2 comments on “Os Judeus e as Praças de Marrocos

  1. Mais um extensíssimo capítulo da nossa «desconhecida» história comum. Sendo vagamente descendente de safarditas (pela via do meu avô materno, refugiado alemão em Portugal, que escapou ao nazismo muito a contragosto…), sempre me fascinou o papel dos judeus na formação deste país — especialmente porque (por razões políticas, ideológicas, religiosas…) todos os países europeus tiveram sempre presente uma certa dose de anti-semitismo que procurou «apagar» os vestígios de qualquer influência e/ou ajuda «semita» (seja esta judaica, seja esta muçulmana…) que tenhamos tido no passado…

    Que o papel dos matemáticos e astrónomos judeus e muçulmanos foi crucial aos Descobrimentos, já começa, aos poucos, ser do conhecimento geral (mas nos meus tempos ainda se falava em «cientistas de todo o mundo» que trabalhavam em Portugal — não se dizia explicitamente que eram, na sua essência, judeus e muçulmanos, de muitas origens diferentes…). Que ambos fizeram já parte da campanha diplomática e militar levada a cabo em Marrocos era totalmente desconhecido para mim. Surpreendente? Não — pois sempre me interroguei sobre a forma como é que os portugueses exerciam essa influência diplomática, se tecnicamente eram inimigos declarados do Islão, sendo que todo o incentivo para os Descobrimentos foi tentar «furar» a rede de transacções económicas nas mãos dos árabes, berberes e otomanos, e estabelecer a «nossa» rede própria. Deveria ser óbvio que isso seria tarefa impossível sem ter «bons amigos» no terreno, que conhecessem bem a cultura europeia e a avançada civilização muçulmana, e que conseguissem servir de intermediários da mais absoluta confiança e lealdade.

    O seu texto é exímio em explicar tudo isto, em especial o complexíssimo sistema de classes sociais, ou castas, com vários tipos de indivíduos, classificados de acordo com a sua religião anterior, a sua religião presente, a sua afiliação, o espaço físico onde viviam, e até a distância da capital (quanto mais longe de Lisboa, mais direitos e liberdades eram cedidos aos não-cristãos que habitavam cidades nas mãos dos portugueses — apenas «para inglês ver», não fosse algum «estrangeiro» de visita a Ceuta ou Tânger queixar-se ao Papa de que os portugueses não se estavam a portar como «bons cristãos» e a esmagar o Infiel como aparentemente diziam…). Incrível e fascinante ao mesmo tempo, vivia-se numa sociedade multi-étnica e multi-cultural, de três religiões tecnicamente a competir entre si pelos mesmos recursos (terras, cidades, fortalezas, bens e produtos…), e era preciso conseguir manter uma paz relativa apesar de tudo apontar para isso ser impossível…

    Bem haja!

    • Caro Luís Miguel Sequeira
      Estas descobertas do nosso passado são sobretudo um factor de enriquecimento interior e de conhecimento para mim próprio. De facto, a melhor maneira de aprender é escrevendo. O que me surpreende são as descobertas por vezes desconcertantes de uma história que não nos é contada e que tem verdades ocultas e complexidades que dificilmente nos permitem ser categóricos em muitas das “certezas” que às vezes pensamos ter.
      Abraço

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