Torre circular do atalho Poente
Após a conquista de Ceuta em 1415, Tânger torna-se uma obsessão para a coroa portuguesa. O desastre de 1437 sob o comando incompetente do infante D. Henrique e as outras três tentativas falhadas para a sua conquista, realizadas entre 1462 e 1464, obrigam a procurar uma outra solução, tentando isolar a cidade através da conquista de Alcácer Ceguer em 1458 e Arzila em 1471.
A violência do ataque português contra Arzila e o massacre que se lhe seguiu foram fatais para Tânger, que até aí resistira heroicamente. O pânico apodera-se da sua população, que abandona a cidade depois de a incendiar.
Após as quatro tentativas falhadas para a sua conquista, Tânger acabava por se entregar ingloriamente aos portugueses.
A Medina de Tânger vista da baía
Tânger era uma importante cidade do Estreito de Gibraltar, um próspero porto comercial e local de grande relevância estratégica. O domínio sobre Ceuta e Tânger permitia controlar a navegação no Estreito de Gibraltar e constituía um rude golpe no apoio do Magrebe ao reino de Granada e na actividade do corso Norte-Africano.
No entanto, a expectativa da Coroa portuguesa em controlar as rotas comerciais que por essas cidades passavam saiu completamente frustrada, tendo em conta que as mesmas foram desviadas para outros portos, e a perspectiva de beneficiar da produção de cereais da região era um engano, já que as praças portuguesas se tornaram em verdadeiros presídios para os seus habitantes. Em vez de constituírem uma mais-valia para Portugal, tornaram-se rapidamente num pesado fardo para as finanças do país.
Restava a ilusão de asfixia do reino de Fez pelo corte do seu acesso ao mar, facto que também nunca se verificou, e a pressão da nobreza portuguesa para um enriquecimento rápido através do produto dos saques e da ascensão social pelos serviços prestados ao Reino.
A Entrada em Tânger, Tapeçarias de Pastrana
A cidade que os portugueses vão ocupar correspondia à segunda localização de Tânger, a Tanja El-Jadida, ou Tânger Nova, que veio substituir em meados do século X a Tanja El-Balia (Tânger Velha) ou Tanja El-Baida (Tânger Branca), situada junto ao mar, a meio da actual baía, “abandonada devido ao avanço do areal”. (CORREIA, 2008, p. 204)
A entrada dos portugueses em Tânger, no seguimento das notícias de que os seus moradores teriam abandonado a cidade temendo um massacre semelhante ao cometido em Arzila, foi precedida pelo envio de uma pequena força de reconhecimento,
“Partiu uma hoste Portuguesa em expedição até Tânger confirmando que a cidade se encontrava desabitada. A saída apressada dos habitantes de Tânger parece confirmada pela quantidade de material em condições operacionais que deixavam para trás, como bombardas e outras peças de artilharia, bem como pólvora que os portugueses tomaram.” (ARAÚJO, 2012, p. 74)
Tânger antes da ocupação portuguesa (fonte Jorge Correia)
A cidade que os portugueses tentaram conquistar por quatro vezes sem sucesso era de dimensão superior à que viriam a administrar, estimando-se que pudesse ter uma área quatro vezes superior.
De acordo com as conclusões de Jorge Correia, o facto do ataque português de 1437 se dirigir preferencialmente para o pano Poente da muralha, e como tal se ter optado por colocar o “arraial” no planalto do Marshan, deveu-se ao facto de se ter considerado que esse tramo era mais vulnerável. A concentração dos ataques nesse local deveu-se também à grande dimensão da cidade, que inviabilizava um cerco em todo o seu perímetro.
“Em 1437, a tentativa de tomada por parte de D. Duarte confirmaria as classificações de grandeza e densidade populacional da cidade, reconhecendo-se a assimetria em recursos humanos e a consequente impossibilidade de cercar completamente a cidade e combater as forças inimigas, quer as residentes, quer as que pudessem acorrer em socorro da praça.” (CORREIA, 2008, p. 209)
Após a ocupação, ainda no reinado de D. Afonso V, é decidido atalhar a cidade, situação invariavelmente operada pelos portugueses nas praças de Marrocos, e que consistia na construção de uma nova muralha, o atalho, no interior da cerca existente, com vista à redução da sua área. Assim tinha sido em Ceuta e Arzila, assim foi em Tânger, assim seria em Safim e Azamor:
“Parecendo-lhe depois, que a cidade era grande, e necessitava de igual presídio para sua defesa, a mandou cortar, e reduzir a mil vizinhos, tendo antes mais de quatro mil, que isto fazem as mudanças do tempo, e dos impérios.” (MENESES, 1732, p. 34)
Tânger portuguesa
Foram construídos dois atalhos, dos lados Sul e Poente, compostos por dois panos de muralha em forma de L. A construção dos atalhos não só tornou a cidade mais sustentável em termos da sua gestão como “conduziu a uma profunda alteração no sentido e direcção da cidade, empurrando Tânger para o mar por razões defensivas e de acessibilidade. O atalho induziu igualmente um processo de geometrização da cidade, agora regular em toda a sua extensão de frente de terra”. (CORREIA, 2008, p. 217)
O sistema defensivo da cidade do lado de terra era complementado por uma defesa rudimentar que delimitava um território de ocupação diurna, no qual os tangerinos cultivavam alguns bens de primeira necessidade.
“Para proteger-se dos inesperados ataques das tropas dos alcaides marroquinos, e também das tribos armadas dos Berberes da região, os Tangerinos tinham construído diante das muralhas da cidade uma faixa defensiva semicircular composta de tranqueiras, e diante delas um parapeito de pedras amontoadas, o chamado “valo”. (…) Entre o valo e as muralhas da cidade cultivavam as suas hortas, que produziam algumas frutas, legumes e trigo”. (TEENSMA, 2008, p. 27)
No exterior do valo ficava o campo e “às colinas ocidentais daquele campo chamavam-se ‘os Pomares’. Era a partir dali que os Portugueses procuravam erva para os animais, e lenha para as cozinhas” (TEENSMA, 2008, pág. 27). O nome deste local é hoje Marshan.
Vista actual do Marshan
As tranqueiras eram paliçadas de madeira colocadas em determinadas posições para evitar os ataques da cavalaria marroquina e permitir uma retirada em segurança a partir das atalaias. Em redor de Tânger existiam inúmeras tranqueiras, cada uma com o seu nome, como a Tranqueira dos Pomares, a Tranqueira das Canas, a Tranqueira Nova, a Tranqueira de Angera, a Tranqueira de Benamenim, a Tranqueira do Verde, a Tranqueira dos Três Paus, a Tranqueira da Lagem ou a Tranqueirinha.
Este sistema defensivo avançado, com recurso às tranqueiras e ao valo, não seria estranho à antiga cerca desactivada e construções que originalmente protegia, já que a própria configuração semicircular o pode indiciar. A construção dos atalhos pelos portugueses terá deixado vazio um território semi-urbano que pode ter cumprido esse papel fundamental no processo de sobrevivência da população, garantindo um mínimo de bens de primeira necessidade. Nesta perspectiva, o material demolido da anterior cerca, então desactivada, e dos edifícios que abrigava, não só teria sido utilizado para a construção dos atalhos, como também do valo.
Para Carlos Gozalbes Cravioto, este território era utilizado pelos portugueses como local de permanência diurna do gado, o qual era para ali conduzido através da Porta da Traição, que era no fundo o Albacar da cidade. O Albacar era isso mesmo, a porta por onde o gado entrava e saía das cidades muralhadas:
“Nesta zona, os edifícios muçulmanos, arruinados com o tempo, deram lugar a um extenso terreno protegido pelas muralhas da cidade e ao qual as gravuras do século XVII nomeiam como ‘velho prado’ (…) O terreno despovoado protegido pelas muralhas Poente da cidade ficou como recinto para guardar o gado“. (GOZALBES CRAVIOTO, 1984, p. 81)
O farol do Cabo Spartel
O trabalho realizado no exterior da cidade era acompanhado de perigos constantes, pelo que só se efectuava com o apoio dos atalaias, vigias que se posicionavam em pontos altos, geralmente no cume de colinas, vigiados pelos costas, tropa de apoio que ficava na sua rectaguarda, no sopé das mesmas colinas. Periodicamente eram feitas desmatações dos terrenos circundantes, para permitir uma melhor visibilidade e minimizar o perigo de emboscadas.
“Se os atalaias encontravam os seus postos fora de perigo, revelavam isso içando um feixe de feno no topo de uns mastros – ‘fachos’ – bem visíveis da torre da cidade. O vigia – ‘facheiro’ – da torre transmitia então o sinal ‘tudo seguro’ ao Governador, o qual seguidamente mandava lá para fora as levas de homens que trabalhavam no campo. (…) Quando suspeitavam de perigo, os atalaias em campo desciam o feixe de palha do seu facho até o meio da haste. O facheiro central da torre da cidade imitava o gesto, repetindo o alarme visual acusticamente, por meio de badaladas de sino. Logo depois um canhão era disparado, cujos estampidos anunciavam o rebate em todo o contorno.” (TEENSMA, 2008, p. 28)
As atalaias tinham também os seus nomes, como a Atalaia do Palmar, a Atalaia de Xarfe, a Atalaínha da Abóbada, a Atalaia do Meyo, o Facho Novo ou o Facho Velho.
Alguns militares, chamados atalhadores, tinham por missão examinar os terrenos que separavam as atalaias da cidade. “Aos atalhadores competia descobrir os caminhos que levavam aos lugares onde se postavam as atalaias, para darem vista aos sítios perigosos ou propícios a ciladas, bem como observar os trilhos dos mouros e prevenir assim as suas surpresas.” (LOPES, [1937] 1989, p. 43)
Planta “La Baye de Tanger en Barbarie” de Henry Michelot, de 1679, Bibliothèque nationale de France, na qual se encontram representadas as “barreiras da cidade”
O campo exterior à cidade era dividido em terços ou zonas defensivas e ofensivas com organização própria, confiadas a diferentes unidades militares: “Os quatro terços em que de mar a mar se divide o campo”. (TEENSMA, 2008, p. 68)
Os abastecimentos à cidade eram feitos a partir de Portugal, mas os roubos realizados nos aduares vizinhos tinham uma importância decisiva, sobretudo ao nível do roubo de gado e alguns produtos agrícolas, como os cereais. A actividade dos almogávares, tropa de elite encarregue das entradas em território inimigo, constituída pelos “mais moços e briosos”, fazia-se geralmente com recurso a um almocadém mourisco, como era Amete Benalle (Ahmed Ben Ali). Essas incursões iniciavam-se ao cair da noite, com uma aproximação ao objectivo a coberto da escuridão e um ataque às primeiras horas do dia. O regresso era invariavelmente complicado, constantemente flagelado pelas investidas dos mouros e retardado pelo transporte do produto do roubo.
Muitos dos topónimos referidos nas descrições das razias feitas pelos almogávares são a aldeia de Greguis, as ribeiras de Guadalião, Benaíssa, Ramel, Açuani (Oued Es-Souani), Magoga (Oued El-Mogoga) ou de Almargem (Oued El- Halk), as serras de Benamagras (Djebel Beni Medjimel), de S. João (Ain Ad-Dalia), Xarfe (Ach-Charf), Benamaqueda (Beni Makada) e Lomba do Adail (Bahrein).
Uma cáfila nos arredores de Tânger
Os tangerinos pescavam na baía, entre a chamada Almadrava e Alcácer Ceguer, em barcos de pequeno calado, dispondo também de algumas galeotas para protecção dos pescadores e do comércio marítimo.
O rapto de populações tinha também grande relevância, já que permitia arrecadar grandes somas com os resgates feitos pelos alfaqueques. Apesar do clima de guerra reinante, havia algum comércio feito através das cáfilas, nas quais viajavam esses alfaqueques.
“Também vinham de vez em quando de Alcácer Quibir as cáfilas – caravanas – com que mercadores marroquinos, judeus e cristãos viajavam pela região com salvo-conduto. (…) Sob a salvaguarda delas viajavam também os alfaqueques: funcionários oficialmente encarregados do resgate e recondução dos presos dos partidos beligerantes.” (TEENSMA, 2008, p. 31)
Afonso Fernandes, no texto Memorial de Tângere, 1599-1610 revela o nome de três deles, o cristão Baltasar Fernandes e os mouros Bahamu e Ratá.
As informações sobre o inimigo eram tiradas à força aos cativos das almogavérias, mas haviam os chamados mouros de nova, traidores ao seu povo que em segredo vinham vender informações.
O Baluarte do Caranguejo, torreão circular na base do Castelo Novo, que liga os panos Nascente e Norte da muralha
As intervenções mais relevantes inicialmente realizadas na cidade pelos portugueses, durante o último quartel do século XV, foram as que se prenderam com os atalhos construídos a Sul e Poente, a adaptação da Mesquita principal a Catedral e a construção dos dois Castelos, o Castelo Velho e o Castelo Novo, este último já no reinado de D. João II.
O atalho Poente, que corre paralelo às actuais Rue d’Italie e Rue de la Kasbah, tirou grande partido da topografia do local para se sobre-elevar em relação às cotas do terreno extramuros e assim “ganhar” altura. O atalho Sul, que limita a actual Rue du Portugal seria remodelado no início do século seguinte, como adiante veremos.
Uma importante obra realizada no período inicial da ocupação portuguesa foi a construção do Castelo, denominado posteriormente Castelo Velho ou Castelo de Cima, no local da antiga Kasbah Islâmica. A sua construção é atribuída a Rodrigo Anes e era um imponente edifício em estilo tardo-medieval. Fazendo parte do complexo onde o Castelo se implantava, localizava-se o Paço.
Em Tânger é criada uma diocese, sendo a Mesquita principal convertida em Catedral, sofrendo para tal algumas adaptações no seu espaço interior.
Gravura de Tânger no séc. XVI da obra Civitates Orbis Terrarum de Braun e Hogenberg, 1572
A gravura de Braun e Hogenberg representa com detalhe as fortificação da cidade, observando-se os dois castelos, sendo de salientar a Torre de Menagem do Castelo Novo, semelhante à do Castelo de Arzila, e as estruturas de defesa do porto, com destaque para a Couraça, a Barbacã, e a Porta da Ribeira.
Na gravura é também realçada a Rua Direita, arruamento estruturador da cidade, e, no seu início, observa-se a Catedral.
Um elemento fundamental das fortificações das praças portuguesas eram as couraças, tramos de muralha que partiam da cerca na direcção do mar e eram rematados por um baluarte. Tinham a função de proteger o desembarque dos abastecimentos através dos navios e garantir o controlo do porto. A couraça de Tânger partia precisamente do Castelo Novo, conforme se observa também na referida gravura.
Tânger vista do Cabo Malabata
No início do século XVI, D. João III envia o arquitecto biscaínho Francisco Danzilho a Tânger com a missão de reformular as defesas da frente de mar da cidade. Os projectos que Danzilho elabora seriam implementados nos anos seguintes e as obras seriam posteriormente medidas por Diogo Boytac e Bastião Luís.
A intervenção de Danzilho centrou-se no Castelo Novo, Couraça “e nos dois espigões, denominados ‘couracetas’, voltados a Norte” (CORREIA, 2008, p. 235), no reforço da Barbacã e degraus da Ribeira, munindo-a de um alambor, e a reformulação da Porta da Ribeira, que foi protegida com um baluarte. O tramo da muralha situado entre a Porta da Ribeira e o atalho Sul foi quebrada para melhor posicionamento da artilharia.
A Barbacã e os degraus da Ribeira constituíam o parapeito do chamado Chouriço, que era o Terreiro da cidade, espaço exterior onde se realizavam as principais cerimónias públicas, como paradas militares e concentrações da população em ocasiões especiais.
Um dos dentes do atalho Sul e a Rue du Portugal
O atalho Sul foi nesta data quebrado em três tramos através de dentes para reforço estrutural da muralha e para permitir ângulos de tiro rasantes ao seu pano, sendo a sua base reforçada com um imponente alambor:
“A mesma lógica de cortina serrada foi imposta à reconstrução da muralha sul, reforçada por dois dentes, por um robusto alambor que se fundeava no fosso seco e interrompida por um torreão semicircular, hoje perdido.” (CORREIA, 2008, p. 235-237)
O alambor é o alargamento da base de uma muralha, através de um plano inclinado, que trazia várias vantagens em termos de eficácia defensiva, já que afastava os atacantes, inviabilizando a utilização de máquinas de guerra, dificultando a colocação de escadas e evitando a sua minagem, ao mesmo tempo que facilitava o ângulo de tiro dos defensores, que não precisavam de se debruçar para efectuarem disparos.
O Baluarte da Alcáçova e a Porta da Kasbah
Em 1549 Miguel de Arruda chega a Tânger, também enviado por D. João III, onde realiza importantes projectos para modernização das defesas da cidade, que no entanto apenas seriam concretizados por Diogo Telles e Isidoro de Almeida alguns anos depois, já durante a regência de Dona Catarina e no reinado de D. Sebastião.
A principal intervenção do projecto de Arruda é a construção da Cidadela, que vem reformular todo o castelo Velho e dotar o acesso a partir do planalto do Marshan de defesas eficazes, destacando-se o Baluarte dos Fidalgos ou Borj El Kasbah, que defende a sua entrada. É um impressionante baluarte assente num alambor, de altura mais reduzida e forma trapezoidal, típico deste período de especialização da arquitectura militar adaptada à artilharia.
Na confluência dos dois atalhos são reformuladas as características do chamado Baluarte dos Irlandeses ou Cubelo do Bispo. “Trata-se de uma torre quadrada, ainda alta, em estilo medieval tardio, mas já influenciada pelas novas formas abaluartadas do Renascimento”. (CARABELLI, 2012, p. 42)
A Bab El Assa, uma das portas de acesso à Cidadela a partir da Medina
A par das intervenções de caracter militar, os portugueses também introduzem alterações na estrutura urbana, sobretudo a partir de meados do século XVI. Essa estruturação tem por objectivo racionalizar o tecido urbano, conferindo-lhe uma maior lógica e funcionalidade. A Rua Direita constituía a espinha dorsal do tecido urbano, ligando a “baixa à alta”, a Ribeira, a Nascente, às Hortas, a Poente. No percurso ficava o mercado, actual “Petit Socco”, ponto fulcral do comércio de Tânger. As novas lógicas urbanas introduzidas tinham assim como principal objectivo adaptar a cidade ao modo de vida dos portugueses que nela se estabeleciam.
“A regularidade do espaço público começava a definir-se como uma prioridade, renunciando ao tecido islâmico herdado e procurando novas racionalidades geométricas e perspéticas.” (CORREIA, 2008, p. 231)
À semelhança das restantes praças de Marrocos, Tânger era um destino para “várias hostes de soldados, e também, de funcionários do aparelho administrativo, em busca de melhores condições de vida. A maioria dos quais, possivelmente, com intenção de se fixar só algum tempo, findo o qual poderia, no regresso, requerer tenças e mercês usando o argumento dos serviços prestados à Coroa”. (FIGUEIRÔA-REGO, 2007, p. 44)
Os meados do século XVI são aliás um período de transformação radical na política de Portugal em Marrocos. Santa Cruz do Cabo Guer rende-se ao poder dos Xerifes em 1541 e nesse mesmo ano são evacuadas as praças do chamado Marrocos Amarelo, Safim e Azamor, ficando apenas Mazagão, que seria totalmente reformulada. Apenas nove anos depois é tomada a decisão de evacuar também as praças do Marrocos Verde, Alcácer Ceguer e Arzila, mantendo-se na posse de Portugal apenas Ceuta e Tânger.
A Medina de Tânger
Esta situação origina movimentos de populações para as cidades que Portugal conserva, chegando a Tânger uma importante comunidade de judeus vinda de Azamor e muitos militares e religiosos originários de Arzila.
Um episódio que Benjamim Teensma refere no texto de Afonso Fernandes é a descrição da chegada à praia de Tânger doze levas de mouriscos expulsos da Península, num total de 3.281 pessoas, ali abandonados à sua sorte, pelo facto de não existir capacidade para os acolher.
“Aí chegados, todos esses homens foram abandonados à sua sorte – à excepção duma dezena de pessoas que se declarou cristã – porque a cidade não pôde nem quis acolhê-los. (…) Entre aqueles infelizes, na praia, cresceu rapidamente a miséria. O Memorial descreve, em comoventes termos, como ao princípio passaram largos das sentados na areia (…) O único remédio foi dirigirem-se à mais próxima cidade muçulmana, e ali tratarem de se integrar na sociedade existente. Essa cidade era Alcácer Quibir.” (TEENSMA, 2008, p. 33)
Exemplo da apropriação da muralha pelos Tangerinos
Em 1661 Portugal entrega Tânger, juntamente com Bombaim, como dote do casamento de Dona Catarina de Bragança, filha de D. João IV, com o rei Carlos II de Inglaterra.
As obras de fortificação que os ingleses realizaram nos finais do século XVI e as levadas a cabo por Sidi Mohammed Ben Abdellah no século XVIII e por Mulai Slimane no século XIX adulteraram muitos dos vestígios deixados pelos portugueses.
“Embora existam publicações que nos permitam ajudar ao conhecimento das muralhas, seria desejável um estudo evolutivo completo sobre o conjunto, discernindo por épocas os distintos elementos da fortificação, tanto os que já desapareceram, como os que perduram, realizando um estudo de estratigrafia parietal nestes últimos. De igual modo, o estudo de alguns elementos como as couraças, a barbacã, as torres, etc, pode-nos definir e precisar ainda mais as tipologias e os conceitos.” (GOZALBES CRAVIOTO, 2008, p. 25)
Um passeio hoje pelas muralhas de Tânger mostra a sua apropriação por parte dos habitantes da cidade, que a utilizam como parede das suas casas e vão minando a sua resistência com a abertura de vãos e redução da sua espessura. Vários baluartes são utilizados como compartimentos e como terraços. Esta situação coloca num risco evidente a sobrevivência de alguns tramos a médio prazo, observando-se inclusivamente nalgumas zonas risco de ruína, para além de inviabilizar a sua fruição pela colectividade.
Muy interesante. Un cordial saludo desde Tanger
Chukran jazilan. Un saludo desde Portugal
Excelente trabalho. Muito obrigado por permitir que o seu trabalho seja partilhado.
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