura plana. Foi demolida no âmbito das obras do Plano de Urbanização de Casablanca de Henri Prost, em cujos documentos se referencia o imóvel como Prisão Portuguesa (NEIGER, 2014, obra citada). A demolição da prisão em 1916 foi acompanhada do desmonte e transporte das suas colunas e arcos para o então Parc Lyautey, actual Parc de la Ligue Arabe, onde o arquitecto Laprade as integrou numa pérgola. (PLAZA, 2014, obra citada)
As colunas e os arcos da prisão transformados em pérgola permanecem anónimos no Parc de la Ligue Arabe, com as inscrições gravadas pelos cativos portugueses, lembrando aos poucos Bidaouis (nome dos habitantes de Casablanca) que conhecem história da Prisão Portuguesa, que em tempos idos, prisioneiros portugueses sofreram o castigo do cativeiro à sua sombra.
A Kasbah de Agourai
Um local referenciado como de presença portuguesa é a Kasbah de Agourai, situada a Sul de Meknés. Reza a lenda que o sultão Mulay Ismail contava entre as suas 500 mulheres com uma mulher portuguesa que, ao passar pelo local viu uma fonte e chamou-lhe água do rei, designação que deu origem ao topónimo Agourai, facto que é, no entanto, negado por diversos estudiosos marroquinos que defendem que o termo agourai é seguramente um termo Amazigh. Nesse local Mulay Ismail mandou construir uma Kasbah, a pedido da sua mulher, para acolher cativos portugueses.
Agourai ou Água do Rei, o facto é que o local é identificado com a presença de famílias descendentes de cativos portugueses, que se terão estabelecido aí. Na revista Le Maroc en Mutation, referenciada na bibliografia, pode ler-se que “Fundada pelo Sultão Mulay Ismail, a cidadela de Agourai assegurava funções múltiplas: (…) lugar de encarceramento de piratas (vários descendentes de portugueses, supostamente, vivem ainda a Agourai com um nome arabizado)”. (CHATTOU e GONIN, 2010, p. 43)
De entre esses nomes figura o de Ouled Bertkhiz, ou filhos dos portugueses. Esta história é relevante no sentido de se fazer uma referência aos muitos prováveis portugueses que se terão convertido e integrado na sociedade marroquina, fossem cativos, fossem desertores, fossem degredados enviados para obter informações.
Mulheres na cisterna manuelina da Cidadela de Mazagão
Mas não foi só na guerra que o Mito português perdurou. Foi também no amor, como prova a lenda de Aicha Kandicha. Nos tempos da ocupação da costa de Marrocos pelos portugueses, há notícias do aparecimento nas Praças-Fortes de uma mulher misteriosa e extremamente bela, que seduzia, enfeitiçava e matava os homens com quem se cruzava. Essa mulher chamava-se Aicha Kandicha, a Condessa.
Reza a lenda que Aicha Kandicha era uma condessa portuguesa que se apaixonou por um rico comerciante de Safim, para onde foi com o objectivo de se casar com ele. Não se sabe se o casamento foi consumado ou se foi rejeitada, mas a Condessa converteu-se ao Islão e tomou o nome de Aicha, tendo por hábito passear-se só durante a noite, sem véu e vestida de branco, seduzindo e enlouquecendo os homens que se cruzavam com ela. O nome Kandicha seria assim a adaptação de Condessa na Darija marroquina. Outra versão é a de que Aicha era uma jovem berbere que viva com a sua família na zona de Jorf Lasfar, nos arredores de Mazagão. Os portugueses teriam exterminado a sua tribo e violado Aicha, que passou a utilizar a sua beleza para seduzir os soldados e os atrair para emboscadas. O mito da mulher demoníaca teria, nesta versão, sido construído pelos próprios portugueses para atemorizar e por de sobreaviso os seus soldados.
Condessa portuguesa ou moura encantada, Aicha tornou-se uma lenda e hoje faz parte do imaginário marroquino, um demónio feminino que persegue, atemoriza e enlouquece os homens, receosos de com ela se encontrarem quando andam sós na escuridão da noite, sabendo que serão irremediavelmente seduzidos por essa beldade, que amaldiçoa para toda a vida os que caírem na sua tentação. É também uma espécie de papão que castiga as crianças malcomportadas. A figura de Aicha não é apenas uma lenda, já que tem um papel moralizador em termos sociais, incutindo nos homens o temor de sair à noite e o medo das consequências do adultério, já que aquele que trair a sua mulher com Aicha verá a sua vida conjugal destruída, marcada pela discórdia, impotência, doença e esterilidade. É também uma figura que exprime recalcamentos e fantasmas masculinos, ligados à figura da mãe dominadora e castradora, da irmã mais velha ou da mulher emancipada. É o mito da mulher ardente, da amante ideal que deseja e que procura o prazer. Para as mulheres, Aicha simboliza a rival invisível.
Harém de um ministro mouro embarca em Mazagão
Mas para o senso comum Aicha é sobretudo um demónio feminino, sedutor, enfeitiçador, que enlouquece, mata e devora as suas vítimas e a imagem de Aicha altera-se de acordo as várias regiões. Junto à costa é uma sereia, no interior do país é um demónio com patas de camelo, sendo também comum atribuir-lhe patas de cabra, de burro ou de galinha. A sua beleza está de acordo com o ideal de beleza marroquino, com a pele de uma brancura incrível, olhos com forma de amêndoa, lábios cor de sangue e cabelos negros, soltos até às ancas.
O tema de Aicha Kandicha parece ser inesgotável e controverso, como refere El Qarouni. “Seja o que for que se diga, Aicha Kandicha fica como uma figura indescritível e enigmática do nosso património cultural oral. Ela será sempre um tema de actualidade e controvérsia que alimentará especulações fantasistas e povoará o nosso imaginário popular colectivo.” (EL QAROUNI, 2013, obra citada)
Para nós, portugueses, fica a ideia de que a nossa presença em Marrocos desperta nesse país tanta curiosidade e mistério como Marrocos desperta em nós, como mostra a história desta portuguesa encantada, seja ela a Condessa de Mazagão, de Safim ou de Arzila.
Fantastico! Não tenho mais palavras para descrever a riqueza dos conteúdos aqui relatados. Fui lendo em diagonal para mais tarde voltar e fui ficando até devorar todas as letras deste tema sobre o mito português, o que farei com os restantes. Parabéns ao autor, passou a ter mais um seguidor e fã.
Sou apaixonado por Marrocos desde que la pus os pés em 1999 pela primeira vez. Desde então organizo expedições várias vezes por ano e sempre procurei saber um pouco mais da historia para além da beleza paisagística do pais que foi o que me cativou em primeiro. A sua abordagem e a compilação de informação que aqui nos oferece é uma fonte de prazer para quem como eu sempre quiz saber um pouco mais sobre a história de Portugal e de Marrocos.
Obrigado.
Caro Paulo
É sempre bom saber que o nosso trabalho é apreciado
Obrigado e um abraço
Li num outro website que havia muitas historias de portugueses em grutas e assim, mas que tinha havido definitivamente 3 aldeias portuguesas no interior de Marrocos… (atuais Errachidia, Ouarzazate e Goulmina). Portugal não se limitou apenas ao litoral… O melhor exemplo disso é Ouadane (Mauritânia). Construída/Ocupada pelos portugueses em 1487… Eu acredito mesmo no mito mas será que tal como Ouadane, seriam Ouarzazate , Goulmina e Errachidia seriam antigas localidades portuguesas?
Ouarzazate, Goulmina e Errachidia nunca foram localidades portuguesas, pode ter a certeza. Basta consultar as fontes históricas que o comprovam inequivocamente.
Isso não quer dizer que não tenham existido grupos de renegados portugueses, convertidos ao Islão, que tenham vivido nesses e noutros locais, como por exemplo em Agourai, ao serviço do Estado Marroquino, como terá sucedido com muitos dos 16.000 cativos de Alcácer-Quibir. Mas isso é outra história…
ok, percebi… e a cidade de Ba Hallou, seria de facto portuguesa ou apenas parte do mito?
e mais uma pergunta (peço desculpa pelo incómodo)… Por que razão é Madinat Al Gharbia omitida da lista de cidades ocupadas pelos portugueses na costa de Marrocos? Isso aconteceu entre 1513 e 1515 (ou 1521)
Convém esclarecer um aspecto que é determinante para entender o que significa “ser português” e esse conceito tem a ver com ser conquistado, ocupado ou administrado oficialmente pela Coroa Portuguesa, no quadro da política expansionista e da tentativa de conquista de Marrocos. Neste âmbito, Portugal apenas ocupou posições na costa de Marrocos, onde podia abastecer e socorrer as suas guarnições por via marítima. Portugal não ocupou uma única cidade no interior de Marrocos.
Houve de facto casos de acordos ou relações de vassalagem com áreas no interior do território que se sujeitavam ao poder da Coroa Portuguesa pela força, pagando tributos, como foi o caso do chamado Protectorado da Duquela. É claro que existiram situações em que cavaleiros portugueses penetraram território dentro, em ataques para submeter populações, mas regressavam às suas bases após concretizarem os referidos acordos de vassalagem.
Ba Hallou é um mito, não estudado, provavelmente referenciado a portugueses na perspectiva defendida por Salima Naji, mas não é de descartar a possibilidade de renegados terem aí um entreposto de tráfico de escravos.
Quanto a Madinat Al Gharbia, não sei se se refere a Almedina, a Sul de Azamor, que foi de facto conquistada e destruída pelos portugueses em 1513, mas nunca foi ocupada pelos portugueses no sentido de aí manterem uma guarnição e administração. Um aspecto determinante para Portugal era o da racionalização de homens e de géneros, que limitava muito o esquema de ocupação do território, sendo sempre mais razoável concentrar forças em locais-chave e ter acordos com autoridades locais para dominar os locais mais dispersos e afastados das fontes de abastecimento.
https://historiasdeportugalemarrocos.com/2017/01/04/as-correrias-de-nuno-fernandes-de-ataide/
Ok, então o senhor está plenamente convencido de que não houveram localidades ou torres “portuguesas” (mesmo, tal como o senhor explicou) no interior de Marrocos, tal como aconteceu com Ouadane? As grutas de Oualidia são verdadeiramente portguesas? (o que me pode contar sobre elas, não encontrei nada a falar disso na internet….) E outra pergunta… Li no mesmo website que sobre Ouarzazate e assim que os portugueses mantiveram um situamento (casa, feitoria, torre ou qualquer coisa) no Cabo Bojador… Será verdade (eu pergunto isto porque o website se baseia nesses tais mitos, e pode ser mais um)?
Muito obrigado pela paciencia e pelas informações muito importantes…
Diga-me uma coisa:
Acha lógico que os portugueses construíssem uma torre a 300 ou 400 km. da costa? Para quê? E quem lá ficava? E como era abastecido ou socorrido?
As torres de vigia, ou atalaias eram construídas a 5 ou 10 Km das Praças-fortes, e apenas ocupadas durante o dia, para prevenir ataques contra as actividades agrícolas e outras que se desenvolviam no campo exterior:(https://historiasdeportugalemarrocos.com/2017/07/17/os-mazaganistas/)
Quanto às feitorias, eram armazéns ou entrepostos comerciais, onde os portugueses compravam e vendiam produtos que eram embarcados para Portugal ou para outros destinos para voltarem a ser trocados. Em Marrocos, Portugal tinha uma feitoria em Meça (na foz do Rio Massa). Em Arguim, na Mauritânia, tinha outra para tráfico de escravos. Mais a Sul existiu a do Castelo da Mina e a de Axim. No Cabo Bojador não existiu nenhuma feitoria. Nada disto são mitos, mas situações bem reais e documentadas nas fontes históricas.
Tem razão. Mas construiram Ouadane e podiam ter construido mais (agora sei nao). E o que me pode dizer sobre as tais grutas em Oualidia?
Mais uma vez obrigado…
Sobre as “Grutas dos Portugueses” em Oualidia apenas sei que se chamam assim e que os portugueses nunca ocuparam Oualidia
Achei qualquer coisinha sobre Ba Hallou… Foi supostamente construída em 1562 durante o reinado de D. Sebastião. Mas é muito pouca informação…
Qualquer coisinha? Significa uma referência credível? Ou uma especulação? É sempre bom divulgar a informação, para que ela seja isso mesmo _ informação_ e possa ser discutida.
Não tem nada que pedir desculpa pelo incómodo. É um prazer conversar consigo
Descobri hoje este seu blog, os meus parabéns pelos artigos. De facto há 20 anos que me dedico a percorrer o país de norte a sul e tambem tenho feito imensa pesquisa sobre esta forte ligação histórica , cultural e patrimonial que os nossos povos partilham. Um dos locais que mais curiosidade me despertou foi a Gara Medouar, que conheço e estudo desde os anos noventa. Se me permite, uma correcção relativamente à Gara Medouar : segundo estudos recentes, é uma formação sedimentar do prediodo Cambrico-Devoniano, não se trata de cratera vulcânica. Muito obrigado por estes excelentes artigos. Rui Pires
Caro Rui
Muito obrigado pelo seu comentário.
Em relação à Gara de Medouar irei corrigir o artigo de acordo com a sua informação, mas se me adiantar mais alguma coisa, concretamente se tiver algum escrito seu sobre o assunto, incluirei a referência na bibliografia.
Cumprimentos
Com todo o gosto, ver aqui :
Click to access these_RobertCharrueC.pdf
(a paginas 6 e 7)
Cumprimentos.
Nas muitas vezes que estive no local falei com velhos trabalhadores de minas que existem nas redondezas e ouvi tantas histórias que resultam de heranças de gerações. Sem dúvida que a formação teve várias utilidades ao longo dos tempos, desde reservatório de água, entreposto das muitas caravanas da rota do sal e dos escravos, até como local de acampamento de tribos nómadas. Há uma velha lenda que refere ter havido um objecto que vibrava e emitia sons no centro da formação, mas é lenda. Eu presumo que a referência a prisão “Portuguesa” se deva a um pouco de tudo o que referiu no seu excelente artigo. Tanto ao comércio de escravos, como a provável presença de Portugueses que há época se acabaram por integrar de diversas formas na sociedade, após terem sido capturados nas muitas batalhas ou mesmo raptados, coisa habitual. Da rota dos escravos restam as tribos Bambara e Gnawa que habitam ali bem perto, originários do que agora chamamos Ghana. Não há muito tempo falei deste assunto com a Professora Eva Maria von Kemnitz, uma estudiosa destes assuntos, que me deu o contacto do Professor Francisco Freire, um investigador tambem destes assuntos. Confesso que ainda não tive tempo de o contactar, mas vou fazê-lo.
Cumprimentos
Muito interessante. Obrigado
Pingback: O Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz) | Alexandra Vidal
Gostei do artigo, o tema é muito importante e deveria ser mais estudado, aliás muito mais do que a influência moura em Portugal. No entanto, queria dizer que, segundo sei, as “Mouras encantadas” ou “Amouras encantadas” como se diz na Galiza não tem nada a ver com mouros, penso que se trata apenas de uma coincidência léxica. As “Mouras encantadas” são entidades mágicas guardiãs do mundo subterrâneo, mulheres místicas louras ou ruivas cuja lenda é muito mais antigas do que as invasões mouras e tem raízes Europeias. Aliás curiosamente, esses mitos são do norte e da Galiza onde, a bem dizer, a influência e a presença moura é, a bem dizer, nula.
Os mitos são isso mesmo _ mitos. São “verdades” que se tornam verdades sem o serem, porque constituem uma forma colectiva de explicar determinados factos, muitas vezes associando-os a outros. No caso de Marrocos existe uma tendência para atribuir aos portugueses determinadas situações, como de resto em Portugal existe essa mesma tendência em relação aos mouros. O senso comum facilmente encontra explicações naquilo ou naqueles que não entende.
O exemplo da lenda de Aicha Kandicha é típico, já que segundo os estudiosos, se trata de uma deusa da a fenícia antiga, “recuperada” como uma sedutora condessa portuguesa que personifica o mito da mulher emancipada e dominadora. O facto de ser portuguesa prende-se com um certo mistério que envolve a presença portuguesa em Marrocos, suficientemente distante para se encontrar liberta da rigidez das provas factuais, mas suficientemente próxima para subsistir na transmissão oral
Ora, também para os portugueses, no caso particular, os algarvios, evocam considerações semelhantes sobre os mouros. Lembro-me perfeitamente dos algarvios das aldeias da serra e do barrocal, situadas nas imediações da rocha da Pena (Loulé), atribuírem os supostos “buracos”, que avistavam nesse maciço calcário, a construção dos mouros. Tais lendas inserem-se, como já referiste para o caso das princesas encantadas, no imaginário popular, e este não difere assim tanto entre os povos em apreço, de um e outro lado do mar. Saúde.
Francisco Castelo.
É um tema interessantíssimo, o dos mitos. Explicam muito facilmente aquilo que é inexplicável…É verdade que no caso de Portugal e Marrocos existe uma tendência comum de atribuir ao outro a tal explicação para o mistério. Não tenho dúvida que por detrás dessa tendência existe muita curiosidade, incompreensão, desconhecimento, mas também um grande fascínio de parte a parte. É a tal história comum feita de encontros e desencontros, de semelhanças e contrastes, de amores e ódios. Saúde
Muitíssimo interessante a sua forma de “ver” a historia, onde vejo muitas afinidades com a minha. Tal como eu, não somos historiadores, mas aprendemos sondando-a e escrevendo sobre ela.. grande abraço
Francisco Torres
https://www.facebook.com/FJTorres1385?ref=hl
Obrigado pelo seu comentário e um grande abraço também. De facto, uma das melhores formas de aprender é escrevendo…
O nome é Jorge Maio. Desculpas.
Muito interessante. Vou partilhar, caso não se oponha, no grupo FB https://www.facebook.com/groups/artemuseuspatrimonio/863983366970600/?notif_t=group_comment
Com prazer.
Cumprimentos
Artigo muito interessante e que responde a uma questão que havia já colocado a mim mesmo. Como é que poderia haver vestigios de pontes portuguesas em locais onde a nossa presença não estava referenciada? Afinal parece que os sonhos de glória, riqueza e fama em África de muitos dos nossos patricios antepassados acabaram por se traduzir em labuta na construção de pontes.
Tive a oportunidade de falar sobre este assunto com alguns amigos marroquinos interessados também sobre estes temas que me referiram que era vulgar no passado os prisioneiros comprarem a sua liberdade com trabalho, isto caso o resgate não chegasse da metropole. Acredito por isso ser muito plausivel o que indica. Depois de tantos anos passados sobre esse passado conflituoso e ultrapassado, resta-me afinal agradecer aos marroquinos que deram crédito e valor ao que construimos perpetuando o nome de Portugal associado a estas pontes ao invès do que observamos no nosso país em que as obras foram invariavelmente mandadas construir por este ou aquele rei, deixando incognitos os verdadeiros construtores…
Obrigado por todos estes temas que apresenta e que me tem ajudado a descobrir as marcas de um Portugal que aqui deixamos em Marrocos
Cumprimentos e Bem Haja
Pedro Finisterra
MDIQ
Este mito do Bartqiz tem muito a ver com o facto de Portugal ter sido o país com maior relacionamento com Marrocos nos tempos mais recuados da nossa história comum. O número de cativos portugueses que terá passado pelas prisões marroquinas terá sido enorme, não só pelos inúmeros recontros armados ocorridos em solo de Marrocos, com evidente relevância para a Batalha de Alcácer-Quibir, como pelos constantes raptos e aprisionamentos realizados pela chamada guerra do corso. Um tema que julgo que seria muito interessante desenvolver, apesar de me parecer que não existem muitas fontes sobre o assunto, é o dos chamados renegados, prisioneiros ou não, que se “passaram para o outro lado”, voluntariamente ou de forma forçada para garantir a sua sobrevivência…
Cumprimentos
A propósito do seu último comentário, tive acesso a “Entre a Cristandade e o Islão (séculos XV-XVII), Cativos e Renegados nas franjas de duas Sociedades em Confronto”, de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, publicado pelo Instituto de Estudios Ceuties da Cidade Autónoma de Ceuta 1998, em lingua portuguesa, que, entre outros o tema que refere. Sem dúvida um tema fascinante, o de como alguns dos nossos antepassados, de forma individualizada, e por um processo de cafrealização deixaram as marcas neste país. Ainda recentemente, por ocasião dos importantes danos causados pelas cheias principalmennte a sul do Atlas, a proposito das cerca de1000 pontes destruídas pelas chuvas e cheias, me lembrei do seu artigo sobre as pontes dos portugueses…
Bem Haja pelos seus sempre interessantes artigos
Pedro Finisterra
MDIQ
Esses processos de cafrealização que refere são sem dúvida interessantíssimos e muito pouco estudados e documentados, mas devem ter ocorrido em grande número. Não só por uma questão de sobrevivência, por exemplo de cativos, mas também dos degredados que eram deixados nas praias onde as naus aportavam, com o objectivo de virem a fundar pontos de apoio à navegação ou eram enviados para um primeiro contacto com os habitantes locais para recolher informações, mas também por uma questão de integração voluntária nas sociedades indígenas, por razões tão distintas como a busca do poder e riqueza, da justiça, da liberdade, do amor, do sentido da vida…
Um abraço
nas cascatas de ouzud,a norte de ourazazate,existem tambem umas grutas,que eles -os berberes de marrocos,dizem ter sido dos portugueses–penso que nao-serao sim de povos pre-historicos,tais como o povo guane?,que existia nas canarias,quando nos portugueses la chegamos–nota–chegamos as canarias antes dos espanhois–segundo investiguei.em tratados de historia de portugal–o mercenario GERALDO-O SEM PAVOR-E SEUS 300 CAVALEIROS,FORAM DEGOLADOS,EM MARROCOS
A referência a grutas dos portugueses é comum um pouco por todo Marrocos. Aliás, para muitos marroquinos, grutas habitadas são sinónimo de portugueses, extendendo-se essa ideia à própria autoria de pinturas rupestres. É evidente que nada disso é real, mas também é verdade que faz parte do “mito L-Bartqiz”. Apenas por curiosidade, refiro que a civilização que antecedeu a chegada dos Berberes a Marrocos se chamava “Ibero-maurusienne”, e dominou o país há 20.000-10.000 anos, tendo habitado em grutas, como por exemplo revelam vestígios encontrados nas grutas de Jorf Lasfar. No entanto, não parece que o termo “Ibero” esteja na origem do mito, já que este tem uma base fundamentalmente popular. Aliás para muita gente em Marrocos, de origem mais humilde, o “Bartqiz” é um conceito mal definido, desconhecido, antigo, misterioso, inclusivamente dissociado do actual país Portugal.
Quanto a Giraldo, o Guerrando dos marroquinos, foi de facto decapitado por traição quando se encontrava no Souss ao serviço de Yaqub Al-Mansur com a missão de pacificar a tribo dos Sanhaja. Os seus companheiros, ao que parece, foram poupados e dispersos por várias aldeias.
https://historiasdeportugalemarrocos.wordpress.com/2014/03/15/giraldo/
Salam, fiquei super interessada em saber onde fica esta tal aldeia, que mencionas?
“No Vale do Draa, junto a Zagora, existem ruínas de uma aldeia “de portugueses”, regularmente visitada como tal por grupos de turistas. Seriam os restícios do bando de Guerrando, o famoso Giraldo Sem Pavor quando foi desterrado para a região de Taroudant”
Sabes o nome? Eu, numa das minha idas vi foi uma montanha perto de Agdz que os locais chamavam a Montanha dos Portugueses , mas nunca ouvi falar da aldeia “de portugueses. Em Outubro vou até ao deserto e vou ficar uma noite em Zagora. Gostava de passar por lá
Salam Maria João. Obrigado pelo teu comentário. De facto também fiquei curioso com a tal aldeia de portugueses e fiz mais uma pesquiza. Chama-se Ba Hallou e fica entre Zagora e Taouz. Aproveitei e pus essas indicações no texto do artigo
Choukran por mais esta informação
Al3afu العفو
Muito interessante Frederico. Agradeço a partilha.
Obrigado Carmen
Meu primo APM lembrou outra história relacionada com o Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz, palavra do dialeto árabe marroquino, que significa ‘português’):
Escapou ao Autor o caso do Major Vidal (finais do séc. XVII) que, nos finais dos anos ’70, tinha (não sei se ainda tem) uma rua em Casablanca, perpendicular à avenida principal, Mohammedia.
Este Major Vidal foi um aventureiro que, após a Restauração, decidiu ir para Marrocos, recuperar as praças portuguesas.
Reuniu cerca de 700 aventureiros de toda a parte – e zarpou, desembarcando próximo do que é hoje Casablanca.
Foi derrotado, como é bem de ver, mas o feito perpetuou-se no imaginário marroquino que, ainda então, o consideravam um herói nacional.
Uma última coisa: os marroquinos, em geral, odeiam os espanhóis, mas consideram os portugueses seus parentes próximos – e os vizinhos mais estimados.
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E acrescento que outro primo, UNIVERSIDADE de COIMBRA ,ADF ,comentou que segundo o Google, a rua Major Vidal, em Casablanca, existe.E foi este meu primo que colocou no FB o seu estudo, O Mito do Português em Marrocos (L-Bartqiz) e por isso encontrei este interessante trabalho que passei para os correspondentes no Brasil.Parabéns por suas publicações , neste blog e no AVENTAR!
Um comentário intrigante e que desperta curiosidade sem dúvida. De facto essa referência ao tal Major Vidal já me tinha surgido num comentário num blog sobre um artigo sobre Marrocos e o seu autor (provavelmente o seu primo) diz o seguinte:
“Sabia que Alcácer Quibir não foi a última aventura militar portuguesa em terras marroquinas. Por lá andou, no final do sec. XVII, um tal Major Vidal com um punhado de aventureiros loucos. Desembarcaram perto de Casablanca para reconquistar as praças fortes marroquinas. Foram esmagados. Mas o episódio ainda hoje vive no imaginário culto de Marrocos, de tal modo que o homem está consagrado numa das ruas que cruza a Av. Mohammedia, em Casablanca. Por cá, ninguém o conhece.”
De resto nunca encontrei em nenhuma fonte qualquer referência ao tal Major Vidal ou à sua suposta incursão para reconquistar as praças de Marrocos. De qualquer forma direi o seguinte:
Após o ano de 1550 Portugal já só detinha na costa de Marrocos as praças de Ceuta, Tânger e Mazagão, porque abandonou todas as outras (excepto Santa Cruz, conquistada pelos Xerifes em 1541) por falta de capacidade para as gerir. Após a restauração da independência em 1640, a soberania de Portugal em Marrocos ficou reduzida a Tânger e Mazagão, já que Ceuta nunca aceitou voltar para o domínio português. Não existe nesse período nenhuma referência a qualquer intenção de reconquistar as praças de Marrocos, antes pelo contrário, já que Tânger seria oferecida à Inglaterra em 1662.
Não tenho dúvidas de que, se existiu de facto um desembarque de aventureiros portugueses em Casablanca na segunda metade do século XVII, não foi com certeza para reconquistar as praças de Marrocos, nem tão pouco teve origem em qualquer iniciativa oficial da coroa portuguesa. No entanto, seria muito interessante conhecer as fontes nas quais o seu primo se baseou para fazer tal afirmação, já que poderão trazer a público factos não divulgados.
Quanto à Rua Major Vidal em Casablanca, existiu de facto, era também conhecida pelo nome “Rue Pilote Major Vidal”, mas actualmente chama-se Rue Mohamed Kamal. Fica no Bairro Horloge, por detrás do “Marché Central”, e é paralela ao Boulevard Mohamed V. Também de acordo com o que consegui apurar, esse Major Vidal foi piloto de navios no porto de Casablanca durante o protectorado fancês, tendo morrido em 1935 durante uma tentativa de salvamento de marinheiros espanhóis, como relata a revista “L’Afrique du Nord Illustrée”:
“O barco de salvamento do porto “Maréchal Lyautey” foi imediatamente alertado. O piloto major Vidal não hesitou um minuto diante das ondas em fúria. Subindo a bordo dirigiu o barco em direcção aos marinheiros espanhóis que lutavam desesperadamente contra a corrente que os arrastava para o largo. Os marinheiros do “Maréchal Lyautey” conseguiam salvar três homens. Mas subitamente uma enorme vaga levantou o barco, colocou-o sobre o flanco e virou-o completamente.”
Obrigado pelo seu comentário
O Caso do Major Vidal
Meu primo A Pahinha Machado confirmou que se tinha correspondido anteriormente com o autor deste blogue , comentando : “A história do desembarque no séc. XVII foi-me contada, em 1978, por um comerciante com loja aberta na Rue Major Vidal.
Intrigou-me o nome da rua e andei por ali e por acolá a perguntar qual a origem. Só o comerciante afirmou conhecer a história.
O comentário a que Frederico Mendes Paula faz referência é, de facto, meu”.
Abraço
APM
Pelo que consegui apurar, de facto parece que o tal Major Vidal não era português. Estas histórias passam de “boca em boca” e acabam por se tornar quase verdadeiras, pelo menos no imaginário de muita gente. Mas não tenhamos dúvidas que esta nossa história comum está cheia de episódios anónimos e desconhecidos que seria interessantíssimo virem a lume…
Continuando o assunto do mito do português em Marrocos, pergunto ao amigo Frederico se tem alguma referência aos judeus portugueses em Marrocos, onde estiveram desde as conquistas portuguesas, chegando a formar comunidades autorizadas nas cidades de Safim e de Azamor.
Tiveram um papel fundamental, nomeadamente no plano económico, para a sobrevivência das praças que Portugal deteve na costa de Marrocos, mas também nas trocas comerciais e nas relações diplomáticas que se foram traçando entre os dois lados do Estreito de Gibraltar.
A presença de judeus e conversos ibéricos em Marrocos, e de judeus marroquinos na Península Ibérica, permitiu a sobrevivência multifacetada da identidade judaica. Em Marrocos, continuaram a esmerar-se numa cultura e num pensamento sócio-religioso com raízes peninsulares.
E embora a presença concreta de Portugal em Marrocos tenha sido débil a partir da data acima referida, séculos de convivência ali e, outrora, na Península Ibérica, fizeram com que no século XIX, fossem os judeus marroquinos entre os primeiros a regressar a Portugal, ocupando um “espaço” sócio-cultural e económico similar, e dando início á moderna comunidade judaica portuguesa.
A Genealogia Hebraica: Portugal e Gibraltar sécs. XVII a XX de Abecassis,José Maria ,Liv. Ferin [distrib.], 1990-1991 5v. confirma um “legado” de peso do mito português em Marrocos.Está lá e está cá?
Essas famílias que passaram por Marrocos e que estão em Portugal, foram muitos. Cito :
Abeasis/Abecassis, Absidid, Abensur, Abitbol, Aboab, Abohbot, Abudarham, Acris, Aderhi, Aflalo, Alkaim, Amar, Amram, Amselem, Amzalak, Anahory, Asayol, Askenazi, Assayag, Athias, Auday, Astruel, Azencot, Azulos, Azulan, Balensi, Banon, Baquis, Barchilon, Baruel, Belilo, Benabu, Benady, Benaim, Benamor, Benarus, Benatar, Benbunan, Benchetrit, Benchimol, Bendahan, Bendelak, Bendran, Benelicha, Beneluz, Benhayon, Beniso, Benitah, Benjamin, Benjo, Benmergui, Benmiyara, Benmuyal, Benoalid, Benoliel, Benrimoj, Benros, Bensabat, Bensadon, Bensaloha, Bensaude, Benselum, Bensheton, Bensimon, Bensliman, Bensusan, Bentata, Bentubo, Benudis, Benyuli, Benyunes, Benzacar, Benzaquen, Benzecry, Benzimra, Berdugo, bergel, Bohudana, Brigham, Buzaglo, Bytton, Cagi, Cardoso, Carseni, Castel, Cazes, Cohen, Conqui, Coriat, Cubi, Danan, Davis, Delmar, Elmaleh, Esaguy, Esnaty, Frache, Ferares, Finsi, Foinquinos, Fresco, Gabay, Gabizon, Hadida, Hatchuel, Israel, Kadosh, Labos, Laredo, Lasry, Levy, Lengui, Malca, Maman, Marques, Marrache, Martins, Massias, Matana, Megueres, Melul, Moreira, Mor-Jose, Nahon, Namias, Nathan, Obadia, Ohana, Oliveira, Pacificio, Pallache, Pariente, Pimenta, Pinto, Querub, Sabath, Salama, Sananes, Saragga, Schokron, Sebag, Sequerra, Serfaty, Seriqui, Serrafe, Seruya, Sicsu, Tangi, Tapiero, Taregano, Taurel, Tobelem, Toledano, Tuati, Tedesqui, Uziel, Varicas, Wahnon, Waknin, Zaffrani, Zagury.
É um tema inesgotável, que não “cabe” num comentário e existem de facto inúmeras referências às comunidades judias nas praças de Marrocos.
Moreira não é. (A)Moreira e Oliveira são apelidos Galaico-Portugueses e bem antigos como a terminação eiro/eira comprova.
Curiosamente, destes todos não são usados nem meia-dúzia.
Você meu amigo é o historiador que mais admiro. Sempre trazendo novas histórias da velha história. Que Deus te ilumine mais e mais em sua busca incessante.
Abraços.
Edumonteiro.
Caro Eduardo
Não sou historiador, sou apenas um curioso com fascínio pela História. Gosto de escrever, principalmente porque aprendo. E tenho gosto em transmitir o que vou aprendendo através destas pequenas histórias.
Um abraço