O autor deste blogue realizou um conjunto de cinco vídeos sobre a presença portuguesa em Marrocos para o Instituto Camões e a Embaixada de Portugal em Rabat, cujas versões em língua portuguesa e árabe se apresentam, encontrando-se em preparação uma outra versão, em língua francesa.
ARQUITECTURA
A Casbah de Boulaouane junto ao Oued Oum er-Rbia ou Rio Morbeia
“O verdadeiro renegado era um pobre diabo que apenas ocupava empregos subalternos, que era enviado para todas as expedições perigosas e que, muito raramente, saboreava os prazeres sem luxo do repouso numa qualquer Casbah. Morrer num combate, tornar-se num desordeiro, arriscar a tortura para conseguir fugir, eram estas as suas hipóteses de futuro”. (TERRASSE, 1926, pp. 191-192)
Esta afirmação de Henri Terrasse espelha a realidade da generalidade dos renegados, que, enquanto indivíduos convertidos ao islão e integrados na sociedade marroquina, não usufruíam regra geral dos direitos dos cidadãos comuns, mantendo-se num estado de semi-captividade. Não é difícil compreender porquê, já que na sua grande maioria mudavam de campo por razões de sobrevivência, com extrema reserva mental, comparáveis aquelas que os Cristãos-Novos tiveram quando se converteram ao Cristianismo, ou seja, quando tinham que escolher entre ser cativos ou homens livres. Mas a regra geral tinha muitas variantes, como adiante se verá. Continue Reading
As torres da Cadeia e do Rebate do Castelo Real de S. Jorge de Mazagão
A ocupação da costa Marroquina por Portugal concretizou-se através de vários tipos de estruturas construídas, fossem a própria ocupação e fortificação de cidades e cidadelas existentes, caso de Ceuta, Alcácer Ceguer, Arzila, Tânger, Safim e Azamor, fossem a construção de fortalezas isoladas, funcionando como estruturas satélite das praças-fortes.
A política de controlo o território com fortalezas isoladas revelou-se um verdadeiro desastre, já que das que foram construídas apenas demonstraram alguma viabilidade as duas que evoluíram para cidadelas, Santa Cruz do Cabo Guer e o Castelo Real de S. Jorge de Mazagão, tendo as outras duas, o Castelo Real de Mogador e o Castelo de Aguz, sobrevivido em mãos Portuguesas escassos anos, apesar de ser inegável que em termos de metodologia de construção terem sido um sucesso, já que o seu processo construtivo foi extremamente engenhoso, prático e eficaz.
As outras duas cuja construção falhou, concretamente a Fortaleza da Graciosa e S. João da Mamora, constituíram reveses com consequências decisivas para a própria política Portuguesa em Marrocos, que confirmaram que o sonho de um Reino Português no País não passou de uma ilusão. Continue Reading
Após a conquista de Ceuta em 1415, Tânger torna-se uma obsessão para a coroa de Portugal. Em 1437 um grande e mal planeado ataque comandado pelo infante D. Henrique fracassa, constituindo um rude golpe para as aspirações portuguesas. A opção é então tomar Alcácer Ceguer, facto que ocorre em 1458, já no reinado de D. Afonso V. No ano de 1464 D. Afonso V faz uma nova tentativa para conquistar Tânger, seguida de outros ataques menores, todos sem sucesso. A tomada de Tânger revelava-se como difícil de concretizar.
“Em 1471 surgiu nova oportunidade: beneficiando de um clima de volubilidade política no reino de Fez, D. Afonso V depressa organizou uma expedição que, desta vez, visaria Arzila, uma cidade desprovida de um porto seguro mas dotada de uma fértil região agrícola. Subjugada Arzila tornar-se-ia muito mais fácil o cerco da cidade de Tânger pelo sul.” (DÁVILA, obra citada)
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O arco da Couraça de Alcácer Ceguer
A história de Alcácer Ceguer encontra-se intimamente ligada ao Estreito de Gibraltar e à travessia entre as suas margens. Assim foi no período do Al-Andalus, servindo de base para o embarque dos exércitos muçulmanos durante as várias ofensivas na Península, como durante o período das praças-fortes portuguesas, assegurando uma continuidade do domínio da navegação ao longo da costa marroquina, uma espécie de vigia de alerta à actividade do corso da barbária.
Apesar disso, Alcácer Ceguer nunca assegurou o domínio territorial terrestre português na margem Sul do Estreito, apesar da sua reduzida distância a Ceuta e Tânger, devido à irregularidade do terreno e à luta constante que as tribos da região e o poder do Reino de Fez impuseram. À semelhança de todas as outras praças-fortes, Alcácer foi um reduto fechado ao território envolvente, abrindo-se apenas para o mar, tenda na sua Couraça o elemento prático e simbólico dessa abertura.
Abandonada após a evacuação portuguesa, a cidadela degradou-se e tornou-se num sítio arqueológico. Desde há alguns anos que começou a ser escavada e estudada e hoje os seus principais vestígios encontram-se em recuperação e valorização, permitindo uma visita esclarecedora daquilo que foi o castelo da travessia durante o período da ocupação portuguesa. Continue Reading
Dois dos torreões do muro de atalho Poente da Muralha de Tânger
A Muralha foi o elemento fundamental do processo de apropriação das cidades de Marrocos por Portugal e sua transformação em Praças-fortes. Foi através da Muralha que as cidades foram redimensionadas, estruturadas e defendidas, garantindo a sobrevivência do poder da Coroa Portuguesa nessas ilhas implantadas num mar tempestuoso e a segurança das suas guarnições e habitantes.
A Muralha, entendida como um conjunto de estruturas defensivas em permanente evolução, num período da história da arquitectura militar em que as armas de arremesso mecânico foram substituídas pelas armas de fogo, alterando profundamente as técnicas de defesa e de ataque, ultrapassou nas Praças de Marrocos o simples conceito de limite entre dois territórios, tornando-se num instrumento de gestão da vida no seu interior e da forma como se relacionava com os territórios envolventes, fosse a Terra, fosse o Mar. Continue Reading
Castelo dos Mouros em Sintra
O título deste artigo levanta desde logo a questão de se saber se podemos falar de uma arquitectura do Gharb Al-Andalus, no fundo, de uma arquitectura de um Al-Andalus português. Se parece evidente que não, no sentido de conter uma identidade própria, entendendo-se o termo Arquitectura no seu conceito mais vasto, que abarca a organização do território, o urbanismo, as técnicas de construção, os conceitos espaciais, as características da própria arquitectura militar, religiosa e civil e os elementos construtivos e decorativos, também é verdade que a arquitectura portuguesa assimilou de forma diversa da espanhola muitos desses conceitos, sobretudo no urbanismo e em determinados aspectos de detalhe das construções, por exemplo na azulejaria.
Para a generalidade das pessoas é notória a diferença abismal entre o legado patrimonial edificado árabe de Espanha e de Portugal, não ao nível das suas características, mas da quantidade e qualidade dos testemunhos.
“Diferentemente da Espanha, entre nós resta um escasso espólio edificado, apesar de alguns magníficos castelos, da singela mesquita de Mértola ou do verdadeiro alcácer árabe que é o Palácio da Vila, em Sintra. Todavia, o trabalho arqueológico, pacientemente, vai levantando algumas pontas do véu que oculta os vestígios do esplendor do Gharb al-Andalus. Vários factores explicam o contraste com a vizinha Espanha, a nível de património edificado. Não podemos ignorar o carácter periférico do nosso território relativamente às grandes urbes andalusinas, entre as quais sobressaía Córdova, e com que as nossas cidades não podiam competir.” (ALVES, 2001, p. 25)
Para além deste caracter periférico do Portugal Árabe, terá tido influência no desaparecimento de muito do legado desse período no nosso território os efeitos dos sismos e a própria política de terra queimada praticada durante a chamada reconquista.
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Interior da Habs Qara ou “Prisão Cara” de Meknés
O arquitecto Cara, figura referenciada como o construtor das Masmorras de Meknés, a célebre Habs Qara ou Prisão Cara, é um dos mitos de portugueses em Marrocos, talvez o mais intrigante e o menos documentado. Se é verdade que não existe qualquer referência a Cara nas fontes históricas, também é verdade que, para o senso comum, a sua existência é naturalmente aceite e, facto surpreendente, em alguns relatos actuais a sua lenda adquire contornos bem reais, como adiante se verá.
Falar de Cara é falar do Sultão Mulai Ismail, seu suposto empregador, e falar de Mulai Ismail é falar de escravatura branca, entre outras coisas, muita dela feita de histórias também envolvendo portugueses.
Mas Mulai Ismail tem outras ligações a portugueses, que a maior parte das pessoas desconhece, sejam reais ou mitos, que aqui se abordam, apesar da escassez de textos que as confirmem, integrando-as no seu contexto, que é o do reinado deste sultão controverso. Continue Reading
Contrariamente ao que muita gente pensa, em Essaouira não existem vestígios da curta permanência portuguesa no local, que não ultrapassou os quatro anos. Poderão eventualmente restar algumas pedras do antigo Castelo Real de Mogador, reutilizadas na construção do Borj El Barmil, mas todos os elementos de arquitectura militar e civil existentes, tanto na cidade, como nas ilhas situadas ao seu redor, são originários do século XVIII, em obras promovidas pelo Sultão Sidi Mohamed Ben Abdellah e construídas na quase totalidade por renegados europeus.
Existem sim, vestígios de edifícios de ocupação portuguesa, cuja construção foi promovida ou custeada por portugueses durante o mesmo século XVIII, concretamente uma Igreja e um imóvel onde esteve instalado o Consulado de Portugal. Aparentemente, ambos os edifícios nada têm a ver com as características da arquitectura portuguesa, mas apresentam aspectos interessantes que vale a pena mencionar, e que um estudo mais aprofundado pode revelar aspectos até hoje desconhecidos. Continue Reading
O Castelo do Mar e o Porto de Safi
A cidade de Safi, a Safim portuguesa, é talvez a cidade de Marrocos com maior riqueza em termos de património de origem portuguesa, não fosse a capital de Portugal no Sul do país e principal base das ofensivas para subjugação do interior do território e da ilusão da conquista de Marraquexe.
Não obstante, é uma cidade pouco referida, pouco valorizada e pouco visitada, e que apresenta o património português mais degradado, inclusivamente em risco. Convergem para esta situação vários factores, como o seu caracter industrial, a sua não inclusão nos principais itinerários turísticos e a marginalização que Safi sofreu desde sempre e que poderá ter a ver com razões eminentemente políticas (NENO, 2015, p. 214-217), com uma certa mentalidade vigente anteriormente em Marrocos de vergonha em assumir o passado da ocupação estrangeira, ou inclusivamente se relacionar com o facto de ter sido a única cidade de Marrocos em que os seus habitantes viveram juntamente com o ocupante português.
Esta situação dá sinais de querer ser alterada, existindo um interesse especial por parte das autoridades da Région de Marrakech-Safi e da Délégation de Culture de Marrakech, juntamente com o apoio da Embaixada de Portugal, no sentido de a inverter. Continue Reading
O Castelo de Aguz em Souira Qadima
O Castelo de Aguz em Souira Qadima aparenta exteriormente uma situação de monumento estável e recuperado, transmitindo a quem por ali passa uma sensação de tranquilidade, que a sua implantação isolada junto ao mar acentua.
Mas a realidade é bem diferente. De facto, o processo de degradação em que o imóvel se encontra é real e acelerado, tendo-se produzido duas derrocadas no seu interior, que podem antever a ruína parcial de dois dos panos da sua muralha. A situação exige medidas de imediato, já que a sua fragilização estrutural é um dado adquirido, e durante o próximo inverno a acção das chuvas pode ter efeitos devastadores.
A Delegação Regional de Marrakech do Ministério da Cultura de Marrocos tem consciência desta realidade, mas a situação difícil em que se encontra vário do património de origem portuguesa na sua jurisdição, seja o Castelo de Aguz, sejam os imóveis da cidade de Safi, casos do Castelo do Mar, da Kechla e das próprias Muralhas da Cidade, seja ainda a Igreja Portuguesa de Essaouira, envolve verbas avultadas e requer uma intervenção apoiada. Continue Reading
Uma rua em Arzila, no local do antigo Convento de S. Francisco
A marca da presença portuguesa nas cidades marroquinas não ficou apenas nos testemunhos edificados mais evidentes, nem tão pouco nas influências imateriais. O facto de os portugueses terem vivido nas estruturas urbanas pré-existentes, não se instalando em áreas criadas de raiz, obrigou não só à sua adaptação ao modo vida ocidental, mas sobretudo a necessidades de gestão colonial, muito ligadas à defesa e à logística.
Aliás seria este último aspecto o determinante, já que o urbanismo medieval português e marroquino não eram assim tão diferentes, sendo ambos marcados por traçados viários irregulares, fruto do desenvolvimento orgânico e da adaptação à topografia, e pela hierarquização dos espaços públicos.
E se é verdade que a racionalização das estruturas urbanas se generaliza no período do Renascimento e é uma constante do urbanismo colonial, também é verdade que no próprio urbanismo medieval surgem estruturas ortogonais fruto da sua fundação por meio de operações urbanísticas. Continue Reading
A abóbada de nervuras da Capela-mor da Catedral de Safim
Safim era no início do século XVI a principal praça portuguesa do Sul de Marrocos. Importante centro de comércio e porto de exportação dos produtos transportados pelas cáfilas que faziam escala em Marraquexe e dos cereais e gado da Duquela, adquiriu entre os anos de 1510 e 1516, correspondentes à capitania de Nuno Fernandes de Ataíde, um papel extremamente importante no plano político-estratégico das ambições de D. Manuel para a criação de um Marrocos português, ilusão alimentada por alguns partidários dessa utopia como Diogo de Azambuja, que o tempo se encarregaria de contrariar.
À importância económica, política e estratégica de Safim deveria corresponder uma importância simbólica no contexto religioso, acolhendo uma das três dioceses portuguesas em Marrocos, a única no chamado Marrocos Amarelo.
A construção de uma Catedral na cidade foi um desígnio dessa política, tendo a sua edificação ocorrido no ano de 1519. Continue Reading
O local da antiga Cidadela de Santa Cruz do Cabo de Guer, o Morabito de Sidi Bouknadel e o Pico
A partir do ano de 1505, Portugal inicia a implantação de uma série de fortalezas na costa atlântica de Marrocos, através de um processo de construção expedito e racional, com base na instalação prévia de um castelo de madeira e posterior edificação de uma estrutura de pedra e cal, com recurso a projectos-tipo e materiais pré-fabricados.
A pesar de isoladas fisicamente das praças-fortes, encontravam-se na sua dependência administrativa e contavam com o seu apoio logístico, facto que não evitou que o seu tempo de vida fosse extremamente curto, entre 5 e 10 anos, o que não justificou a sua construção.
Das cinco fortalezas construídas, Santa Cruz do Cabo Guer, Ben Mirao, Castelo Real de Mogador, Castelo de Aguz e Castelo de S. Jorge de Mazagão, houve, no entanto, duas que se mantiveram em mãos portuguesas por um período mais longo, concretamente a Fortaleza de Santa Cruz e o Castelo de S. Jorge, já que evoluíram para cidadelas, adquirindo infraestruturas, meios humanos e logísticos que assim o permitiram. Continue Reading
O Baluarte de S. Cristóvão em Azamor
“Os nossos lugares em África eram praças de guerra. As suas muralhas conservadas até hoje – na maioria dos casos – atestam a sua solidez. Os seus moradores podiam dormir sossegados. Para as erguer não se pouparam os bons materiais, alguns deles vindos de Portugal, como a pedra de cantaria, a madeira e a cal. Trabalharam nelas os melhores artífices da metrópole e dirigiram-nas os melhores debuxadores e mestres de pedraria do tempo, nacionais ou estrangeiros.” (LOPES, [1937] 1989, p. 41)
O período da ocupação portuguesa da costa de Marrocos coincide com uma época em que as técnicas de defesa militar se alteram radicalmente, fruto da generalização da utilização da pólvora. Fortemente influenciados pelo modelo vanguardista italiano, os debuxadores portugueses puseram em prática nas Praças de Marrocos os princípios inovadores da transição da neurobalística para a pirobalística e Marrocos foi um autêntico laboratório onde essas técnicas foram experimentadas. O contributo português para o desenvolvimento da Arquitectura Militar foi inegável. Continue Reading