A Casbah de Boulaouane, construída próximo do local da Batalha dos Alcaides por Mulay Ismail no século XVIII
No dia 14 de Abril de 1514 travava-se em a única batalha campal entre um exército de Portugal e o do Reino de Fez, se exceptuarmos a posterior batalha de Alcácer Quibir. De facto, a guerra que se travava em Marrocos era a chamada guerra guerreada, na qual os capitães das praças-fortes faziam razias preventivas nos campos circundantes ou resistiam a cercos, raramente de forma concertada uns com os outros, tentando manter as suas posições com o máximo de segurança. Uma espécie de guerra de guerrilha e contraguerrilha que envolvia um número de forças relativamente limitado, e que não alterava substancialmente a situação militar estabelecida.
A partir de 1510, Portugal consegue alcançar um acordo de paz com grande parte das tribos da Duquela, trazendo para a sua esfera um território de dimensão apreciável, e controlando grande parte das riquezas e do comércio aí existentes. Neste período a ilusão alimentada por D. Manuel de conquistar Fez e Marraquexe ganha alguns adeptos e reflecte-se nas acções político-militares que empreende.
A conquista de Azamor em 1513 tem um efeito importante no Reino de Fez, que organiza um poderoso exército para tentar recuperar a cidade e inverter o curso dos acontecimentos.
A frente de rio de Azamor
Entre 1505 e 1515 a presença de Portugal em Marrocos vai em crescendo, atingindo o seu ponto alto em 1514 com a construção do Castelo de S. Jorge de Mazagão, fortificação que tem por objectivo dotar a recém conquistada Azamor de um porto com condições eficazes, já que esta cidade se situava no interior da barra do Rio Morbeia, que, no dizer de David Lopes, “era cidade importante pela sua população e o seu comércio, situada na margem esquerda do Morbeia, a dois quilómetros da sua foz, mas de má barra”. (LOPES, [1937] 1989, p. 36)
Neste período de apenas 10 anos, Portugal constrói no chamado Marrocos Amarelo, quatro fortalezas, Santa Cruz do Cabo Guer, Ben Mirao, o Castelo Real de Mogador e o Castelo de S. Jorge de Mazagão, e conquista as duas principais cidades, que aliás eram já suas vassalas, Safim e Azamor.
Esta acção assegura a hegemonia portuguesa na região face às aspirações espanholas e procura controlar as importantes riquezas locais, em cerais e gado, e o comércio que de Marraquexe ali afluía.
Ocupação da costa de Marrocos por Portugal no início do século XVI
Portugal controlava assim a costa entre a foz do Rio Suss e a do Rio Morbeia, ou seja, entre Santa Cruz do Cabo Guer e Azamor, e a costa do Estreito de Gibraltar de Ceuta até Arzila. Era conhecida a intenção de D. Manuel em anular o hiato existente entre estas duas zonas, preparando a construção de duas fortalezas implantadas em dois pontos estratégicos. S. João da Mamora, na foz do Rio Cebú, e Anafé, no local da actual Casablanca, cidade que os portugueses tinham arrasado em 1468 e que se encontrava abandonada desde então.
Nesta zona que o Reino de Fez dominava e que lhe assegurava o acesso ao mar, existiam importantes “ninhos” de corsários, que punham em causa a segurança da navegação portuguesa, nomeadamente dos navios que faziam a rota das índias, e da própria costa Sul de Portugal, com as suas incursões que chegavam até à zona de Peniche.
O Protectorado da Duquela
Para além disso, Portugal controlava, indirectamente, apenas fruto de acordos com algumas das tribos da Duquela, um território apreciável, chamado Protectorado da Duquela, apesar de esses acordos serem extremamente instáveis, já que durante a sua vigência algumas das tribos, como os Banu Regraga, expulsaram os portugueses de Ben Mirao e Mogador e, como se veria, efémeros, tendo em consideração que se realizavam tribo a tribo, dependendo em grande medida da própria conjuntura política local, muito marcada por contradições entre as várias cabilas e pelo crescente poderio dos Xerifes Sádidas.
A viabilidade deste protectorado dependia em grande parte da influência que Yahya Bentafuft, investido por D. Manuel como Alcaide da Duquela, tinha sobre as tribos locais e da difícil gestão que fazia para manter o equilíbrio entre a sua pacificação e a presença dos portugueses enquanto potência ocupante.
“Tratando-se, como refere Maria Augusta Lima Cruz, de ‘um homem que, sem arrenegar da fé em que nasceu, escolheu colaborar com o infiel e invasor’, acabou disso mesmo, por ser um homem acossado por ambos os lados. Valeu-lhe ainda assim, o ter podido contar com o apoio do monarca português, que, estribado nos pareceres de alguns dos seus apoiantes em Marrocos – sobretudo de D. Rodrigo de Noronha, o ‘Aravia’, um profundo conhecedor da realidade local – sempre o considerou uma peça fundamental da sua estratégia político-militar para a região, que passava pela conquista do reino de Fez.“ (COSTA e RODRIGUES, 2007, p. 43-44)
Os campos da Duquela
Numa carta escrita por Bentafuft a Nuno Fernandes em português aljamiado, intitulada Tralado da carta de cide Iahia ao senhor D. Nuno, o alcaide mostra o seu desânimo pelo isolamento em que se sente, desprezado por mouros e cristãos:
“Louvores ao seu Deus. Senhor D. Nuno, vosso servo Iahia Tafufte vos faz saber que, desno dia que vim a esta terra, não vi nenhum prazer nem descanso com cristãos, nem menos com mouros. Os mouros dizem que sou cristão e os cristãos dizem que sou mouro, e assim estou em balanças sem saber o que hei de fazer de mim, senão o que deus quiser, e quem boa conreição tiver Allá o salvará”. (LOPES, 1897, p. 63)
Vivia-se um clima de desconfiança entre os nobres portugueses e os mouros de pazes e uma particular animosidade entre Nuno Fernandes de Ataíde e Yahya Bentafuft, que foi inclusivamente mandado para Lisboa para ser castigado por traição a Portugal, mas regressou com os seus poderes reforçados, precisamente nomeado como Alcaide da Duquela.
D. Manuel tinha perfeita noção de que os seus capitães em Marrocos não eram propriamente uns santos e que qualquer eventual pretensão portuguesa sobre os Reinos de Fez e Marraquexe (aliás uma pura utopia, como sublinhou David Lopes), dependeria sempre de acordos duradouros com os mouros de pazes.
Numa outra carta escrita pelo Alcaide a D. Manuel, intitulada Tralado da carta a el rei nosso senhor, Yahya queixa-se que são os próprios portugueses a fomentar a guerra para tirar proveitos pessoais:
“Senhor, o dia que de Portugal parti mencomendaste a paz e que eu a comprasse por meu dinheiro, e fiz tudo o que Vossa Alteza mandou, fiz a paz com tudo aquillo que eu pude, que nunca se tal fez nem viram em Duquella em nenhum tempo, e apanhei todalas pagas e as trouxe a Safim em obra de quinze dias, e não dei nem peitei por fazer a paz nenhum dinheiro de vossa fazenda, e o capitão e os cavalleiros que cá estão não querem paz, senão guerra, e isto fazem por não terem nenhum proveito da paz, nem do serviço que eu faço, por não terem que tomar, nem que repartir, e por este respeito todos me querem fazer mais mal do que podem, agora não sei o que de mim faça, trouxe de vossa alteza um regimento e o capitão manda que faça cá outro, peço a vossa alteza que me faça justiça, me mande dizer o que hei de fazer de mim e dos meus, no que receberei muita mercê”. (LOPES, 1897, p. 59-61)
A Muralha de Arzila
Para o rei de Fez, Mulay Mohamed Al-Burtughali, filho do anterior sultão Mulay As-Shaykh, assim conhecido por ter estudado e Portugal no seguimento da assinatura pelo seu pai do tratado de paz de 1471 com D. Afonso V após a conquista de Arzila, estava não só em causa a integridade territorial dos seus domínios, como a hegemonia da Dinastia Oatácida face ao crescente poder dos Sádidas em Marraquexe.
Mulay Mohamed organiza um poderoso exército, composto de duas hostes, uma comandada por si próprio e a segunda comandada pelo seu irmão e vice-rei de Meknés, Mulay Nasser. As duas hostes fariam o percurso separadamente, estando previsto encontrarem-se a Sul de Azamor, no local de Boulaouane.
Como veremos mais à frente, a constituição do exército marroquino ficaria na prática reduzida à sua vanguarda, comandada pelos Alcaides Al-‘Attar (Latar) e Lutete, que dispunham de cerca de 7.000 homens de armas, entre os quais cavaleiros, besteiros e espingardeiros.
Damião de Góis descreve de forma pouco exacta o exército de Fez, referindo que “eram por todos mais de quatro mil de cavalo, e grão número de pé.” (GOIS, 1566-1567, III Parte, fl. 95)
O facto de o Rei de Fez e o Vice-Rei de Meknés não se encontrarem presentes aquando da chegada a Boulaouane da hoste dos Alcaides teve um efeito negativo nas tribos da Duquela que eventualmente os poderiam apoiar, já que, por um lado, esperavam um exército muito superior e melhor representado, e por outro, temiam eventuais represálias pelo suposto apoio que os portugueses tinham na região.
O Baluarte de S. Cristóvão em Azamor
A notícia de esta força se preparava para retomar Azamor alarma os portugueses, até porque as fortificações da cidade estavam nesse momento em reformulação, através de uma intervenção dos irmãos Arruda, não se encontrando completados os baluartes do Raio e de S. Cristóvão, fundamentais para assegurar a sua defesa.
Para fazer face a essa ameaça, os capitães de Azamor, João de Meneses, de Mazagão, Martim Afonso de Melo Coutinho, e de Safim, Nuno Fernandes de Ataíde, apoiados por um forte contingente de mouros de pazes comandado por Yahya Bentafuft, organizam um exército que procuraria defrontar o rei de Fez em campo aberto.
O exercito português era extremamente heterogéneo, politica e socialmente, sendo composto por diversas “hostes senhoriais”, comandadas pelos seus senhores que “em situação de combate dificilmente se submetiam às de outro capitão que não o seu senhor, acabando muitas vezes, e aqui isso uma vez mais sucedeu, por não respeitar as movimentações tácticas previamente estabelecidas para a batalha”. (COSTA e RODRIGUES, 2007, p. 48)
Estas “hostes senhoriais” eram olhadas com desconfiança pelos veteranos da guerra de Africa, pelos mercenários e pelos capitães das praças.
O Morabito de Sidi Chachkal junto ao Cabo Beddouza
O exercito de Portugal seria formado por cerca de 4.300 homens, mas esse número não é coincidente nas várias versões conhecidas, nem a própria constituição da hoste, já que se existia uma tendência para empolar o número de soldados inimigos, existia também uma tendência para minimizar o número de soldados portugueses, subestimando o seu valor, e desvalorizando os elementos não nacionais, como os mercenários e mouros de pazes.
Damião de Góis descreve assim o exército português:
“João Soares, com cento de cavalo, e alguns besteiros, e espingardeiros (…) partindo João Soares, abalou D. João de Azamor (…) com oitocentas lanças, e mil homens de pé, besteiros, e espingardeiros, e ordenanças (…) chegou recado de Nuno Fernandes, que ele com cide Ihaeabentafuf, que trazia mil e quinhentas lanças de Garabia, em que entravam trezentas Dabida”. (GOIS, 1566-1567, III Parte, fl. 94)
De qualquer forma, parece consensual que do lado dos portugueses estariam cerca 1.000 cavaleiros, alguns deles acobertados (com protecções de ferro, couro ou tecido grosso, também conhecidos por cavalaria pesada) e 1.300 peões, entre besteiros, espingardeiros e ordenanças, a que se juntaram 2.000 cavaleiros dos mouros de pazes de Bentafuft.
As forças portuguesas convergiram para Cerno (Sarnu), partindo de Safim a hoste de Nuno Fernandes, de Azamor a de João de Meneses, de Mazagão a de Martim Coutinho e das margens do Rio Tensift as dos mouros de pazes. Aí aguardaram a chegada do exército de Fez.
Sala Jedid, a Casbah de Rabat frente a Salé
O resultado da batalha ficaria marcado por um erro táctico do exército marroquino, já que o rei de Fez, quando “se encontrava a uma légua de Salé, fora obrigado a ir em socorro dos alcaides de Alcácer Quibir e de Larache, os quais, tendo atacado Tânger, haviam sido derrotados pelas forças portuguesas comandadas por D. João Coutinho, que substituíra o pai na capitania de Arzila, e por D. Duarte de Meneses, capitão de Tânger.” (COSTA e RODRIGUES, 2007, p. 52)
Este atraso na chegada do rei de Fez a Boulaouane e do seu irmão Mulay Nasser, que o esperou em Salé, foi decisiva, já que a batalha acabaria por ser travada apenas contra as forças comandadas pelos alcaides mouros Lutete e Latar, acompanhados por Mulay Zidane (Mulei Zidão, antigo alcaide de Azamor), que já se encontravam em Boulaouane com a vanguarda do exército marroquino, aguardando o grosso das tropas.
Os portugueses tiveram acesso a esta informação e não deixaram escapar a oportunidade de defrontar um exército bastante menor do que esperavam. No dia 14 de Abril de madrugada abandonaram o seu acampamento em Cerno e foram ao encontro da hoste dos de Marrocos em Boulaouane.
Barqueiro no Rio Morbeia, em Azamor
Damião de Góis refere a propósito:
“Depois de D. João ser em Azamor, tendo recado certo, por mouros de pazes, de que os Acaides Latar e Lutete que el Rei de Fez mandava em socorro aos da Duquela e Xerquia, esperavam por el Rei de Miquinez, que estava na cidade de Nasé, com muita gente de pé, e de cavalo, para com toda esta companhia vir por cerco a Azamor. E porque estes Alcaides estavam numa vila forte, que se chama Baluão, determinou ir pelejar com eles, e destruir a vila”. (GOIS, 1566-1567, III Parte, fl. 94)
A Batalha de Boulaouane, dos Alcaides ou do Bolião, como ficaria conhecida, começou nesse dia às 7 horas da manhã, numa planície junto ao Jebel Akhdar ou Montanha Verde.
O dia em que decorreu a batalha é contraditório nas fontes consultadas, sobretudo na obra de João Paulo de Oliveira e Costa e Vítor Gaspar Rodrigues, que tanto referem ter ocorrido no dia 12 de Abril (contra-capa, pág. 8 e pág. 62), como no dia 14 (p. 56 e p. 70). De facto, e de acordo com Damião de Góis, “caminhando assim todos a fio antes de romper de todo da alva, em sexta-feira de indulgências, se juntaram e ordenaram sua batalha em cinco azes (…) mandando logo abalar o exército, com que chegou à vila dos Alcaides, depois do sol saído, os quais estavam em um campo raso. E porque D. João viu que alguns dos mouros encaminhavam para uma terra que está junto deste campo, à qual se se acolhessem, os não poderia cometer à sua vontade, mandou logo tocar as trombetas, encaminhando para eles.” (GOIS, 1566-1567, III Parte, fls. 94-95)
A batalha foi assim travada na Sexta-feira Santa de 1514, que, de acordo com o calendário, foi no dia 14 de Abril. (WIKIPEDIA, “1514 na religião”)
O local onde presumivelmente se travou a batalha, junto à Serra Verde ou Jbel Akhdar. Foto L Mahin
Os dois exércitos foram organizados em “azes” ou “batalhas”, contingentes dependentes de um comandante, sendo o Comandante de Campo D. João de Meneses. “Três deles foram organizados com a sua gente, sendo que um foi capitaneado por Rui Barreto, capitão de Azamor; o segundo, cujo comando coube a João Gonçalves da Câmara, Álvaro de Carvalho e João da Silva, em virtude de se tratar daquele em que foram agrupados muitos dos fidalgos que haviam passado a Marrocos com as suas clientelas, e que, por via disso, eram os mais difíceis de englobar num único comando; por fim, um terceiro que ficou sob sua chefia directa. Os dois azes restantes foram formados, o primeiro, com os homens de Bentafufa, e, o segundo, com um misto de cavaleiros de Safim, capitaneados por Nuno Fernandes, e de Almedina (cerca de 800), comandados pelo genro deste, D. Afonso de Faro, ou seja, dois azes em que o peso das tropas locais formadas por ‘mouros de pazes’ era assaz significativo e se viria a revelar de grande importância.” (COSTA e RODRIGUES, 2007, pp. 56-57)
A hoste portuguesa ainda era composta na rectaguarda por carriagem e alguma artilharia, de que o exército de Fez não dispunha.
O exército de Fez organizou-se em três batalhas, tendo colocado na vanguarda peões e espingardeiros para tentar travar ou infligir um máximo de baixas à cavalaria portuguesa.
Combate de cavalaria – Arronches, 8 de Novembro de 1653. Painel de azulejos seiscentistas, “Sala das Batalhas”, Palácio dos Marqueses de Fronteira. Foto do Comandante Augusto Salgado
Leão o Africano descreve assim o que sucedeu ao exército de Fez:
“O exército português veio defrontá-los e o embate foi tão vigoroso que eles foram vencidos por meio de dois mil Árabes que vieram em socorro dos portugueses, que passaram pelo fio da espada toda a companhia de espingardeiros do rei de Fez, que se tinha juntado no meio da planície, fora dez ou doze, que com o pouco que sobrou do exército, fugiram rapidamente para as montanhas.” (LEON AFRICAIN, [1530] 1896, pp. 250-251)
Damião de Góis descreve assim a batalha:
“Os mouros (…) fizeram um rosto ordenado de quatro batalhas que eram de gentes de cavalo, três, e para mor sua avantagem traziam diante os espingardeiros, e besteiros, que por começarem a disparar de longe, fizeram pouco dano às nossas batalhas, contra as quais, antes que se movessem abalou Dom João com os seus três esquadrões de gente de cavalo, com tanto esforço que lhes rompeu as três batalhas, e os fez voltar todos para a serra (…) Nuno Fernandes a quem era ordenado que desse uma das batalhas dos mouros de cavalo o não fez, porque se desviaram do posto em que os havia de cometer e andavam travados com Dom João; contudo deu com a sua gente nos Mouros de pé, de que matou muitos, e os que escaparam acolheram à serra. Neste alcance não pode tanto a obediência devida a Dom João como capitão geral, que muitos dos nossos se não demandassem, seguindo os Mouros até entrar com eles pela serra adentro.” (GOIS, 1566-1567, III Parte, fl. 95)
Esquema de localização da Batalha de Boulaouane
Basicamente o que se passou foi o seguinte:
Segundo o texto de Oliveira e Costa e Gaspar Rodrigues, citando os Anais de Arzila de Bernardo Rodrigues, após as primeiras salvas disparadas pelo exército de Fez, D. João de Meneses ordenou a uma parte dos cavaleiros de Bentafuft que, numa manobra envolvente, atacassem a rectaguarda do exército de Fez, com o objectivo de desorganizar a hoste inimiga. Após as primeiras escaramuças, o próprio D. João comandou um ataque frontal de cavalaria, com 600 dos seus cavaleiros e os restantes mouros de pazes, que provocou a fuga do exército de Fez para as montanhas.
Estes autores realçam o facto de as crónicas omitirem o papel dos atiradores portugueses e dos artilheiros flamengos e alemães que integravam o exército português, “pela necessidade de conferir maior visibilidade aos feitos cavaleirescos da fidalguia e seus capitães.” (COSTA e RODRIGUES, 2007, p. 61)

Detalhe do Cerco de Arzila, Tapeçarias de Pastrana
Por outro lado, os artilheiros ou bombardeiros, soldados que manuseavam as armas de fogo, “não eram considerados militares mas sim mesteirais ou artífices. Muitas vezes eram vistos como homens com ligações a forças diabólicas devido ao secretismo desta arte e ao som e explosão que provocavam. Para além disso, para uma chefia militar podia ser considerado desonroso optar pela utilização das armas de fogo numa determinada operação, já que ia contra os ideais de combate medievais que davam primazia à luta corpo-a-corpo. Dentro desta lógica, as armas de fogo matam de forma ‘cobarde’, através de um tiro à distância, e de consequências brutais, provocando muitas baixas.” (ARAÚJO, 2012, p. 161)
A insubordinação dessa mesma fidalguia é patente na descrição de Damião de Góis, ao afirmar que, contrariando as ordens de D. João de Meneses, perseguiram os mouros serra adentro, dispersando-se e ficando isolados, o que provocou muitos mortos nesses grupos de cavaleiros.
Os mouros reagruparam na serra e desferiram um contra-ataque, que foi suportado e repelido pelos cavaleiros de D. João de Meneses e pelos homens de Nuno Fernandes de Ataíde, gente experimentada na guerra, que não abandonou as suas formações e garantiu o sucesso da batalha.
A batalha durou três horas. Do lado português terão morrido cerca de 50 cavaleiros e um número muito reduzido de peões, enquanto que do lado dos de Fez, terão morrido cerca de 2.000 homens (número provavelmente exagerado) e feitos 280 prisioneiros.
O Rio Oum Er-Rbia, ou Morbeia, visto da Casbah de Boulaouane
No dia seguinte chegou o exército de Mulay Nasser, que não se dirigiu a Azamor, mas que concentrou os seus ataques nos domínios de Bentafuft. Foi por diversas vezes violentamente atacado pelas forças dos mouros de pazes, pediu auxílio a diversos partidos e cabilas, mas, não tendo apoios, foi obrigado a retirar.
Nesse mesmo mês de Abril de 1514, concretamente no dia 21, o “nunca está quedo” Nuno Fernandes Ataíde fez uma incursão provocatória a Marraquexe, para a qual reuniu 3.000 cavaleiros, na sua maioria mouros de pazes, onde raziou o campo e travou algumas escaramuças junto a uma das portas da cidade, a Bab Debagh.
Armas portuguesas no Baluarte da Alcáçova em Safim
Foram as últimas acções gloriosas dos portugueses em Marrocos, já que se seguiria o declínio.
Em 1515 o desastre da Mamora, com a morte de 4.000 soldados e a perda de 100 navios, na tentativa de construção de uma fortaleza da barra do Rio Sebu.
No ano seguinte morre Nuno Fernandes, com um golpe de zagaia no pescoço desferido por um mouro de nome Rahu Ben Xamut, a quem tinha raptado a mulher, e em 1518 Bentafuft é assassinado.
Desmorona-se o Protectorado da Duquela.
“Esta viragem dos acontecimentos, associada ao menor peso social dos protagonistas da batalha dos Alcaides terá contribuído decisivamente para que este combate singular se deixasse encobrir rapidamente pelas brumas do tempo e dele restasse apenas uma memória difusa incapaz de distinguir os contornos de uma grande vitória militar.” (COSTA e RODRIGUES, 2007, p. 81)
Gostei muito. Parabéns!
Obrigado. Cumprimentos