A abóbada de nervuras da Capela-mor da Catedral de Safim
Safim era no início do século XVI a principal praça portuguesa do Sul de Marrocos. Importante centro de comércio e porto de exportação dos produtos transportados pelas cáfilas que faziam escala em Marraquexe e dos cereais e gado da Duquela, adquiriu entre os anos de 1510 e 1516, correspondentes à capitania de Nuno Fernandes de Ataíde, um papel extremamente importante no plano político-estratégico das ambições de D. Manuel para a criação de um Marrocos português, ilusão alimentada por alguns partidários dessa utopia como Diogo de Azambuja, que o tempo se encarregaria de contrariar.
À importância económica, política e estratégica de Safim deveria corresponder uma importância simbólica no contexto religioso, acolhendo uma das três dioceses portuguesas em Marrocos, a única no chamado Marrocos Amarelo.
A construção de uma Catedral na cidade foi um desígnio dessa política, tendo a sua edificação ocorrido no ano de 1519.
Esfera armilar na fachada do Castelo do Mar de Safim
A importância de Safim como principal porto de Marraquexe é referida por autores como Al-Idrisi e Leão o Africano.
Al-Idrisi descreve Safi no século XII como um porto “onde se vêm edifícios muito povoados por berberes Rejraja, Zawda e outros. Os navios transportam carregamentos quando é possível navegar e o oceano Tenebroso está calmo.” (AL-IDRISI, [1154] 1999, p. 148)
Leão o Africano transcreve o seguinte texto do Bispo de Silves Jerónimo Osório da Fonseca, publicado em 1571:
“Existe uma cidade na Barbária chamada Safim, situada para além do estreito de Gibraltar em direcção ao Sul, e que está na costa do Oceano Atlântico. É bastante grande, rica e comercial. A região é fértil, abundante em frutos e em gado.” (LÉON L’AFRICAIN, [1530] 1896, Vol. I, p. 350)
A chegada dos portugueses a Safim processa-se por via de um pedido de vassalagem feito pelas autoridades locais à Coroa Portuguesa em 1471, no seguimento da conquista de Arzila, conquista que, segundo David Lopes, “encheu de pavor Marrocos, de norte a sul.” (LOPES, [1937] 1989, p. 26)
Interior do castelo do mar de Safim
Os termos do acordo são descritos por David Lopes, que refere que num período inicial é pedida pelo alcaide da cidade a vassalagem e estabelecida uma feitoria na cidade, situação confirmada num diploma datado de 1488. “Por esse documento, o dito alcaide reconhecia e rei de Portugal como seu senhor, por si e por seus concidadãos, presentes e futuros, e prometia pagar de tributo, em Setembro de cada ano, 300 meticais de ouro, ou o seu valor em mercadorias, e dois cavalos bons; também dava casa forte e segura, ou lugar para isso, que servisse de residência aos feitores portugueses e de armazém às suas mercadorias; e, por fim, recebia a bandeira real e um atabaque, que o rei de Portugal lhe entregava, para simbolizar essa suserania. Por sua parte, o alcaide e os moradores da cidade, e do seu termo circulariam livremente por todos os domínios portugueses daquém e dalém mar e poderiam aí negociar, como os outros seus naturais e vassalos”. (LOPES, [1937] 1989, p. 30)
Mas a presença da Feitoria portuguesa na cidade não era consensual e acicatava as lutas entre facções internas dos moradores, que os próprios portugueses alimentavam. Progressivamente vão-se realizando obras no edifício, aumentando a sua área e fortificando-o, preparando-o para uma utilização militar.
“Até ao ano de 1507, um esforço astucioso e continuado de fomento à intriga e rivalidade internas, articulado com um plano secreto de colocação da feitoria em estado de defesa e sustentado por um apoio naval de grande envergadura, tornaria irreversível a tomada portuguesa de Safim”. (CORREIA, 2008, p. 263)
Gravura de Safim em 1572, in Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, Biblioteca Nacional de Portugal. A gravura representa a cidade antes da construção dos muros de atalho e, segundo Jorge Correia, a Feitoria será um dos edifícios representados com telhado de cor azul
A Feitoria vai assim preparando terreno à conquista da cidade, transformando-se progressivamente de estrutura comercial em estrutura militar, culminando em 1508 com um golpe que colocaria no poder aquele que seria o grande aliado de Portugal na região e garante da fidelidade dos mouros de pazes da Duquela à Coroa portuguesa _ o alcaide Yahya Bentafuft.
Entre 1510 e 1516 Safim era o centro de uma vastíssima área de mouros de pazes, conhecida como Protectorado da Duquela. A importância do Protectorado da Duquela era enorme. Permitiu “pacificar” momentaneamente as tribos mais aguerridas da Região da Doukkala-Abda e Suss, como os Abda, Chiadma, Regraga e Haha, e garantir, não só a viabilidade económica das praças do Sul, como o desenvolvimento de um proveitoso comércio e do pagamento de tributos em larga escala. “Por uma declaração de Nuno Gato, em Maio de 1512, relativa aos direitos que pagavam na alfândega de Safim determinadas mercadorias que entravam na cidade, se vê o comércio que aí se fazia de produtos da região. Eis a enumeração de alguns: peles de cabra, couros de vaca, cera, lã, anil marroquim, alquicés, pescado, mel, manteiga, boi ou vaca, carneiro, tasconte, cardão, haiques.” (LOPES, [1937] 1989, p. 55)
Os tributos eram pagos sobretudo em trigo, cevada, milho, cavalos, burros, camelos, carneiros e têxteis. “Os tributos em trigo que a Duquela, Abda, Xiátima e outras tribos pagavam eram mais de 7.000 cargas de camelo”. (LOPES, [1937] 1989, p. 61)
O Protectorado da Duquela
Rafael Moreira, referindo-se à decisão de construção do Castelo de S. Jorge de Mazagão em 1514, salienta que a importância estratégica e económica da Duquela assim o justificava, pelos grandes proveitos que a sua actividade comercial rendiam a Portugal no próprio quadro da expansão portuguesa, “como lanifícios grosseiros e muito coloridos, as mantas listradas (lambéis) e capotes de capuz (albornozes) que se trocavam a alguns dias de navegação para sul, entre os negros da foz do Senegal, pelo ouro sudanês, com inacreditáveis lucros. A esse negócio juntava-se um papel estratégico-comercial de primeira ordem, a provisão de víveres e géneros essenciais ao abastecimento regular das armadas que cruzavam os mares sob a bandeira da Coroa portuguesa (…) os cereais abundantes da Duquela; a venda de cavalos adestrados para a guerra; produtos de pecuária das tribos nómadas vizinhas; o peixe seco e salgado para as longas travessias”. (MOREIRA, 2001, p. 31)
Uma rua na Medina de Safim
Safim portuguesa tinha uma particularidade relativamente às outras praças de Marrocos, que era a de conservar uma forte comunidade local, pré-existente à ocupação portuguesa. De facto, Ceuta, Arzila e Alcácer Ceguer vêm a sua população expulsa no seguimento da sua conquista, Tânger e Azamor são abandonadas pelos seus habitantes nas vésperas de serem tomadas e as cidadelas de Santa Cruz e Mazagão são construídas de raiz. Apenas Safim conserva a sua população, o que lhe confere duas características próprias _ o tecido económico e social não é destruído, mantendo-se uma cidade económica e socialmente viva, mas a sua gestão é bastante complexa, obrigando a manter no seu poder um alcaide local com a difícil missão de assegurar um equilíbrio entre os direitos da população autóctone com o seu papel de cidade ocupada por uma potência estrangeira.
Aliás, a construção dos muros de atalho em Safim não se destina a reduzir a área edificada da cidade, mas a anular duas zonas vazias de construções, para permitir uma defesa mais eficaz, diminuindo a frente de terra. Se bem que a área total muralhada tenha sido reduzida para metade, é visível na gravura Braun e Hogenberg que isso se processou à custa da eliminação de dois grandes vazios que existiam anteriormente.
O estado de ruína da Couraça do Castelo do Mar
A questão do sentido de pertença e de identificação com o legado cultural é referida num trabalho de Ana Neno, no qual a autora refere que, ao promover uma conferência na Escola Nacional de Arquitectura de Marraquexe sobre Safi, preparando uma visita de estudo de alunos a essa cidade, verificou que “Safi era uma cidade desconhecida e tinha uma conotação muito negativa”. (NENO, 2015, p. 214)
A conferência, a cargo do historiador Hamid Tikri, revelou que de facto Safi era uma cidade que “historicamente tem sido negligenciada ao ponto de ser excluída do actual panorama histórico Marroquino” (NENO, 2015, p. 214), na sua opinião por diversos motivos, seja por uma reivindicação do seu passado histórico por vários grupos, seja inclusivamente pela oposição que a cidade manifestou à industrialização levada a cabo no tempo do Rei Hassan II. Esta situação levou a um distanciamento entre o próprio Estado e as políticas locais e de preservação do património construído.
Se é verdade que, de uma forma geral, o património edificado foi uma arma do colonialismo francês para subestimar a capacidade e gestão do seu território pelos marroquinos, também é verdade que actualmente a noção de património comum e da integração desse património na identidade cultural de Marrocos é uma realidade “e tem sido utilizada no discurso de comunidades para validar a ideia de antiguidade e multiculturalismo”. (NENO, 2015, p. 217)
Porquê então esta segregação de Safi, se o património colonial se encontra espalhado um pouco por todo o território? Não poderá ter também origem no facto de a população de Safi ter coexistido com o ocupante português, assistindo à demolição das suas mesquitas e à construção das igrejas?
O Borj Nador, atalaia portuguesa da Praça de Safim, construída em 1510 na falésia de Sidi Bouzid
Portugal instituiu três dioceses em Marrocos. A de Ceuta, em 1417 por bula do Papa Martinho V, a de Tânger, em 1468 por bula do Papa Paulo II e a de Safim. Sobre esta última, Jorge Correia refere que “durante a suserania portuguesa sobre a cidade, foi designada a constituição do distrito e diocese de Safim, composto por Azamor, Almedina, Tite, Mazagão e todos os lugares adjacentes através de bula ‘In apostolice dignitatis, de 1499.” (CORREIA, 2008, p. 285)
A instituição da diocese de Safim, que segundo Pierre de Cénival já no ano de 1499 tinha como bispo Dom João Aranha (CÉNIVAL, 1929, p. 13), tem como resultado a construção de dois importantes edifícios religiosos _ a Catedral de Safim, situada na Passage El Bouiba, e o Convento e Igreja de Santa Catarina, situados no Impasse Abdelkrim, para além de uma outra igreja referida por Joseph Goulven, situada na Rue des Marchés.
Mas mesmo antes da construção desses imóveis, sabemos que existia uma capela no edifício da Feitoria, já que “o feitor Nuno de Freitas, em funções de 1498 a 1500, reconhece no dia em que faz a sua contabilidade, abandonando as suas funções, que recebeu um retábulo pintado com figuras, uma toalha de altar de França, pintado com figuras, e ornamentos, um de chamalote negro, outro de cetim azul aveludado.” (CÉNIVAL, 1929, p. 14)
Localização da Feitoria e das igrejas de Safim. Fonte Jorge Correia
A apropriação das mesquitas da cidade e sua conversão em igrejas, procedimento comum na prática da ocupação das cidades de Marrocos pelos portugueses, começa em Safim ainda no tempo da instalação da Feitoria, precisamente no ano seguinte ao da celebração do acordo de vassalagem com as autoridades locais. De acordo com Pierre de Cénival, os moradores de Safim escrevem ao Rei D. Manuel uma carta, datada de 2 de Julho de 1509, queixando-se que os portugueses se tinham apropriado das mesquitas e minaretes da cidade. “Que tinham destruído parcialmente e conspurcado a grande mesquita, roubado as esteiras e confiscado os seus bens. Sem dúvida que uma igreja teria sido instalada numa dessas mesquitas, já que antes da construção do edifício actual já existia uma catedral em Safim.” (CÉNIVAL, 1929, p. 14)
Aliás, o período inicial da ocupação de Safim é marcado pelo mau relacionamento entre os portugueses e a comunidade local, em grande parte devido ao mau carácter de Diogo de Azambuja, como nos conta David Lopes:
“Azambuja não foi muito tempo capitão de Safim. A sua muita idade e queixas fundadas dos moradores levam o governo de Lisboa a chamá-lo à corte e substituí-lo nessa capitania e nas outras que tinha. Os moradores, em cartas ao soberano, lembraram muitas violências que ele cometia ou cometera no exercício do seu cargo. Possuímos uma delas em árabe, de 2 de Julho de 1509, segundo cremos, que é um libelo acusatório. Sucedeu-lhe interinamente, antes deste ano, Pedro de Azevedo, que os moradores de Safim na mesma data louvam pela sua moderação e justiça. No ano seguinte, de 1510, pois, foi nomeado para o cargo Nuno Fernandes de Ataíde, mas a sua nomeação definitiva é só de Julho de 1513, depois de grandes serviços prestados por ele, por isso como prémio deles.” (LOPES, [1937] 1989, p. 31)
Segundo Damião de Góis, o adaíl Lopo Barriga, por volta de 1514 ou 1515, no seguimento de uma vitória contra tribos da região, tinha sido recebido com grande pompa e circunstância nessa tal igreja, “para dar graças a Deus pelo favor que tinha feito a todos”. (CÉNIVAL, 1929, p. 14)
No entanto, de acordo com a vária correspondência trocada com o Rei, as autoridades de Safim insistiam na necessidade de construção de um novo templo.
O Baluarte da Alcáçova no Castelo do Alto de Safim
O Convento Franciscano de Santa Catarina terá sido construído antes da Catedral, estando a obra “já principiada em 1514, assim que a cidade se atalhara e reparara com fortes muralhas (…) pode especular-se com a passagem dos pedreiros do estaleiro do convento para o da catedral, uma vez que as duas empreitadas foram consecutivas, apesar de o refinamento decorativo ser superior na igreja principal da diocese. Os vestígios de Santa Catarina revelam uma capela-mor de dois tramos, abobadada em cruzaria de ogivas de nervuras mais singelas, e com capela lateral, actualmente ocupada por uma habitação no fundo do Impasse Abdelkrim.” (CORREIA, 2008, p. 289)
O imóvel foi pela primeira vez identificado por Joseph Goulven em 1938 na então Rua Dar Benito (BARATA, 2012, página electrónica citada), mas seria Pedro Dias que, com base nos elementos de Goulven, confirmou tratar-se do Convento e Igreja de Santa Catarina. (DIAS, 2002, p. 184-186)
Refere a propósito Pedro Dias que “as ruínas sofreram muitas agressões e foram ainda mais descaracterizadas. Encontrar esses vestígios também não foi tarefa fácil, mas conseguimos ver os arranques de feixes de nervuras e até uma abóbada de arcos cruzados de uma capela lateral, hoje a servir de quarto de cama de uma família zefiense”. (DIAS, 2002, p. 184)
Sobre a relação entre o Convento e a Catedral que seria construída no seu seguimento, Pedro Dias adianta que “o desenho das molduras é o mesmo das da sé catedral, o que nos leva a aceitar a mão do mesmo mestre construtor. Foi também a ideia com que ficámos ao analisar dois desses arranques, tendo encontrado ainda uma capela colateral, mas com uma estrutura mais simples, dado que a abóbada que está íntegra tem apenas nervuras cruzadas que se encontram numa larga chave que perdeu a ornamentação.” (DIAS, 2002, p. 185)
O Convento podia acolher seis a oito frades.
O minarete da mesquita supostamente demolida para a construção da igreja onde posteriormente seria erigida a Catedral, que Cénival descreve em 1929 na seguinte transcrição
Cénival considera que a primitiva Catedral, a que chama “provisória”, se localizava no mesmo local onde seria mais tarde construída a Catedral de Safim, sobre uma mesquita, cujo minarete ainda subsiste, conforme o texto que se transcreve:
“Com efeito, a alguns metros da cabeceira da igreja, do outro lado da pequena rua, sobrevive isolado um muito belo minarete em estilo antigo. A decoração é um pouco rude e está ligeiramente degradado. É composto, de um dos lados, de três arcos polilobulados prolongados num entrelaçado inscrito num rectângulo”. (CÉNIVAL, 1929, p. 17)
Actual porta de entrada na Catedral de Safim
Desde 1512 que D. João Subtil era bispo de Safim, cargo que acumulava com o de reitor da Universidade de Lisboa e prior de Grijó, mas só em 1514 se estabeleceu na cidade. E, apesar das insistências do capitão Nuno Fernandes de Ataíde e do contador Nuno Gato junto da Coroa Portuguesa para que fosse construída a Catedral, pedindo o envio de um homem “que soubesse fazê-la bem”, nesse mesmo ano, só em 1515, após nova insistência, desta feita do feitor Álvaro de Tojal, o projecto começa a ser elaborado, encontrando-se finalizado três anos depois.
D. Nuno de Mascarenhas, governador de Safim, escreve ao Rei D. Manuel nos finais de 1518 ou inícios de 1519, dando-lhe conta do envio do projecto, elaborado pelo vedor Jorge Machado e pelo mestre de obras João Luís para sua aprovação, o qual foi objecto de uma redução das dimensões do templo, já que lhe pareceram exageradas. Numa carta do bispo ao rei, datada de 11 de Agosto de 1519, dá-se conta “que os trabalhos tinham começado segundo as proporções ordenadas por Sua Alteza, excepto para a capela-mor que se faria um pouco maior do que estava previsto, afim de que fosse do mesmo tamanho da do convento” (CÉNIVAL, 1929, p. 21), referência ao Convento de Santa Catarina, acabado de construir.
Pedro Dias pensa que as alterações introduzidas em Lisboa ao projecto elaborado em Safim possam ter sido realizadas por um dos irmãos Arruda. (DIAS, 2002, p. 182)
Planta e corte dos vestígios da Catedral de Safim, desenhados por Pierre de Cénival em 1929
O mesmo Pedro Dias descreve assim como seria provavelmente a Catedral:
“D. João Subtil deu 200.000 reais para as obras, quantia que entregou a Nuno Gato, que terão dado para pagar a capela-mor e os doze arcos do corpo, e permite perceber que tinha três naves e seis tramos ou, mais provavelmente cinco tramos com arcadas longitudinais e um transepto com maior amplitude, e eventualmente saliente em relação aos flancos. O resto teria de ser terminado com dinheiros locais e com dádivas régias.” (DIAS, 2002, p. 181-182)
Sobre a capela-mor, escreve Pedro Dias:
“A planta é rectangular mas com pequena diferença entre os lados, sendo a profundidade de 8,20 metros e 7,20 metros de largura, medições que fizemos e que contrariam as publicadas por Cénival. O vão do arco da capela-mor é de 6,20 metros. A abóbada é estrelada com cruzeiros completos, cadernas e terceletes formando nove chaves, a central e oito radiantes. A maior, ao meio, ostenta o escudo real de D. Manuel I; as outras mostram a Cruz da Ordem de Cristo, a Esfera Armilar, folhagem naturalista, o brasão episcopal de D. João Subtil, uma roseta, um elemento liso fruto da reconstituição do volume da chave destruída, as chaves alusivas a S. Pedro, e novamente folhagem nas duas restantes.” (DIAS, 2002, p. 183)
A Capela-Mor
“As nervuras com bom lançamento arrancam de mísulas de cariz arquitectural de forma prismática múltipla, subindo em breve troço recto e encurvando em linha ogival para encontrar as diversas chaves. Como se disse essas mísulas são oito, arrancando todas, excepto a do lado do arco-cruzeiro, da mesma altura. Formam assim dois falsos tramos, ficando no segundo as amplas janelas, hoje cegas devido ao entaipamento provocado pela adjunção de construções do lado de fora.” (DIAS, 2002, p. 183)
Apesar de João Machado ser o vedor oficial das obras, Cénival afirma que “o verdadeiro arquitecto, o autor do projecto do edifício” foi o mestre João Luiz, que morre em 1524, sendo substituído por Luiz Dias, por sua vez substituído em 1526 por Garcia de Bolonha.
Imagem da capela lateral
Com a morte de D. Manuel e a coroação de D. João III, o bispo D. João Subtil cai em desgraça e é preso, conforme documento citado por Cénival:
“1524, janeiro 27. Neste dia mandou el Rei D. João III prender na torre da porta d’Alconchel, pelo corregedor da Corte (…) D. João Sotil, bispo de Çafim, prior de Grijó e provedor do hospital de Lisboa.” (CÉNIVAL, 1929, p. 22)
Poderão os mais incautos pensar que o estado lastimável em que se encontra a Catedral, restando apenas a capela-mor e uma capela lateral, se deve a destruições realizadas após a evacuação de Safim pelos portugueses em 1542. Assim não foi, já que foram os próprios portugueses que demoliram todo o património religioso da cidade com autorização do Papa Paulo III, “para os poupar à vergonha de caírem nas mãos dos infiéis. As destruições felizmente não foram totais para que nenhum vestígio não subsistisse dos edifícios mutilados.” (CÉNIVAL, 1929, p. 25-26)
Sinalética indicativa da Catedral de Safim
A Catedral já tinha sido identificada em 1871 pelo padre franciscano espanhol Castellanos, que aí tinha entrado “a quatro patas, já que a terra, os escombros, os lixos amontoados subiam quase até às abóbadas”, como escreveu em 1808 na sua “Historia de Marruecos”. (CÉNIVAL, 1929, p. 1)
Á data dos levantamentos de Pierre de Cénival, no ano de 1929, os seus vestígios tinham acabado de sofrer uma intervenção da Direction des Beaux-Arts et des Monuments Historiques, que o autor descreve como uma acção para “remover construções parasitas que encobriam um monumento bastante curioso.” (CÉNIVAL, 1929, p. 1)
Até então o imóvel era utilizado como banho público feminino. No seu interior tinha sido construído um vestiário e fora colocada uma chaminé que trespassou uma das chaves da abóbada. Continha uma caldeira para aquecimento da água e as marcas da queima de madeira são bem visíveis na capela lateral.
Elementos retirados do documento Safeguarding of the Portuguese Heritage: The Case Study of Safi Cathedral, Morocco, referenciado na bibliografia
No âmbito das suas funções como consultor da Fundação Calouste Gulbenkian para a área da reabilitação do Património Histórico Português, o Arquitecto João Campos elaborou um projecto de recuperação e valorização da Catedral de Safim, o qual reuniu uma vasta equipa técnica, que procedeu em 2009 a um diagnóstico da situação do imóvel, concretamente das duas capelas e parede confinante com o espaço público.
Para além de um levantamento das principais patologias visíveis, foram utilizadas técnicas não intrusivas para avaliação da situação do interior da abóbada e paredes, com recurso a acelerómetros e ultra-sons.
As conclusões dessa inspecção foram, de uma forma muito sucinta, que não se detectaram danos de importância significativa, mas situações menores a corrigir, tais como argamassas de cimento e elementos metálicos a remover, lacunas no interior de paredes a preencher, fissuração da abóbada, com colonização vegetal e infiltrações de água a solucionar, e deformação do arco da capela a corrigir.
O diagnóstico aponta as terapias a utilizar para resolver esses problemas.
Elementos retirados do documento Safeguarding of the Portuguese Heritage: The Case Study of Safi Cathedral, Morocco, referenciado na bibliografia
Em 2010 uma equipa do Centro de História de Além-Mar (CHAM) realizou uma escavação arqueológica no espaço da antiga nave, actualmente ocupada por uns sanitários públicos e habitações de carácter precário, que a própria equipa considerou como insuficientes. A 14 de Outubro desse ano a Fundação Calouste Gulbenkian apresentou ao Governo de Marrocos o projecto do Arquitecto João Campos, o qual aguarda ainda uma decisão.
O projecto em si tem um carácter abrangente, no sentido em que intervém no imóvel e sua envolvente, com uma filosofia de reabilitação das duas capelas, remoção das construções que ocupam o antigo espaço ocupado pelas naves do edifício e recria, de forma algo simbólica, aquilo que seria o essencial do espaço da antiga Catedral de Safim.
O objectivo será o de criar um equipamento de caracter cultural no espaço reabilitado.
Fotografia do autor deste artigo com um grupo de professores e estudantes do curso de Guias Turísticos do Ministério do Turismo de Marrocos numa visita à Catedral de Safim em 31 de Outubro de 2016
O autor deste artigo agradece ao Arq. João Campos e ao Dr. Azzedine Karra, Director Regional de Cultura de Marrakech-Tensift-El Haouz (da Região de Doukkala-Abda à data da elaboração do projecto) o apoio prestado.
…sair daqui e viajar até Marrocos, porque ama este país, sua cultura, história beleza e suas gentes, através do seu empenho, gosto, trabalho, … obrigada !
Ânimo e saúde para prosseguir com gosto e generosidade , são os meus votos para 1917 .
Isabel Maria de G. Falcão
Obrigado pelas suas palavras. Bom ano
Frederico Mendes Paula. Obrigado pelo envio Bom Natal e festas Felizes Boaventura Nogueira
Obrigado sou eu. Boas festas e muita saúde