Vista de Ceuta a partir da Serra da Ximeira
A conquista de Ceuta marca o início da expansão portuguesa em Africa e tem fortes motivações estratégicas e económicas. Ceuta era nos inícios do século XV uma base da guerra de rapina de corsários e de apoio ao Reino de Granada, constituindo uma ameaça aos navios portugueses e uma fonte de ataques às costas do Algarve. Era um ponto estratégico para o domínio da navegação no Estreito de Gibraltar, com uma situação geográfica singular, rodeada de mar por todos os lados, mantendo apenas contacto com terra através de uma estreita faixa, o que a tornava facilmente defensável. Mas Ceuta era principalmente um importante entreposto comercial, que escoava para a Europa as mercadorias que chegavam do Oriente através das caravanas.
Para a sua conquista, D. João I organiza uma poderosa armada. O ataque é mantido no máximo secretismo, sendo precedido pelo envio de espiões que estudam meticulosamente as defesas da cidade e determinam os seus pontos fracos. “No dizer do seu cronista, Azurara, seis anos antes já D. João I se ocupava dela; mas seguramente se sabe que se trabalhava para ela desde 1412” (LOPES, [1937 1989, p. 5).
“Na noite de 20 de Agosto de 1415, uma esquadra portuguesa de 200 velas, com tochas e candeias acesas, fundeava no porto de Ceuta. A cidade respondeu ao desafio, iluminando todas as janelas e terraços”. (COELHO, 2011, p. 17)
A Mulher Morta ou o Jebel Mussa visto do lado de Ceuta
Ceuta situa-se num local mítico, envolto em lendas que remontam aos tempos da antiguidade clássica.
O Monte Abila, actual Monte Hacho, ou, de acordo com outra versão, o Jebel Mussa, o Monte da Mulher Morta, seriam o local onde se localizava uma das colunas de Hércules, a do lado Africano, sendo a do lado Europeu situada no Rochedo de Gibraltar. Segundo a mitologia grega, Hercules, para realizar um dos seus doze trabalhos, terá afastado os dois montes para criar uma passagem marítima.
“A Mulher Morta, contemplada desde o Hacho, parece um elefante que estava a passar por entre as montanhas. Segundo Estrabão, esse perfil que denomina o Elephas anunciava-lhes a proximidade do fim do Mare Nostrum.” (BARCELÓ, 2015, página electronica citada)
Seria também aqui, na base do Jebel Mussa, que Ulisses esteve prisioneiro de Calipso durante sete anos. As referências míticas a Ceuta encontram-se também inscritas nos mapas mais antigos, como refere Gomez Barceló:
“Nestes mapas Ceuta aparece como Abyla que era o nome dado à coluna de Hércules deste lado do Estreito de Gibraltar, Septem Frates ou sete irmãos, que aludia aos sete montes sobre os quais assentou Ceuta, e também Hepta Adelphoi, que era a tradução grega deste último topónimo. Assim se encontra também escrito em diferentes histórias da antiguidade.” (BARCELÓ, 2015, página electrónica citada)
O Rochedo de Gibraltar visto de Ceuta
El-Bekri descreve a Ceuta do século XI como uma cidade muralhada e rodeada de vinhas. Acrescenta que entre a muralha Ocidental e a muralha Oriental distam 2.500 côvados (cerca de 1.250 metros). É banhada por dois mares, sendo o do lado Sul chamado de Beçoul, e o do lado Norte chamado Er-Ramla, a Praia Arenosa. Tem uns banhos públicos muito antigos chamados Banhos Khaled, e três outros no arrabalde situado a nascente da cidade. Acrescenta que “Ceuta foi sempre um desses lugares onde as ciências [teológicas] fixaram a sua morada”. (EL-BEKRI, [1068] 1913, p. 202-205)
Al-Idrisi refere-se a Ceuta como uma cidade “rodeada de jardins, pomares e árvores de frutos que produzem fruta em abundância. Cultiva-se a cana-de-açúcar e a cidra”. Diz também que o território da cidade tem o nome de Belyounesh e é muito rico em água corrente e fontes. Refere que a pesca é abundante, sobretudo do atum, e existem “mais de cem espécies diferentes de peixes”, bem como a apanha de arbustos de coral. Existe um mercado onde o coral é polido e transformado em pérolas, que são furadas e unidas, sendo o produto exportado para todas as direcções. (AL-IDRISI, [1154] 1999, p. 247-249)
Leão O Africano refere-se assim a Ceuta: “Esta cidade desde esse tempo (o autor refere-se ao tempo da sua conquista pelos Árabes) até ao presente tem sempre aumentado, tanto em civilização como em número de habitantes, de tal forma que se tornou na mais bela e mais povoada cidade que existe na Mauritânia. Ali existem inúmeros templos, colégios, artesãos, homens eruditos e de amável trato, e bastantes mestres singulares a fazerem trabalhos em cobre, como candelabros, bacias, e muitas outras coisas, que se vendem como se fossem de prata”. (LÉON AFRICAIN, [1530] 1897, Vol. II, p. 251-252)
Luis de Marmol y Carvajal fala também da Ceuta pré-portuguesa, dizendo que é uma das cidades mais antigas e mais ilustres da Mauritânia, onde o “ar é tão bom que ela é considerada como o mais são lugar para habitar em toda a África, o que atraiu ricos habitantes de todos os lados”. Do lado Oeste da cidade existe um vale chamado Vale das Vinhas, onde existem ricas moradias e muitos pomares e vinhas. (MARMOL y CARVAJAL, [1573] 1667, p. 236-237)
Gravura de Ceuta em 1572, Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, Biblioteca Nacional de Portugal
Segundo Carlos Gozalbes Cravioto a cidade à época da conquista portuguesa era de dimensão apreciável, com vários bairros compartimentados por muros e fossos, tendo como núcleo central a Medina, situado na zona mais estreita do istmo, correspondente ao assentamento romano do século IV, de características industriais, vocacionado para a salga de pescado. A cidade apresentava fortificações de grande solidez na sua frente de terra, de onde se temiam os ataques vindos do exterior, contrastando com fortificações menos sólidas do lado Nascente e no contacto com o Mar. A cidade era compartimentada por muralhas, separando os vários bairros, muito ao gosto do urbanismo Árabe (MAZZOLI-GUINTARD, 1996, p. 70-74).
O aumento demográfico no período Árabe teve como consequência a criação de vários arrabaldes, seccionados transversalmente por muralhas e fossos, sendo que as frentes de mar foram também fortificadas, mas de forma menos construída, já que se tirou partido das características topográficas do terreno. Esse aumento demográfico foi particularmente forte no início do século XIV, devido à chegada de muitos mouriscos expulsos da Península.
“Os fossos e muralhas que existiam em Ceuta para a separação dos arrabaldes, devido à geografia ístmica, tinham unicamente a direcção Norte-Sul, fortificando-se também as frentes que davam para o mar” (GOZALBES CRAVIOTO, 1998, p. 401-402). Estes fossos eram quatro e as muralhas eram em número de cinco, mas existia também uma muralha de seccionamento no sentido Nascente-Poente, que separava o chamado Arrabalde de Baixo e o Arrabalde de Zaklu (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 192). “Um estudo cronológico destes arrabaldes, sobretudo com base nos seus cemitérios, permite determinar as etapas de crescimento da cidade, cujo maior desenvolvimento demográfico se alcança no século XIV, e não nos séculos anteriores, como parecem indicar a maioria das fontes escritas. Estas fontes, quase sempre fazem referência ao esplendor cultural e é certa esta decadência cultural da cidade no século XIV, tal como no resto do Al-Andalus. Também decresce a importância política da cidade, mas cremos que é quando a sua demografia aumenta consideravelmente.” (GOZALBES CRAVIOTO, 1998, p. 401)
Ceuta pré-portuguesa. Fonte Carlos Gozalbes Cravioto
O autor sintetiza as áreas dos vários bairros muralhados, referindo que o Arrabalde de Fora teria 58.000 m2, a Medina 113.900 m2, o Arrabalde do Meio 310.000 m2, o Arrabalde de Zaklu 120.000 m2, o Arrabalde de Baixo 97.000 m2 e o Arrabalde da Almina 80.000 m2, num total de uma área urbana de 778.900 m2 ou 78 hectares (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 130). Quanto aos perímetros, seriam os seguintes, sendo que as muralhas de núcleos adjacentes são partilhadas num dos seus lados: Arrabalde de Fora, constituído pelos Bairros de El-Hara e El-Kassabum 1.100 metros, Medina ou Centro Urbano 1.200 metros, Arrabalde do Meio 2.450 metros, Arrabalde de Baixo 1.450 metros, Arrabalde de Zaklu 1.650 metros e possível fortificação do Facho 4.000 metros (GOZALBES CRAVIOTO, 1998, p. 406).
Do lado Nascente da cidade, rematando a península em que se situa, existe o Monte Hacho, o Facho dos portugueses, ou Monte Abila, que na época se chamava Jebel Al-Mina, designação que deu origem ao topónimo Almina, sendo duvidosa e contraditória nas várias fontes a existência de uma muralha rodeando esse monte. Sabemos no entanto que existia uma zona muralhada do lado Norte, para além de uma muralha edificada por Almançor para transferência da cidade para esse local, mas não a terminou, pelo que Ceuta se manteve onde se encontra actualmente (AL-IDRISI, [1154] 1999, p. 248).
O Monte Abila seria assim parcialmente muralhado, concretamente de forma contínua no seu lado Norte, onde a topografia do terreno não é suficientemente desnivelada em relação ao mar para garantir por si só as necessárias condições de defesa de forma eficaz. Já dos lados Nascente e Sul apenas teriam sido construídos troços isolados de muralha nas praias e nas entradas dos vales. No Monte não existia um povoamento com características urbanas, mas tão-somente alguns edifícios isolados, se bem que de grande importância, como uma fortaleza no seu cume, a casa da Luz ou farol, a Musalla, local de retiro e de culto de ar livre e o Morabito de Sidi Bel Abbes Es-Sebti, estes dois últimos já fora de portas.
As muralhas do Afrag
No período Merinida é construída uma cidadela extramuros, numa colina situada do lado Poente, chamada Afrag ou Al-Mansura, a vitoriosa, ou Al-Jazira, A Ilha, nome pelo qual a conheciam os portugueses.
“Al-Afrag, termo amazigh aplicado primitivamente a toda a cerca destinada a agrupar e proteger o gado, passou provavelmente na época almorávida a designar o acampamento militar itinerante do chefe de guerra ou do soberano. A intensa actividade bélica dos califas almóadas, imposta pela sua política expansionista levou-os a darem uma importância crescente ao Afrag: por conseguinte era uma verdadeira cidade itinerante e efémera em que o espaço estava rigorosamente organizado, não só procurando uma eficácia militar óptima, como também para realçar a presença do soberano e o seu papel aglutinador e protector.” (CRESSIER, Patrice, in VILLADA PAREDES, Fernando e GURRIARÁN DAZA, Pedro, 2013, p. 17)
O Afrag de Ceuta, construído pelos Merinidas no século XIV, foi um local de concentração de forças militares com o objectivo de controlar Ceuta e o próprio Estreito de Gibraltar. Situava-se num estratégico local do acesso à cidade, ocupava uma área de cerca de 15 hectares, e “incluía palácio, mesquita, e outras instituições oficiais e infraestruturas colectivas”. (CRESSIER, Patrice, in VILLADA PAREDES, Fernando e GURRIARÁN DAZA, Pedro, 2013, p. 18)
Existia um Bairro Cristão fora de muros, na Almina, com uma Igreja chamada Santa Maria de Marrocos (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 188), bairro sobretudo frequentado por comerciantes genoveses. Havia também uma Judiaria chamada El-Hara (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 193), situada no Arrabalde de Fora.
A Catedral de Ceuta, no local da antiga Mesquita Maior
Ceuta era uma das grandes cidades do Norte de Africa, estrategicamente situada, e um importante centro de comércio. A opulência das suas construções eram prova disso, não só em termos de estruturas defensivas e edifícios públicos, mas também ao nível das suas habitações.
Ceuta teria 20 mesquitas identificadas (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 131) e 6 Mussalas ou mesquitas de ar livre (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 141), mas segundo Al-Ansari praticamente cada casa tinha um oratório. O mesmo Al-Ansari refere que Ceuta tinha 1.000 mesquitas, número exagerado, mas que poderá ser aceite contando com os inúmeros locais de culto privado, os Ribats, Zawias e Santuários. Segundo o historiador Árabe existiriam 22 banhos públicos na cidade (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 169). Ceuta tinha também duas Madrassas ou Universidades, uma delas com duas bibliotecas, a par das várias escolas existentes nas mesquitas (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 203-216). Segundo Al-Ansari Ceuta tinha 62 bibliotecas, 45 das quais em casas particulares (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 230).
No entanto Ceuta era dependente dos abastecimentos do exterior, já que as características dos terrenos circundantes não permitiam o cultivo e a criação de gado suficientes para alimentar toda a sua população. O abastecimento de água constituía também um problema para a cidade, que apesar disso nunca lhe faltou, como refere Gozalbes Cravioto:
“Esta grande população, necessitava de grandes quantidades de água, impossíveis de abastecer pelas escassas e intermitentes nascentes que afloram do subsolo ceuti (…) Mas, ao contrário de outros núcleos urbanos, a água não condicionou a sua existência (…) Os ceutis, souberam obter, conservar e utilizar a água e se tornaram hábeis mestres no assunto”. (GOZALBES CRAVIOTO, 1989, p. 779-780)
Para tal, não só contavam com as 25 fontes públicas existentes e os inúmeros poços, como desenvolveram um complexo sistema de captação, transporte e recolha, utilizando galerias subterrâneas, aquedutos e condutas, que alimentavam depósitos, cisternas e tanques.
A população da cidade à data da conquista pelos portugueses era de 30.000 habitantes. (GOZALBES CRAVIOTO, 1995, p. 141)
Uma outra vista de Ceuta a partir da Serra da Ximeira
Os preparativos para a tomada de Ceuta começaram com o envio de duas galés que tinham como destino a Sicília para pedir a mão da Rainha da Sicília para o infante D. Pedro, nas quais iam os embaixadores de D. João I, Álvaro Gonçalo Camelo e Afonso Furtado de Mendonça, que fariam uma escala em Ceuta para observar as defesas da cidade. Os embaixadores obtiveram autorização do Governador da cidade, Salá ben Salá, para “nela haverem refresco. E porque eram embaixadores, título que para todos os povos foi sempre de respeito e inviolabilidade, foi lhes permitido que saíssem em terra a comprar o que quisessem.” A comitiva permaneceu quatro dias em Ceuta, de onde trouxe preciosas informações. (PISANO, [1460] 1915, p. 13)
Já em Portugal, os espiões encontram-se com o Rei em Sintra, onde executam uma maquete da cidade com “duas carradas de areia e um novelo de fita e meio alqueire de favas e uma escudela” (ZURARA, [1450] 1915, p. 58). Álvaro Gonçalo Camelo “tanto que esteve dentro de uma câmara meteu-se dentro só e começou a desenhar a sua informação desta forma. Pegou naquela escudela e logo fez o monte da Almina e toda a cidade assim como jaz com suas alturas e os vales e fundos delas. E daí a Aljazira com a serra da Ximeira assim como jaz em sua parte. E onde havia de fazer mostra de muro cercava com aquela fita. E onde havia de assinalar casas punha aquelas favas, de tal forma que não ficou nada por desenhar”. (ZURARA, [1450] 1915, p. 59)
Esta actividade de espionagem em Ceuta foi acompanhada por uma campanha de contrainformação, procurando desviar as atenções e confundir as várias potências europeias e o reino de Granada, que também enviaram os seus espiões a Portugal para tentarem perceber o verdadeiro destino do ataque em preparação.
No seguimento das informações recebidas, o Rei encarregou Gonçalo Lourenço de preparar a frota, mobilizando os carpinteiros e calafates do Reino “para que fossem imediatamente trabalhar na reparação, construção e armamento da frota”, sendo a maioria dos navios contruídos nas taracenas do Porto e de Lisboa (PISANO, [1460] 1915, p. 18). Para o financiamento da empresa, D. João mandou chamar os mercadores estrangeiros do Reino, pedindo-lhes que importassem prata e cobre para cunhar moeda, em troca de mercadorias para comerciarem (PISANO, [1460] 1915, p. 17-18). Para além da cunhagem de moeda, foram lançados impostos, feitos empréstimos, requisições compulsivas, estimando-se o custo total da empresa em 280.000 dobras (MONTEIRO, 2017, p. 69).
Sobre o pagamento dos barcos e tripulações estrangeiras, comenta Luís de Oliveira Duarte: “Quando as naus foram apalavradas e fretadas, com toda a certeza que os contratos se fizeram em dinheiro. Mas na altura de pagar o erário régio dificilmente teria as quantias em dívida. Pelo que o Vedor da Fazenda inventou um expediente que nós, infelizmente, bem conhecemos, com as inevitáveis adaptações aos tempos actuais: tomou conta de toda a produção do país a preços simbólicos, e provavelmente confrontou os mestres das embarcações estrangeiras: ou aceitam receber o equivalente ao vosso pagamento em sal, ou se querem dinheiro, terão de esperar (muito). Não penso que a decisão tenha sido difícil para aqueles mestres. Por outras palavras, grande parte das despesas com a armada de Ceuta foi suportada pelos produtores de sal.” (DUARTE, 2016, p. 86)
Gravura de Ceuta em 1765 da autoria de Gonzalez, cartoteca digital da Biblioteca Nacional de Espanha
“Em Lisboa e no Porto, nas duas margens direitas do Tejo e do Douro, as praias sumiam-se com a extensão dos estaleiros. Era um martelar incessante de carpinteiros fazendo navios, um formigueiro espesso de mesteirais de todo o género, uma faina, um burburinho que durava todo o dia, e nem de noite parava, trabalhando-se à luz de archotes (…) alastrava-se pela praia um vasto estendal de açougues em que se matavam bois, correndo o sangue a jorros, talvez como um fatal prenúncio! E os homens, atarefados, chafurdavam no decepar das carnes palpitantes ainda, esfolando os animais abatidos, cortando, separando, salgando, embarricando. Mulheres abriam o peixe: as pescadas, as raias, os cações, vazando-o e deixando-o secar ao sol, em vastas pilhas que se estendiam para longe, a perder de vista. Um cheiro acre de sangue, breu, gordura e resina das madeiras novas, enchia o ar, fundindo-se com o cheiro da gente de trabalho escorrendo em suor.” (MARTINS, [1891] 1983, p. 39)
“A primeira conquista no além-mar obrigou à preparação de uma frota capaz de transportar numeroso exército equipado com armas e abastecimentos. Foi necessário mandar construir, comprar e alugar muitos navios. As notícias da época registam galés, galeões, naus, barcas, fustas, cocas, e barinéis, entre outros, cuja variedade revela a inexperiência neste género de combate, a insuficiência dos recursos e a dispersão dos seus locais de origem. Sabemos que alguns vieram do estrangeiro, pelo menos da Galiza, Biscaia, Bretanha, Inglaterra e Flandres” (FARINHA, 1999, p. 11)
Quanto às tropas Dias Farinha refere que “é conhecida a presença de estrangeiros na expedição, entre os quais ingleses, alemães, polacos e franceses, que, tal como o exército português, ignoraram, até à passagem por Lagos, qual o destino final da empresa a que prestavam colaboração” (FARINHA, 1999, p. 11). Segundo João Gouveia Monteiro “o alferes-mor do reino, João Gomes da Silva, numa carta que dirigiu ao arcebispo de Santiago (de quem parece ter sido amigo) na hora da partida da frota do Restelo, afirma que a armada se compõe de 270 velas, galés e outras fustas mais pequenas, que levam a bordo 7.000 a 7.500 homens de armas, 5.000 besteiros e até 20.000 ou 21.000 homens de pé, ou seja, entre 32.000 e 33.500 combatentes”, mas acrescenta que “ao tempo de Ceuta, a realeza poderia contar, em condições ideais, com até cerca de 20.000 combatentes, dos quais 5.000 ou 6.000 a cavalo e sete ou oito milhares de atiradores” (MONTEIRO, 2017, p. 66-67). Segundo Mateus de Pisano a frota era constituída por “sessenta e três naus de carga, vinte e sete trirremes, trinta e duas birremes, e cento e vinte navios de outras espécies”, ou seja, um total de 242 embarcações (PISANO, [1460] 1915, p. 37). No entanto parece razoável e consensual que, números redondos, a frota teria cerca de 200 navios e um máximo de 20.000 homens, entre homens de armas e responsáveis pela logística.
Carta náutica da Costa Ocidental de Africa de 1571, in Atlas de Fernão Vaz Dourado, Arquivo Nacional da Torre do Tombo
A armada era liderada por D. João I, acompanhado pelo príncipe herdeiro D. Duarte e pelos infantes D. Pedro e D. Henrique, e por um seu irmão bastardo, o conde de Barcelos. Os principais responsáveis militares do reino estavam presentes, como o Condestável, D. Nuno Alvares Pereira, o Mestre da Ordem de Cristo, D. Lopo Dias de Souza, o almirante Carlos Pessanha, o almirante Micer Lancerote, o capitão-mor Afonso Furtado, D. Pedro de Menezes, futuro governador de Ceuta, e muitos outros nobres, alguns dos quais iriam protagonizar os acontecimentos que marcaram a presença de Portugal em Marrocos, como Diogo Lopes de Souza, Vasco Coutinho ou Álvaro de Ataíde.
A expedição inicia-se no dia 25 de Julho de 1415, dia de S. Tiago, com a saída da armada da barra do Tejo. “Assim correram todos aqueles navios sua viagem, de forma que no sábado sobre a tarde começaram a dobrar o Cabo de S. Vicente, e por razão de certas relíquias que ali jaziam, mesuraram todas suas velas em dobrando o cabo por sinal de reverença, e naquela noite foi a frota toda juntamente ancorar na baía de Lagos” (ZURARA, [1450] 1915, p. 156). No dia 27, em Lagos, é finalmente anunciado que o destino é Ceuta.
“Depois disto D. João saiu de Lagos, mas, antes de entrar nas águas do Mediterrâneo, sete dias se conservou no Oceano, então muito agitado, a fim de aguardar os navios que ainda se lhe não tinham reunido. Juntos todos e depois de navegarem três dias com vento fraco, entrou a frota no Mediterrâneo (…) Ao amanhecer passou a frota era frente de Tarifa, cidade da Espanha, cujos moradores despertando ao som das tubas correram às muralhas, e, com a vista de tamanha frota e tão bem apercebida de toda espécie de armamento, se lhes inundou a alma de alegria. Sobre a tarde do mesmo dia ancorou a frota entre Tarifa e o Calpe e aí se conservou dois dias (…) Dois dias depois, dado o sinal, a frota levanta ferro e segue no rumo de Ceuta, mas com mau êxito, porquanto, tendo-se formado densas nuvens que com negra cerração toldavam o céu, a violência das correntes impeliu quase todas as naus de carga na direcção de Málaga, muito opulenta cidade do reino de Granada; e só as galés e alguns outros navios a voga mais forçada puderam, a muito custo, vencer a corrente e arribar no mesmo dia a Ceuta”. (PISANO, [1460] 1915, p. 34-35)
O Mar de Barbaçote visto das Muralhas de Ceuta
Os navios que chegam a Ceuta no dia 12 de Agosto posicionam-se frente à Praia de Santo Amaro. Os mouros, apanhados de surpresa, tratam de reforçar as suas defesas com a colocação de engenhos no tramo Norte das muralhas, frente á praia, onde aguardam um desembarque maciço dos portugueses. Das aldeias vizinhas afluem cerca de 10.000 voluntários para ajudar a defesa da cidade. Durante os dois dias em que se aguarda a chegada dos restantes navios da armada dão-se escaramuças na praia, provocadas pelos guerreiros mais aguerridos de um e outro lado. Mouros que saltam para bateis e arremessam pedras e flechas aos navios atacantes, portugueses que respondem desembarcando na praia para os combater.
Após haver permanecido dois dias em frente da cidade, “na quarta-feira, que era véspera de Santa Maria de Agosto, teve el-Rei seu conselho de se passar da outra parte da cidade, onde se chama Barbaçote, com intenção de esperar ali as naus que a corrente lançara para Málaga como já dissemos.” (ZURARA, [1450] 1915, p. 170)
Em Barbaçote, nome do Mar do lado Sul da cidade, voltaram a verificar-se confrontos, mas voltam a soprar ventos ainda mais fortes que arrastam toda a armada para o largo. Os mouros convencem-se que os portugueses desistiram do ataque e Salá Ben Salá dispensa os reforços que haviam chegado. “Eram muitos, mas muito indisciplinados; uns cansaram-se de esperar e voltaram para casa, outros foram devolvidos à procedência pelo Governador de Ceuta, aborrecido com os problemas que eles causavam” (DUARTE, 2016, p. 84). D. João I chega a por em causa a campanha, mas no final permanece a decisão de atacar Ceuta. Quando a armada regressa, Salá Ben Salá já não pode contar com os reforços e simula a sua presença através da iluminação de todas as casas confinantes com a muralha. “Deu ordem para que o lanço dos muros fronteiro ao lugar onde a frota estava fundeada, fosse densamente coroado de homens, e que pusessem luzes nas janelas de todas as casas; com o que tinha em vista dar à cidade a aparência de estar cheia de gente armada.” (PISANO, [1460] 1915, p. 39-40)
“De facto, se houvessem permanecido na cidade todos os que era seu socorro tinham vindo, D. João não chegaria a tomá-la ou, pelo menos, só com grande mortandade dos seus teria conseguido sair vitorioso. Dez mil homens se diz que tinham vindo para Ceuta, e entre eles muitos Númidas, gente belicosa, que, à maneira de feras, anda errante por montes e vales, vivendo da rapina mais que do trabalho.” (PISANO, [1460] 1915, p. 36)
Zurara descreve assim a cidade iluminada: “E os mouros da cidade, tanto que viram a frota cerca de seus muros, encheram todas as suas janelas e frestas de candeias, para mostrarem que eram muitos mais do que os cristãos presumiam. E assim pela grandeza da cidade, e por ser de todas as partes tão iluminada, era muito formosa de ver” (ZURARA, [1450] 1915, p. 190). Em resposta, a frota iluminou todos os seus navios, mostrando à cidade todo o seu poderio.
A praia de Santo Amaro, local do desembarque das forças portuguesas
Segundo Pisano, o plano de D. João I era o de dividir a frota em duas, posicionando a maior parte da frota, por si comandada, frente à cidade, e enviando a outra parte dos navios para o Abila, onde se daria o desembarque para ocupar o monte. Refira-se que não existe uma referência a que o grosso da frota se posiciona em Barbaçote, mas frente à cidade, e que o desembarque das restantes forças não era inicialmente para tomar a cidade, mas para ocupar o Abila. A expressão que usa é “para ali assentar arraiais” (PISANO, [1460] 1915, p. 39). Sabendo-se que o desembarque se dá na Praia de Santo Amaro, do lado Norte, e que o grosso da armada estaria posicionada a cerca de uma milha, é questionável que fosse deslocada para Barbaçote, do lado Sul, por várias razões: Porque a distância entre Santo Amaro e Barbaçote é muito superior a uma milha; porque as duas frotas perderiam o contacto visual uma com a outra, contradizendo o plano do Rei; porque do lado de Barbaçote a costa é escarpada, não permitindo um segundo desembarque; porque a crónica refere que D. João I entrou na cidade pela porta que dá para o Abila, tendo “estacionado” aí após desembarcar, ou seja, terá também desembarcado em Santo Amaro; finalmente, porque se o plano era dispersar as defesas da cidade e, sendo Ceuta uma cidade linear, a dispersão só se consumaria se as defesas fossem divididas entre o Nascente e o Poente, pelo que o posicionamento da frota principal teria forçosamente que se realizar frente à Medina, regressando ao Abila após um desembarque bem-sucedido.
“Os mouros, quando virem a maior parte da frota em frente da cidade, hão-de suspeitar que queremos efectuar um desembarque e acudirão para no-lo impedir; então podereis desembarcar seguros e ir ocupar o Abila. Se eles correrem a pôr-vos estorvo, rapidamente vos iremos socorrer com as nossas galés (…) Ao pôr-do-sol ancorava D. João, como dissera, em frente de Ceuta, e D. Henrique seguiu com os seus navios para o monte Abila, que dali dista cerca de uma milha” (PISANO, [1460] 1915, p. 39). A comunicação visual entre as duas frotas era um facto, de acordo com Pisano: “Ordenou El-Rei que todos se fizessem prestes a sair em terra, mas que ninguém saísse antes de ter visto desembarcar o infante D. Henrique” (PISANO, [1460] 1915, p. 40).
O desembarque em Ceuta
Esta posição não é consensual. Vários autores defendem que a armada do Rei se posicionou em Barbaçote. Segundo Gozalbes Cravioto, D. João I reúne com os fidalgos para discutir o plano de desembarque. O Rei defende o desembarque na Almina, do lado de Barbaçote, onde não havia muralha, enquanto os nobres defendem um desembarque no sertão, na frente de terra, para impedir a chegada de reforços, propondo a construção de um fortim. Prevaleceu o critério do Rei, tendo uma parte da frota sido posicionada no Mar de Barbaçote frente à Almina, enquanto o grosso da frota se posicionou do lado Norte na zona do porto, efectuando-se o desembarque na Praia de Santo Amaro. (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 193-194)
João Gouveia Monteiro refere que as forças portuguesas se concentram do lado Nascente da cidade, evitando um desembarque na frente de terra, onde poderiam ser surpreendidas pela eventual chegada de reforços mouros, mas diverge da posição de Gozalbes Cravioto ao afirmar que “o monarca, com o resto da armada, fingiria tomar o rumo da baía sul (Barbaçote), com o objetivo manifesto de dividir as forças muçulmanas e de as levar a acreditar que o grosso da armada portuguesa desembarcaria por esse lado. Quando tal sucedesse, o rei daria um sinal e D. Henrique e os seus homens tratariam de lançar as pranchas em terra e de ocupar a praia de Santo Amaro, a eles se juntando depois, tão depressa quanto o possível, o resto da armada. Deste modo, o ataque português concentrar-se-ia todo ele sobre a porta da Almina, na zona nordeste da cidade, esperando-se que fosse depois possível avançar para poente, através das ruas interiores da praça” (MONTEIRO, 2017, p. 74). Ou seja, segundo este autor, os dois desembarques, o da frota pequena e o da frota grossa teriam sido ambos na praia de Santo Amaro, o que confirma a afirmação de Pisano de que D. João I entrou pela porta que dá para o Abila.
O Forte de Santo Amaro em Ceuta
Assim, no dia 21 de Agosto, um contingente de 500 homens comandado por D. Duarte e D. Henrique desembarca na Praia de Santo Amaro, na base do Monte Abila, onde acorrem muitos mouros e se travam fortes combates. O primeiro a desembarcar foi Rui Gonçalves. As tropas entram pela Porta da Almina, que liga o Bairro da Almina ao Porto, derrubando parte da muralha que aí existia. Seguem-se combates na zona da fonte da Almina. Zurara refere que “entre aqueles mouros andava um mouro grande e crespo todo nu, que não trazia outras armas senão pedras, mas aquelas que ele lançava da mão, não parecia que saíam senão dalgum trom ou colobreta, tão violentamente eram atiradas”. Após fazer grandes danos em alguns portugueses, acabou morto à lançada. Anulada a resistência, os mouros põem-se em fuga entrando no Arrabalde de Baixo, não tendo tempo de fechar a “porta de baixo”, que os portugueses ultrapassam. Vasco Fernandes de Ataíde atacou a “porta de cima”, de acesso ao Arrabalde de Zaklu, por onde entrou. As duas portas foram então britadas com machados. Zurara refere, que o infante seguiu por uma das ruas e Martim Afonso de Melo por outra. (ZURARA, [1450] 1915, p. 202-209)
Entretanto o infante D. Henrique terá conquistado uma colina coincidente com a zona Sul da actual Calle Molino, que, segundo Gozalbes Cravioto, era um antigo depósito de lixo. Seguidamente os portugueses saltaram o muro separando Zaklu do Arrabalde do Meio, que coincide com as ruas Alfáu, Cine Terraza e Ramón y Cajal, e um destacamento comandado por D. Duarte conquista uma outra colina a que chamam Cesto, actual Colina de San Simon. Rui de Sousa foi cercado junto a uma torre dessa muralha, num local que tomou o nome de Postigo de Rui de Sousa. (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 195-196)
Ao mesmo tempo que se iniciam os combates dentro da cidade, mais soldados vão desembarcando e reforçando o contingente em luta. Os soldados portugueses vão-se espalhando um pouco por toda a cidade e começa o desembarque a partir dos barcos da armada principal, ancorada frente a Ceuta, que se desloca para Santo Amaro, com destacamentos comandados pelo infante D. Pedro.
A penetração dos portugueses em Ceuta dá-se assim de Nascente para Poente, “em que os únicos imperativos táticos parecem ter sido, por um lado, a divisão em três colunas (julgo que para mitigar o congestionamento e cobrir os diversos arruamentos da urbe) e, por outro, a ocupação dos pontos altos, para ganharem vantagem no combate direto e para evitarem expor-se ao despejo, pelos muçulmanos, de projéteis de todo o tipo (setas, lanças, pedras, entre outros)” (MONTEIRO, 2017, p. 75). Gozalbes Cravioto refere a penetração em duas colunas, uma comandada pelo infante D. Pedro e a outra comandada pelo príncipe herdeiro D. Duarte e na qual se integrava o infante D. Henrique (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 192). Supomos que as três colunas que refere Gouveia Monteiro seriam as comandadas por D. Pedro, D. Duarte e por Martim Afonso de Melo ou D. Henrique.
A ocupação de Ceuta. Fonte Carlos Gozalbes Cravioto
Na fase final dos combates o Rei D. João I entrou pela “porta da cidade”. Antes de desembarcar, o Rei envia um homem para se inteirar da situação, e “este partindo rapidamente foi encontrar aberta a porta da cidade, e pôde ver que outra cousa se não tratava já senão do saque das habitações (…) dirigiu-se El-Rei para a cidade e estacionou à entrada da porta, por entender, em vista dos fardos de presa que iam sendo levados para os navios, que já nada mais restava a fazer” (PISANO, [1460] 1915, p. 44-45). Esta porta, esclarece Pisano mais adiante, era a porta que dá para o Abila, parecendo evidente ser a porta de entrada no Arrabalde de Baixo/Zaklu a partir da Almina: “Conservava-se El-Rei junto à porta da cidade que voltada a oriente dá para o Abila.” (PISANO, [1460] 1915, p. 48)
Entretanto D. Henrique segue pela Rua Direita, sendo travado na zona do Fosso da Almina, na entrada para a Medina. Os portugueses retrocedem até receber reforços, e depois avançam até ficarem à sombra dos muros de Castelo e nesse local tomam as portas que aí existiam, entre as quais a Porta da Couraça, do lado Sul. Na conquista da porta de ligação ao Arrabalde de Fora ou Vila de Fora ou Vila de Além, porta seccionada em três tramos entre os quais existiam aberturas superiores controladas pelos mouros, o Infante ficou retido com outros quatro homens por mais de duas horas até receber socorro de uma força comandada por Garcia Moniz. (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 197-201)
Quando a cidade foi considerada tomada, faltando apenas o assalto ao Castelo, as tropas espalham-se por toda a cidade, iniciando-se um saque generalizado casa a casa. O Castelo é ocupado ao fim do dia, mas sem combate, já que um soldado reparou que algumas aves se pousavam nos seus muros, o que significava que estaria vazio. Salá bem Salá e a sua corte tinham fugido durante a noite em direcção ao sertão. O Rei mandou então João Vaz de Almeida destruir as portas e colocar a bandeira na torre mais alta, mas um genovês e um biscaínho que estavam lá dentro gritaram que eles abririam as portas. (GOZALBES CRAVIOTO, 1993, p. 203)
António Borges Coelho contrapõe que o Castelo só foi ocupado no dia seguinte: “A 22 de Agosto, a hoste, comandada pelo cavaleiro mercador João Vaz de Almada, ocupou o castelo e nele hasteou a bandeira da cidade de Lisboa que ostentava a figura do mártir moçárabe São Vicente. Coube-lhe o melhor ‘roubo’, o do ouro e da prata que ficaram no castelo” (COELHO, 2011, p. 18). Ainda hoje a bandeira de Lisboa com o Escudo Nacional de Portugal é a bandeira da Cidade de Ceuta.
O Baluarte de Santo António, construído pelos portugueses nos meados do século XVI no local do antigo Castelo medieval
“Já passavam de sete horas e meia depois do meio dia, quando a cidade foi de todo livre dos mouros”. (ZURARA, [1450] 1915, p. 234)
Os 30.000 habitantes de Ceuta foram expulsos, cativos ou mortos. “Quando veio a noite, os invasores forçaram e mataram muitos habitantes nas suas casas para roubar. Não escapavam as mulheres nem os meninos” (COELHO, 2011, p. 18). Nesta altura os massacres generalizam-se e os soldados estão mais preocupados com as pilhagens e violações do que com a conquista em si. Lojas e habitações são assaltadas e pilhadas, lançando-se para as ruas mercadorias e bens destruídos.
Zurara descreve assim a situação: “Muitos que se acercaram primeiramente naquelas lojas dos mercadores que estavam na rua direita, assim como entraram pelas portas sem nenhuma temperança nem resguardo, davam com suas facas nos sacos das especiarias, e esfarrapavam-nos todos, de forma que tudo lançavam pelo chão. E bem era para haver dor do estrago, que ali foi feito naquele dia. Que as especiarias eram muitas de grosso valor. E as ruas não menos jaziam cheias delas, do que poderiam jazer de lixo nos dias das grandes festas, as quais depois que foram calcadas pelos pés da multidão das gentes que por cima delas passavam, e de si com o fervor do sol que era grande, davam depois de si muito grande odor.” (ZURARA, [1450] 1915, p. 234-235)
Oliveira Martins escreve a este propósito: “Despejavam as adegas e os armazéns, estragando tudo. As ruas ficavam atulhadas de móveis e tapeçarias, cobertas de canela e pimenta dos sacos empilhados que a soldadesca ia despedaçando às cutiladas, a ver se encontrava ouro ou prata, ou jóias, anéis, brincos, braceletes, e mais alfaias, como como tantas que se tinham encontrado já, arrancando-se muitas vezes com as própria orelhas e com os dedos das desgraçadas. A cobiça podia mais do que a luxúria; queriam ouro, não queriam mulheres: um vago respeito de bárbaros, ainda ingénuos, reprimia-os. E com a pimenta, com a canela, e com o arroz, formavam uma lama infecta o arrobe, o mel, o azeite, e as gorduras que escorriam pelas calçadas, das talhas e dos cântaros golejando partidos.” (MARTINS, [1891] 1983, p. 51)
Santa Maria de África, primeira igreja construída em Ceuta
A riqueza de Ceuta estava patente nos seus edifícios, cujas características provocaram a admiração dos portugueses e das tropas mercenárias, e levaram a que o saque fosse generalizado e minucioso. Os habitantes são expulsos das suas casas, que são ocupadas pelos portugueses. Os soldados cavam os pavimentos das habitações em busca de valores escondidos ou descem aos poços para tentar encontrar outras riquezas.
“Os besteiros, aldeões broncos trazidos das montanhas de Trás-os-Montes e da Beira, ignoravam até o valor das coisas que destruíam, com a violência dura de serranos semi-bárbaros, saíam das suas choças de colmo, ou das grutas de trogloditas, abertas no granito entre duas lajes, e achavam-se vencedores e amos nos palácios de um luxo requintado, pisando os pavimentos de tijolos vidrados a cores, sob os tectos de pau de cedro apainelados, debruçando-se nos balcões de mármore arrendado, mirando-se no espelho polido do alabastro das bacias e tanques dos pátios ajardinados, rebolando-se como onagros nos colchões fofos de penas entre lençóis de linho, branco de neve e fino como seda.” (MARTINS, [1891] 1983, p. 51)
A pilhagem prosseguiu durante dias. “Os mortos da cidade jaziam no terreno, ali onde caíram, empapados no próprio sangue. Os que vestiam roupas melhores estavam nus. Para afastar o espectáculo e o perigo, da peste, lançaram-nos ao mar.” (COELHO, 2011, p. 19)
“Da mesquita maior retiraram as esteiras velhas sobre as quais os crentes rezavam as suas orações; limparam as paredes com água e sal, tirada de uma caldeira de prata; armaram uma tábua larga com os seus pés e improvisaram o altar. A mesquita maior virava sé catedral” (COELHO, 2011, p. 19). Nesse local foram armados cavaleiros D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique.
A Frente de Terra de Ceuta
“A mourama fugira chorando, sumira-se na espessura dos arvoredos dos arrabaldes da sua cidade perdida. E durante essa noite, em volta de Ceuta, ouvia-se um coro de povo escondido, em ais e doridas perguntas pelas mães e pelos filhos. Dir-se-ia que as moitas dos jardins e o arvoredo das hortas falavam, que gemiam na tristeza da noite, e que eram lágrimas as folhas pendentes balouçadas pelo vento mansamente.” (MARTINS, [1891] 1983, p. 51)
Junto à Porta de Fez, concentram-se uns milhares de pessoas que não arredam pé, chorando os seus familiares mortos que se amontoam nas praças da cidade. Durante os primeiros dias que se seguiram à ocupação, permanecem junto dos muros, dando luta permanente aos portugueses, que faziam surtidas esporádicas sem se afastarem em demasia. A zona era densamente arborizada e as ciladas eram uma constante. Muitas árvores foram então derrubadas, valados destruídos e mato queimado, com o objectivo de se criar uma zona de segurança com pelo menos uma légua de extensão, com boa visibilidade e sem condições para que os mouros se escondessem. Ao fim de vinte dias a multidão começou a afastar-se, refugiando-se nas quintas e hortas circundantes. Zurara comenta assim o sucedido:
“Depois que foram afastados da sombra dos muros da Cidade, começaram a se apartar por entre as espessuras dos arvoredos de suas Hortas, e Pomares, e não havia aí tal, que logo à primeira chegada pudesse ter segurança por muito escuso, que o lugar fosse; assim vinham amedrontados da grande mortandade, que viram fazer em seus Pais, filhos, e parentes, e naturais, que o som que o vento fazia nas arvores lhes gerava temor; mas depois que a noite começou de vir cobraram eles já quanto quer de maior atrevimento: e assim começaram a sair daqueles matos, cada um por sua parte, e chamar-se uns aos outros pelos seus próprios nomes, as mães chamavam os filhos, os maridos as mulheres, e aqueles que se acertavam de se acharem, cobravam algum pequeno remédio para seu conforto, ainda que lhes muito não pudesse durar; porque a lembrança da sua perda geral não se podia esquecer, por outra nenhuma coisa de melhoria por grande que fosse, e sobretudo porque não havia aí nenhum, que não tivesse que chorar, porque a alguns faleceram filhos, e a outros mulheres, e a outros parentes, e amigos; e porventura que tais aí havia a que faleceram todos, e assim começaram de fazer seu pranto muito dorido, chorando sua perdição (…) Muitos eram os que se iam para as Herdades, e Quintas (…) outros aí havia que se lançavam a chorar pelos cômaros dos valados de suas Hortas, em fim daquele triste pensamento (…) A outros sobrevinha tamanha bravura (…) Ora pois, diziam eles, porque quebrantaremos nós, o que com tanto trabalho ganhamos; pode ser, que Deus obrará em nós com sua misericórdia, e tornar-nos-á posse de nossa Cidade, a qual ainda que al não fosse, é tão longe do Reino de Portugal, que estes Cristãos a não poderão largamente manter.” (ZURARA, [1463] 2015, p. [248-252] 44-48)
Uma atalaia na Serra da Ximeira
No seguimento da tomada de Ceuta, D. Pedro de Meneses é nomeado governador. O exército e a armada retiram 11 dias após a conquista, deixando no local uma guarnição de 2.500 homens.
O conde D. Pedro de Menezes manda então construir várias atalaias, como a Atalaia da Porta de Fez e a Atalaia de Cima, torres edificadas em outeiros vizinhos, onde são colocadas as escutas, que vigiavam os movimentos do inimigo e alertavam para qualquer perigo. As atalaias davam também cobertura aos habitantes que saíam pelas portas em busca de lenha e frutas. “Entre as coisas que o Conde ordenou para guardar a Cidade assim foram as Atalaias, as quais foram postas logo primeiramente sobre Barbaçote num outeiro, que aí está” (ZURARA, [1463] 2015, p. [263] 59).
Foram trazidos cavalos para Ceuta, já que os que tinham ficado após a tomada da cidade eram em número muito reduzido, aumentando assim o raio de acção dos portugueses e a eficácia dos seus ataques, criando-se uma força de batedores e de incursões aÁs áreas exteriores, os Almogávares, designação que tem origem no Árabe, Al-Maghauir ou Os Bravos. A construção das atalaias e a chegada dos cavalos empurrou ainda mais os mouros para fora dos limites da cidade. Foram ocupar as encostas das Serras da Ximeira e da Gomeira e concentraram-se em aldeias e vales, como são exemplo os vales de Laranjo, Bulhões, Barbeche, Castelejo ou Negrão, onde se defendiam mais eficazmente das surtidas dos portugueses, ou os lugares de Romal, Albegal, Almarça, Água do Ramel, ou Alvergal. (ZURARA, [1463] 2015, p. [277, 282, 288, 291, 315, 327, 369, 411] 73, 78, 84, 87, 111, 123, 165, 207)
Basicamente a situação de isolamento das Praças Portuguesas correspondia em teoria a um território envolvente despovoado, já que a acção das incursões de contra-guerrilha realizadas pelos almogávares afastavam as aldeias anteriormente existentes, criando uma espécie de terra de ninguém. Este território era na prática um território disputado, já que tinha para os portugueses uma importância fundamental para a sua segurança e logística, e para os marroquinos enquanto zona de pressão sobre a vida diária da Praça, onde podiam causar grandes danos com recurso a forças de reduzida dimensão. “As praças, criaram em poucos anos, uma extensa zona despovoada ao seu redor, devido às contínuas razias e cavalgadas portuguesas, tão frequentes em todas as fronteiras medievais. O próprio cronista dos primeiros anos da Ceuta portuguesa, Gomes Eanes de Zurara, nos diz que toda a costa do Estreito, até chegar a Almarça (uns 13 Km a Oeste de Ceuta), ficou despovoada” (GOZALBES CRAVIOTO, 1980, p. 150-151).
O Forte de Aranguren, uma das atalaias de Ceuta construídas já no século XIX pelos espanhóis
Um facto que ressalta de toda esta narrativa é a facilidade com que a conquista de Ceuta se processa, tendo em conta as suas fortificações e meios humanos para a defender. A própria estratégia para a sua conquista, previa um cerco demorado e a utilização de material militar de assalto às muralhas como engenhos de guerra, torres de assalto, castelos de madeira e escadas que não chega sequer a ser utilizado. Houve com certeza muita falta de preparação e apoio do lado marroquino e erros tácticos, como as surtidas para as praias desguarnecendo as muralhas, que precipitaram os acontecimentos e criaram um clima de desordem e caos.
Salá ben Salá foi posteriormente nomeado governador de Tânger e soube aí corrigir os erros cometidos em Ceuta, resistindo a três ataques portugueses, num dos quais, em 1437, desbaratou completamente o exército português e fez diversos cativos, entre os quais o infante D. Fernando, deixando partir o infante D. Henrique com a promessa que este entregaria Ceuta.
Ceuta que após a restauração de 1640 não aclama o Rei de Portugal e acaba por ver o domínio espanhol reconhecido no ano de 1668 no âmbito do Tratado de Lisboa.
A conquista portuguesa de Ceuta. Painel de azulejos da Estação de S. Bento no Porto
O infante D. Henrique é uma espécie de herói da fita da crónica de Zurara, ao ponto de desvalorizar a própria imagem do Rei D. João I, dos seus irmãos e do exército português, independentemente da sua quota parte do mérito que certamente lhe coube na empresa. Zurara constrói um perfil ideal para D. Henrique, que surge na crónica como um cavaleiro ao serviço da fé e da pátria, movido por valores e ideais cruzadísticos.
Toda a narrativa de Zurara é obcecadamente centrada no elogio do infante, nas suas qualidades e valentia, mas nada disto é por acaso. O domínio de Henrique sobre Zurara explica-se facilmente por dois factos. Á data da escrita da crónica, 1450, Henrique era o último sobrevivente dos acontecimentos de Ceuta, não existindo ninguém para contestar o seu conteúdo, e Zurara fora contratado pelo próprio Henrique, que inclusivamente participou na elaboração do texto:
“Como se pode averiguar, Zurara foi feito cavaleiro e comendador da Ordem de Cristo pelo seu governador, o Infante D. Henrique. O que levou à conclusão de que esses dois personagens tinham relações em comum, na qual o cronista foi favorecido com um cargo importante dentro de uma ordem militar religiosa, enquanto D. Henrique ganhou papel de destaque em um dos escritos mais importantes do período, o que lhe aumentou seu prestígio como cavaleiro cristão português (…) no último parágrafo da página 43, (Zurara) afirmou que o Infante D. Henrique colaborou com ele ao relatar suas memórias.” (BERTOLI, 2007, p. 96-97)
Estátua do Infante D. Henrique em Ceuta
D. Henrique foi de facto o grande vencedor com a conquista de Ceuta. Os poderes que recebeu na altura deram-lhe uma enorme força militar e “amplos rendimentos em moeda e em género”. (MARQUES, 1973, p. 207)
“Com a decisão de manter Ceuta como domínio luso, em 1416 D. Henrique recebeu os cargos de vedor e superintendente dos negócios de Ceuta e da defesa marítima da costa algarvia contra a pirataria berbere, e para provê-lo dos recursos necessários para tal feito, D. João I, com anuência do papado, nomeou o Infante D. Henrique governador e regedor da Ordem de Cristo no ano de 1418.” (BERTOLI, 2007, p. 96)
Oliveira Marques aborda o percurso de Henrique a partir da conquista de Ceuta e o enorme império económico que construiu. “As viagens de descobrimento, se podem ter interessado o infante D. Henrique (…) foram não obstante encaradas, antes de mais nada, como uma maneira de aumentar património e receitas, constantemente em maré baixa devido aos seus empreendimentos políticos e militares e à sua casa opulenta. (…) Tem interesse notar que muitos desses esforços se relacionaram com a pesca e actividades marítimas, incluindo a pirataria e a guerra do corso.” (MARQUES, 1973, p. 208)
Como escreveu Oliveira Marques, “Parece estar bem estabelecido que, de todas as viagens que conhecemos, realizadas entre 1415 e 1460 (data da morte do Infante), só cerca de um terço foram devidas a iniciativas suas. Os outros dois terços deveram-se ao rei (D. João I, D. Duarte, D. Afonso V), ao regente D. Pedro, aos senhores feudais, aos mercadores e terratenentes vilãos, etc. (…) Este facto, sem obliterar o papel desempenhado pelo infante D. Henrique, reduz consideravelmente a sua chefia a uma dimensão mais humana e mais medieval.” (MARQUES, 1973, p. 209)
A Mulher Morta
David Lopes coloca em causa o próprio poder económico de Ceuta, mas refere o seguinte: “Supondo que Ceuta era, na verdade, grande empório comercial, o que não cremos, como se viu, a sua conquista fez parar – era de prever, porque a cidade passou a viver confinada nos seus muros – a corrente que levava a ela as mercadorias do Oriente e a que as escoava; quando muito continuaria a ser o porto de trânsito da navegação que se fazia entre os dois mares, trânsito que se faria agora com mais segurança e com menos extorsões, se se quiser. Ceuta nas mãos dos portugueses estancou, pois, as suas fontes de riqueza, como de todas as praças que depois tomámos, pelo estado de guerra permanente em que elas viviam.” (LOPES, [1937] 1989, p. 9-10)
“A conquista de Ceuta envolveu também, desde logo, um projecto mais largo, o de criar um Portugal Além-Mar em África, ao menos o domínio de outras praças marítimas e ainda o assentamento nas ilhas descobertas e a descobrir. Esse projecto nascia da necessidade de firmar um pé fora, no esforço de segurar a independência política e de acalmar o ‘medo de Castela’. E da necessidade de dar ‘emprego’ aos jovens candidatos a fidalgos. (…) Com os seus navios e corsários, Ceuta controlou nos séculos XV e XVI a navegação que velejava pelo Estreito de Gibraltar. Tornou-se escola de milícia e modelo de arquitectura militar. Nos séculos XVI e XVII, responderá ao corso que flagelava as armadas portuguesas e espanholas que regressavam do Oriente, do Brasil, da costa africana e das Américas.” (COELHO, 2011, p. 31)
Pingback: O que foi a conquista de Ceuta? Quem dela participou e por quê?
Mais uma vez agradeço a transmissão tão pormenorizada da Conquista de Ceuta.
Gostava de saber mais pormenores sobre a “NOSA SEÑORA Do VALE” que D.João l depositou na mesquita que entretanto se tornou igreja,e ficou como padroeira de Ceuta.Obrigado pelos possíveis esclarecimentos.
Caro Manuel Pinho
Não sei se este artigo poderá responder a algumas das questões que quer esclarecidas:
http://www.elpueblodeceuta.es/201508218203.htm
Cumprimentos
eu pelo contrario acho que este artigo conseguiu responder a todas as minhas perguntas e excelente, se me perguntassem como classeficaria este site, de um até 10 eu o ia classifica-lo por infinitos pontos. Agradeço á pessoa que escreveu este documento.
Juliana
Não consigo abrir o artigo
Obrigado
Leitora deste seu blogue, deixo-lhe os parabéns pela qualidade e um desafio: descobrir o rasto dos livros e das bibliotecas que se diz existirem em Ceuta aquando da conquista pelos portugueses, uma curiosidade minha. Um abraço.
Obrigado pelo seu comentário. Num mail que recebi, um amigo, arqueólogo do Ayuntamiento de Ceuta e membro do Instituto de Estudios Ceutíes, Fernando Villada, dizia que “respecto a los libros y su paradero no se tiene noticias de ellos. Imagino que una parte se perdería en la toma de la ciudad y se me hace difícil pensar que la población musulmana de Ceuta los llevara con ellos”. Esta posição confirma a referência na obra de Luís Miguel Duarte, de que me falou, citando Djennabi e Ibn Hadjar afirmando que “…os muçulmanos saíram da cidade, levando as suas famílias e transportando os seus bens, incluindo os livros de ciência, dos quais havia uma enorme quantidade”. Não parece haver dúvidas de que os livros que eventualmente ficaram para trás seriam destruídos pelos saqueadores portugueses, que levaram a cabo uma destruição gratuita de tudo o que encontraram na cidade, inclusivamente vindo a lamentar-se de terem destruído os próprios alimentos que existiam nas lojas e acabando por não ficar sem nada para comer…
Convém também ter presente que Ceuta foi conquistada um só dia e que todos os seus habitantes foram mortos ou expulsos, não sendo provável que aqueles que conseguiram abandonar a cidade pudessem transportar consigo livros
Segundo o testemunho de Carlos Gozalbes Cravioto, em correspondência pessoal trocada comigo, “por desgracia no queda absolutamente nada de las muchas bibliotecas existentes en la ciudad, ni de los archivos de las instituciones. Al Ansari que fue un vecino de Ceuta (en el exilio tras su conquista por los portugueses), hace una descripción detalladísima de la ciudad medieval y de ello si ha quedado constancia. Es mas que probable que las bibliotecas y los libros, cayeron en las hogueras en los primeros dias.”
Este testemunho confirma as destruições gratuitas levadas a cabo pelos portugueses, que não pouparam nada que não tivesse algum valor comercial…
Sobre a Conquista de Ceuta transcrevo correspondência sobre o tema:
Manuel, me llamo Fernando De la Vega.
Buscando información sobre Nuestra Señora del Valle he leído su correo.
Soy de Ceuta, y pertenezco a la Parroquia de Nuestra Señora del Valle. La imagen de la Virgen que está en nuestra Iglesia es la que trajo a Ceuta el Rey Don Juan I de Portugal, cuando vino a conquistarla, el 21 de agosto de 1415.
Le comento algunos datos históricos por si pudiera interesarle.
La Iglesia de Nuestra Señora del Valle forma parte del patrimonio histórico de Ceuta. Fue desde su fundación, tras la conquista de la Ciudad por las tropas de D. Juan I de Portugal, una simple ermita, como corresponde a un pequeño templo a las afueras de poblado. Siguiendo la antigua costumbre de convertir las mezquitas en iglesias –lo que al contrario también hacían los musulmanes– este cenobio se fundó sobre una pequeña mezquita a la entrada de la puerta de la Ciudad por el Valle. Un acceso que continúa marcando la torre Almansuria o más modernamente denominada del Heliógrafo.
Una lectura de la Crónica da tomada de Ceuta la fuente madre para la conquista de la Ciudad deja claro que cuando los portugueses se posesionaron de ella mandaron purificar la Mezquita Aljama para decir Misa en ella y en aquel lugar hizo caballeros D. Juan I a sus hijos los infantes. La Mezquita Mayor corresponde con el templo que luego fue Catedral y que sería demolido a finales del siglo XVI para levantar la actual. Lo que deja fuera, a pesar de las leyendas, a la Iglesia del Valle.
La tradición de que fuese en ella donde se dijo la primera Misa y se armó caballeros a los infantes es muy posterior, nacida de viejas historias escritas por clérigos españoles y fue cabalmente desmontada por el también sacerdote y canónigo de la Santa Iglesia Catedral de Ceuta Salvador Ros Calaf. Sin embargo, la misma arraigó en la memoria de los ceutíes y forma parte del acervo antropológico local.
La Virgen del Valle es una imagen románica, de piedra, que algunos dicen procedía de un aerolito, y que traía en su embarcación Juan I y dejándola en la Ciudad a su marcha, en principio en la Catedral. Así lo autentifica el Capellán de la Emperatriz Leonor en 1456, Nicolás de Walkenstein cuando escribe que allí la vio y que se daban medallas con su efigie a los peregrinos. Pero la Catedral se puso bajo otra advocación: La Asunción, y la imagen pasó a la Ermita del Valle, donde la encontramos ya en 1581, como autentifican las Actas Capitulares de ese año, cuando hablan de la visita que el Cabildo hacía en la ermita desde muchos años atrás.
Durante el siglo XVII aumenta su devoción y posiblemente sea entonces cuando comience a crearse la leyenda. Una historia que tiene, como casi todas, un germen documental. Se halla éste en el hecho de que cuando el Rey entró en la Ciudad, herido en una pierna como venía, se quedó en una mezquita a descansar hasta que le avisaron que la población había caído en sus manos y que podía entrar sin peligro. Aquel refugio provisional sería el edificio que hoy suplanta la Iglesia del Valle.
El actual edificio puede ser de la segunda mitad del siglo XVII –en 1677 intentaron fundar en ella los franciscanos su convento, cambiando la ermita por la de la Santa Cruz poco después, siendo el origen del convento del que hoy permanece la Iglesia de la Santa Cruz, vulgo de San Francisco– pero muy transformada durante el siglo XVIII, centuria en la que tuvo diferentes usos. Desde albergar al Cabildo Catedralicio al quedar arruinada la Catedral y no tener otro templo al abrigo de la artillería enemiga, a lazareto durante la epidemia de 1743-44 o almacén de pólvora entre 1772 y 1778.
Fue también en ese siglo en el que se concedieron diferentes indulgencias al templo y ocurrieron varios milagros, siendo los dos más conocidos la curación de la sordera de una mujer y la milagrosa salvación de una niña a la que le cayó en la cabeza el badajo de una campana sin que le ocurriese nada, sucesos ambos que acontecieron al volver la imagen a su templo, en 1778. Incluso, el Obispo Felipe Antonio Solano atribuye a castigo divino la muerte de su predecesor, Manuel Fernández de Torres, un año después de consentir la ocupación de la ermita por la artillería.
Le mando algunas fotografías de la Virgen del Valle a lo largo del tiempo. La última es el aspecto actual, después de su restauración porque se encontraba muy deteriorada.
En este año 2015 estamos celebrando, con diversos actos religiosos y culturales, el VI Centenario de la Llegada de la Imagen de Nuestra Señora del Valle a Ceuta.
Espero que le haya podido ayudar.
Agradeço os seus comentários,
Obrigado
Caro amigo
Muito obrigado pelo seu comentário. O tema da arquitectura religiosa de Ceuta é um assunto que irei abordar e que merece por si só um artigo. Visitei em Ceuta a Catedral, a Igreja de Nossa Senhora de África e a Ermida de S. João, mas infelizmente não estive na Igreja de Nossa Senhora do Vale. E depreendo pelo seu contributo a importância desse edifício (ou não seria um dos imóveis que será visitado no próximo Congresso Ceuta 2015 do próximo mês de Outubro). As informações que fornece no seu comentário são de grande valor. Infelizmente não tenho à data grande comentário a fazer, por ignorância minha, situação que espero alterar com um estudo sobre esse património.
Um abraço
Caro amigo
Aguardo com muito interesse o seu estudo deste tema.
Um abraço e ao dispor
Manuel Pinho
Caro Amigo
Muitos parabéns pelo seu blog, que só recentemente descobri. Vou publicar ainda antes do fim do mês um livro sobre a conquista de Ceuta, nos Livros Horizonte, e descobri gravuras muitíssimo boas que desconhecia. Gostava de saber como entrar em contacto consigo por mail.
Cordialmente,
Luís Miguel Duarte
(Fac. Letras do Porto)
Obrigado. Já o contactei via mail
O jornal El Mundo , 20.03.15, publicou uma interessante matéria, afirmando que a Globalização começou em Ceuta. A autoria do artigo é de Mª ÁNGELES FERNÁNDEZ
JAIRO MARCOS Lisboa. Os articulistas começam por escrever que há seis séculos os portugueses chegaram a Ceuta e o mundo mudou! Leiam a matéria e comentem com os amigos : ANIVERSARIO Conquista portuguesa
La globalización comenzó en Ceuta no http://www.elmundo.es/la-aventura-de-la-historia/2015/03/20/5501c81a22601df4018b4573.html?cid=SMBOSO25301&s_kw=facebookmatéria no http://www.elmundo.es/la-aventura-de-la-historia/2015/03/20/5501c81a22601df4018b4573.html?cid=SMBOSO25301&s_kw=facebook
Pingback: Histórias de Portugal e Marrocos- A Guerra de Arzila | AICL