A frente de rio de Azamor
A ocupação de Azamor constitui a concretização da segunda fase da instalação na costa de Marrocos por Portugal, que inicialmente se processou de Norte para Sul, entre Ceuta e Arzila, e posteriormente de Sul para Norte, entre Santa Cruz do Cabo Guer e Azamor, dando origem a duas zonas distintas que os cronistas chamaram Marrocos Verde e Marrocos Amarelo. Entre as duas zonas ficaria um espaço controlado pelo corso ao serviço do Reino de Fez, com importantes ninhos de piratas como Larache, a Mamora, Salé e Anafé.
O nome da cidade tem origem no Amazigh azmmour, que significa em português oliveira-brava ou zambujeiro.
O assentamento humano na zona é antigo, iniciando-se com a Azama dos Fenícios, que foi posteriormente ocupada por Cartagineses e Romanos, constituindo um importante centro de pesca do sável, peixe especialmente abundante nas águas do Rio Oum Er-Rbia ou Rio Morbeia, como os portugueses lhe chamavam.
Pescador no Rio Morbeia
Os Berghouata, uma das tribos da Confedereção Masmouda, instalaram-se no local após a partida dos romanos, sendo posteriormente conquistados pelos Sanhaja, comandados pelos Almorávidas de Yussuf Ibn Tachfin. Os Berghouata eram considerados dissidentes do Islão ortodoxo professado pelos Almorávidas, que no seguimento da conquista da cidade perseguem os hereges e enviam “um homem santo, de nome Abu Chuaib Ayub Ibn Saíd Sanhaji, a Azamor para aí enraizar a verdadeira fé”. (LAVIEECO, 2009)
Mulai Bouchaib, como o santo ficou conhecido, é hoje venerado na cidade, no morabito construído em sua memória, e, apesar de em vida ter feito voto de castidade, é procurado para fertilizar mulheres estéreis. Mas a história de Bouchaib não se fica por aqui. Segundo reza a lenda, o santo teria uma noite sonhado com uma mulher que vivia na distante Bagdade, de nome Lalla Aicha Bahría, que conseguiu atrair até Azamor, mas o amor que os aproximou pelo pensamento não se consumou, já que Lalla Aicha se afogou no Rio Oum Er-Rbia sem nunca ter sequer conhecido Bouchaib. Lalla Aicha é também uma santa devota de Azamor, que as raparigas também procuram por razões de fertilidade.
O morabito de Mulai Bouchaib em Azamor
Azamor desenvolve-se de forma linear ao longo da margem esquerda do Oued Oum Er-Rbia, o Rio Morbeia das crónicas portuguesas, implantando-se a uma curta distância da sua foz. No dizer de David Lopes, “era cidade importante pela sua população e o seu comércio, situada na margem esquerda do Morbeia, a dois quilómetros da sua foz, mas de má barra”. (LOPES, [1937] 1989, p. 36)
De facto, Azamor, com uma população estimada em 1.000 habitantes, era não só um importante centro de comércio, pesca e agricultura, como “correspondia a uma localização estratégica, na fronteira entre os reinos de Fez e Marrocos”. (CORREIA, 2008, p. 292)
Jorge Correia define assim a Azamor pré-portuguesa:
“Azamor era uma cidade alongada na margem sul do rio, a alguns quilómetros da foz, desenhando um rectângulo imperfeito, cujo contorno era definido por fortes muralhas defendidas por oitenta torreões e cujo interior era pontuado por vinte e oito grandes edifícios”. (CORREIA, 2008, p. 294)
Desde 1486 Azamor era uma cidade vassala da Coroa Portuguesa, “nas mesmas condições gerais que as de Safim”, pagando uma renda de 10.000 sáveis. Essas condições gerais eram, também de acordo com David Lopes, as seguintes _ “o alcaide reconhecia o rei de Portugal como seu senhor (…) e prometia pagar um tributo. Em Setembro de cada ano, 300 meticais de ouro, ou o seu valor em mercadorias, e dois cavalos bons (…) e, por fim, recebia a bandeira real e um atabaque, que o rei de Portugal lhe entregava, para simbolizar essa suserania (…) Por sua parte, o alcaide e os moradores da cidade e do seu termo circulariam livremente em todos os domínios portugueses daquém e dalém mar e poderiam aí negociar com os outros seus naturais e vassalos”. (LOPES, [1937] 1989, p. 36)
A frente de rio de Azamor
A vassalagem implicava também a fundação de uma feitoria, cujo contrato não foi renovado em 1504, sendo nessa data expulsos alguns portugueses. “Impunha-se a conquista da cidade, ensaiada quatro anos mais tarde, na sequência da missão de reconhecimento que Duarte d’Armas efectuara à costa atlântica do Norte de África.” (CORREIA, 2008, p. 294)
Em 1508 os portugueses aproveitam-se de discórdias no seio dos moradores para tentarem ocupar a cidade pela força, encarregando um armador de Tavira, de nome Rodrigues Bérrio, de reunir uma pequena armada para o efeito.
A armada, de 50 velas e 2.500 homens colocou-se frente aos muros da cidade, mas devido à resistência demonstrada pelos seus habitantes, regressou a Portugal sem combate. Segundo David Lopes, os moradores terão zombado de Bérrio devido aos escassos meios de ataque de que dispunha, gritando-lhe do cimo das muralhas “Então Bérrio, com quatro caravelas quereis tomar Azamor?” Seria daqui que veio o ditado referido por Padre António Vieira, Tomar Azamor com uma caravelinha. (LOPES, [1937] 1989, p. 37)
“D. Manuel não gostou da graça e preparou-se para castigar os gracejadores. Já que as 50 velas tinham feito rir a gente de Azamor, ele mandaria 500, com que a faria chorar”. (LOPES, [1937] 1989, p. 37)
A Praia de Haouzia, entre Mazagão e Azamor
Em 1513 uma poderosa armada comandada por D. Jaime, Duque de Bragança, composta por 500 navios, 13.000 homens a pé e mais 2.000 a cavalo, aporta no extremo Poente da Praia de Haouzia, no local da futura cidadela de Mazagão, evitando a barra traiçoeira do Rio Morbeia. O exército percorre por terra os cerca de 15 quilómetros até à cidade, “para cinco dias mais tarde entrar numa Azamor despejada de gente, uma povoação fantasma e rendida ao poder português, como acontecia com as vizinhas Almedina e Tite”. (CORREIA, 2008, p. 294)
Como resultado desta impressionante demonstração de força, muitas das tribos da Enxovia e da Duquela tornaram-se Mouros de Pazes.
Pedro Dias não partilha desta opinião, referindo que a cidade foi conquistada no seguimento de combates, já que “durante o assédio, os muros foram submetidos a trabalho de sapa, para os enfraquecer, tendo os nossos militares levantado as tradicionais mantas, para poderem picar as paredes a salvo dos projecteis que os azamorenses lhes arremessavam”. (DIAS, 2004. p. 126)
Pedro Dias refere que após a conquista “a população muçulmana abandonou as suas casas, ficando apenas a comunidade judaica, à qual se juntaram mouros de outras zonas, colonos idos do Continente, de Castela, e, sobretudo, da ilha da Madeira.” (DIAS, 2004. p. 126)
A muralha e o atalho de Azamor . Fonte Ana Lopes
A grande dimensão da cidade de Azamor, e a consequente dificuldade de a gerir, e o estado em que se encontravam as suas muralhas levou a que D. João de Meneses, seu primeiro capitão, informasse o rei D. Manuel da necessidade de realizar uma intervenção de fundo na fortificação, incluindo a construção de um atalho que garantisse a sua manutenção em mãos portuguesas.
Francisco Danzilho, que participara na conquista, já tinha informado a coroa da composição das estruturas defensivas de Azamor, mas seria Diogo de Arruda que seria encarregue da intervenção, chegando à cidade nesse mesmo ano de 1513. “Levava ordens para fazer primeiramente o alcácer da cidade, para o que foram caravelas com cal e outros apetrechos necessários. A cava começou a ser aberta, em volta da alcáçova, no dia 1 de Dezembro.” (DIAS, 2004. p. 127)
Em Fevereiro do ano seguinte, Francisco de Arruda junta-se ao irmão e, segundo consta, levando consigo o ainda jovem Miguel de Arruda, com apenas 15 anos de idade, que, com o pai e o tio se inicia nas técnicas da construção militar. A intervenção dos Arrudas, que durou os anos de 1514 e parte de 1515, incidiu na generalidade da muralha, com alambor, protegida por fosso, nos baluartes do lado de terra, Baluarte de São Cristóvão e Baluarte do Raio, e nos do lado do rio, a Couraça e o Baluarte do Rio.
O Baluarte do Raio
Os baluartes do Raio e de São Cristóvão são duas impressionantes máquinas de guerra deste período da transição da neurobalística para a pirobalística, combinando canhoneiras para artilharia ligeira nas aberturas inferiores, para tiro de proximidade, com canhoneiras para artilharia pesada nas aberturas superiores, para tiro à distância, com troneiras e aberturas para tiro mergulhante, num total de três níveis de fogo.
O Baluarte do Raio, situado no ponto de inflexão da muralha, é uma espécie de torre semicircular esticada para o exterior, “tem dispositivos para o tiro mergulhante (…) dois pisos acasamatados, que disparavam em 280º, e um piso alto poligonal dotado de merlões e canhoneiras”. (DIAS, 2004. p. 131)
Em 1515 os trabalhos foram continuados por João de Castilho.
O Baluarte do Rio e a Couraça são os mais imponentes de todos em termos de presença, já que tiram partido da topografia do terreno, impondo-se pela sua altura.
O Baluarte de S. Cristóvão
Em 1517 inicia-se a construção do atalho, ligando o Baluarte de S. Cristóvão ao Baluarte do Rio, construído em formigão, ou seja, na chamada taipa militar, uma técnica de utilização da taipa estabilizada com cal, “com 1,70 metros de largura e cerca de 4,5 metros de altura fora as ameias” (DIAS, 2004. p. 129). A construção do atalho, dividindo a Vila Nova da Vila Velha, já estava preconizada desde a tomada da cidade, e as construções da Vila Velha foram progressivamente demolidas, já que o Regimento da obra do muro e atalho da cidade de Azamor consta a indicação da construção de uma porta “para o campo”, sendo os seus terrenos transformados em hortas e pomares.
Protegendo a referida porta foi construído um baluarte rectangular, que desenhava um dente no atalho, chamado Baluarte de Vila, do Castelo, do Campo ou do Sertão.
“Os trabalhos do atalho seriam dados como terminados em 1520, pelo governador de então, D. Álvaro de Noronha, o mesmo que havia completado o arrasamento da vila velha um ano antes. A porção de cidade excluída pelo atalho constituía uma ameaça ao castelo uma vez que nas suas casas e ruas se poderiam preparar ataques ao reduto português”. (CORREIA, 2008, p. 303)
A Porta do Combate
A construção do atalho e o arrasamento da Vila Velha são acompanhados por uma política em relação às portas da cidade, que as entaipou na sua quase totalidade, criando um sistema de entrada indirecta na Vila Nova, muito eficaz para a sua defesa. Do lado de terra é apenas mantida a Porta do Combate, actual Bab El-Medina, única porta da cerca moura que os portugueses utilizam, e que dá acesso à zona de hortas e pomares, que passa a constituir uma espécie de ante-câmara da cidade. É construída a Porta da Vila no muro de atalho, constituindo a verdadeira porta de entrada na Azamor portuguesa. É mantida a Porta da Ribeira, abertura fundamental para a ligação da cidade com o Rio Morbeia, local de entrada dos abastecimentos de que necessitava.
A fortificação de Azamor é o exemplo típico da arquitectura militar da transição, no sentido de transição da neurobalística para a pirobalística, que mantem ainda algumas características próprias das fortificações medievais, como o adarve ou caminho de ronda, as ameias e merlões e aberturas para disparo de projecteis através da força mecânica, como seteiras e matacães, coordenadas com inovações que procuram adaptar a arquitectura militar às novas exigências que a utilização da pólvora vem trazer.
O Baluarte do Rio
“A implantação dos portugueses em Azamor enquadra-se nesse tempo de mudanças e experiências. A interpretação das estruturas arquitectónicas existentes ajudará a reconhecer o impacto da apropriação portuguesa confrontado com as pré-existências islâmicas herdadas. Entre elementos que ainda se consideram medievos e trabalhos que já anunciam a modernidade, de caracterização retórica e simbologia político-militar, as arquitecturas militares de Azamor urgem ser estudadas à luz desse tempo de transição. Fundem-se diversas disciplinas (arquitectura militar, urbanismo, englobando a geometria e matemática, etc.) em plena transformação e redescoberta nas artes da guerra.” (LOPES, 2009, p. 15)
Os irmãos Arruda, sobretudo Diogo, o mais proeminente dos dois, eram fortemente influenciados pelas teorias italianas, as mais avançadas da Europa, sobretudo pelas de Francesco Di Giorgio Martini, com quem em Itália trabalhara na construção das muralhas de Nápoles. (LOPES, 2009, p. 67)
A Couraça
Nesta arquitectura da transição os elementos das defesas construídas são reformulados, não só em termos das suas formas, que se submetem a conceitos de geometria para garantir a eficácia dos ângulos de tiro e se adaptarem melhor aos efeitos dos impactos dos projecteis disparados pelo inimigo, como também em termos das técnicas construtivas e dos materiais, ao nível dos quais as propriedades elásticas da cal e da terra se mostram muito mais eficazes que a rigidez da pedra. O aparente princípio de que a maior solidez da pedra seria mais adequada para resistir aos projecteis disparados pelos canhões seria desmentida pelos excessivos ressaltos que provocava, pela perigosa lascagem que originava e pela sua falta de capacidade de absorção dos impactos. Ao contrário, a cal de boa qualidade, combinada com pedra solta e terra, nomeadamente em camadas de características construtivas diferenciadas, por exemplo combinando taipa com alvenaria pobre, colocadas em obra em paredes inclinadas, permitia dissipar o efeito de fissuração nas juntas, ensinamento da própria arquitectura militar Árabe, que o Manuelino reutiliza de forma muito eficaz. O embasamento das muralhas e baluartes é protegido por um alambor, cuja função é reforçada pela abertura de um fosso, construído de acordo com os preceitos de Giorgio Martini, segundo os quais deveria ter um “ângulo de incidência entre os 45º e os 60º, para favorecer o “rebate” do tiro atacante.” (LOPES, 2009, p. 129)
Interior do Baluarte de S. Cristóvão
Um outro aspecto que advém das teorias de Giorgio Martini é o da necessidade de descontinuidade do traçado das muralhas, que contribui para o seu reforço estrutural e permite a colocação de artilharia em posição rasante. Este último aspecto seria decisivo para o desenvolvimento dos conceitos da arquitectura militar, que solucionariam nas fortificações da geração seguinte os problemas do tiro de proximidade e da cobertura dos ângulos mortos, como Benedetto da Ravenna e Miguel de Arruda aplicaram de forma tão eficiente em Mazagão.
“Será nas praças ultramarinas onde se verá uma maior evolução da arquitectura das fortificações, respondendo aos novos impulsos bélicos, com estruturas a construir de raiz para acoplar às existentes muçulmanas, numa estratégia de aproveitamento da herança conquistada e adicional de construções necessárias em complementaridade para uma melhor defesa. É de salientar o espírito de adaptabilidade que sempre marcou a atitude portuguesa ao longo da história. As praças marroquinas receberam os sistemas defensivos de transição (faces curvas de torreões com bombardeiras e canhoneiras, alambores, fossos e outros apêndices) com mais intensidade que o reino, devido à necessidade de mostrar o novo domínio sobre as praças conquistadas e de constante actualização das respectivas estruturas.” (LOPES, 2009, p. 53)
A Casa dos Capitães
Á semelhança das intervenções portuguesas nas outras cidades ocupadas, em Azamor é levada a cabo uma intervenção de estruturação urbana, que procura adaptar a cidade ao modo de vida dos portugueses e introduzir conceitos de racionalidade fundamentais para a sua sobrevivência no território hostil envolvente. Nesta operação, da responsabilidade de Simão Correia, capitão da praça, são previstas acções de “construção nova e o arruar que propõe para o interior do Castelo Português” (LOPES, 2009, p. 161), conferindo ao traçado urbano alguma ortogonalidade que ainda hoje se observa, tendo como eixo estruturador a Rua Direita.
O Castelo, ou Casa dos Capitães, correspondente à antiga Alcáçova, recentemente recuperado, era o centro de toda a vida urbana e principal imóvel da cidade. A Igreja Matriz resulta da adaptação da antiga Mesquita a templo cristão.
Verga manuelina no Castelo de Azamor
Azamor esteve sob influência portuguesa durante 56 anos, 27 dos quais na condição de cidade vassala (1486-1513) e 29 sob ocupação directa (1513-1542). No período da vassalagem a actividade comercial na cidade foi intensa, mantendo-se activa uma feitoria que constituía um entreposto de produtos com origem tão longínqua como o extremo oriente, de onde portugueses e italianos traziam especiarias e tecidos, e cuja presença ainda hoje se encontra, por exemplo nos famosos bordados de Azamor, de motivos figurativos. Após a conquista em 1513, Azamor é um importante centro de venda de escravos, sobretudo de populações arrebanhadas nos campos circundantes, como atestam muitos dos autos de fé realizados em Portugal pelo Santo Ofício contra mouriscos originários da região, ou como ilustra a própria história do lendário Estêvão de Azamor, considerado o primeiro africano na América do Norte.
De acordo com David Lopes, a vida em Azamor nunca foi fácil e a Duquela, supostamente uma fonte de trigo para Portugal acabou por constituir um encargo para o país, que a abastecia de trigo comprado na Andaluzia. Para este facto muito contribuíram as razias que o Rei de Fez fazia nos arredores da cidade, nas zonas tradicionalmente ricas em cereais, como Tite e Almedina, que se tornaram praticamente estéreis. (LOPES, [1937] 1989, p. 61)
A Porta da Vila
Vários testemunhos descrevem a situação difícil que se vivia na Azamor portuguesa, como este do físico mestre Rodrigo em 1527:
“Posso bem certificar a V. A. que a pobreza e a necessidade dos moradores desta cidade é tanta que não crerão senão que o vi e que se não fosse a caça do monte, com que se reparam, assim para comer dela, como para vender e comprar disto o pão e o vinho e o pescado e todas as outras despesas da casa, que já muitos deles se foram por este mundo de desesperados; e a causa disto é V. A. não lhes acudir com a paga dos seus tempos devidos, e assim por haver três anos que uns judeus rendeiros desta cidade, por uma condição que tinham no seu arrendamento, roubavam aos moradores em tanta maneira que o que valia mil reais vendiam por três mil”. (LOPES, [1937] 1989, p. 67)
Esta situação de penúria e especulação com os víveres é também relatada pelo juiz vicente Rodrigues Evangelho em 1530:
“Esta cidade está em condições de se perder pela grande fome que nela vai, há bem quatro meses, não por culpa de V. A. que nos mandou pão para sete ou oito meses e não se pagaram senão quatro; o outro se sumiu da maneira que lhe direi. Os capitães que querem entesourar engrossam dos judeus e mouros e os judeus dos cristãos que, por não lhes pararem os tratadores, vendem seus soldos e rações a 10 e a 15 reais o alqueire.” (LOPES, [1937] 1989, p. 68)
Porta no Castelo
Um outro relato de um homem chamado João Martins, que visitou Azamor para levar mantimentos, diz nesse mesmo ano de 1530:
“Eu achei esta terra em tanta pobreza e necessidade de fome que a gente estava em desesperação (…) entrei em algumas casas deles ver-lhas medir, para as avaliações que mandei que se façam, e lhes achei tão pouco fato (roupas) que a muitos deles falece cama em que durmam, por tudo terem vendido para comer.” (LOPES, [1037] 1989, p. 68)
A situação era insustentável e as ameaças dos Xerifes Sádidas acabaram por constituir um pretexto para conseguir autorização de Roma para deixar Azamor e Safim.
Elefante pintado nos degraus de um auditório de ar livre na medina de Azamor
A queda de Santa Cruz do Cabo Guer em 1541 provoca a reformulação da política portuguesa de ocupação do Sul de Marrocos, abandonando-se Safim e Azamor e concentrando todas as defesas numa superfortaleza a edificar em torno do Castelo de S. Jorge de Mazagão. Azamor é evacuada e grande parte da sua população é instalada em Arzila.