O Borj Nador, atalaia portuguesa da Praça de Safim, construída em 1510 na falésia de Sidi Bouzid
As praças-fortes portuguesas em Marrocos organizavam-se de modo a subsistir num contexto extremamente hostil, o que levou os portugueses a abri-las para o mar, de onde chegavam os abastecimentos e o auxílio militar, e voltando costas à terra, a fonte de todos os perigos. No entanto, as Praças não podiam viver totalmente dissociadas do território envolvente, pelo menos daquele que se encontrava mais próximo. Todas elas dispunham de um chamado Campo Exterior, área extramuros de utilização diurna, defendida por elementos construídos de carácter precário aliados a procedimentos rotineiros, onde se recolhia lenha, se desenvolvia uma agricultura de subsistência e onde o pouco gado podia pastar. Mas o campo exterior não era apenas isso, já que cumpria um papel muito importante enquanto escape à sensação de aprisionamento em que a população de encontrava, permitindo saídas fora de portas, especialmente necessárias para o equilíbrio psicológico dos habitantes.
Este texto aborda o campo exterior de três praças-fortes, Arzila, Tânger e Mazagão. A definição dos seus campos exteriores é o resultado do cruzamento de diversa informação, desde logo a análise do trabalho de Adolfo Guevara realizado sobre Arzila, a pesquiza de fontes bibliográficas, o estudo da cartografia disponível, a topografia do terreno, a toponímia e as evidências que os seus elementos deixaram nas cidades actuais ao nível do traçado urbano e de zonas homogéneas.
O Outeiro de Fernão da Silva, atalaia do Campo de Arzila
A formulação dos princípios sobre os quais se baseava a estrutura dos campos exteriores de Arzila, Tânger e Mazagão, é assim uma abordagem a cenários possíveis, contendo aspectos que podemos considerar especulativos, sobretudo ao nível da denominação dos seus elementos e da toponímia. Com efeito, muitos topónimos referidos no texto são impossíveis de referenciar no terreno, como escreve a esse propósito Robert Ricard na sua obra Études sur l’histoire des Portugais au Maroc citado por Benjamin Teensma no Diário Tangerino de Afonso Fernandes: “Em Ceuta como em Tânger e em Mazagão, os Portugueses elaboraram na sua língua e para seu uso pessoal toda uma toponímia particular: tanto evoca um aspecto da paisagem – por exemplo Cabeça Ruiva – tanto a lembrança de um fidalgo que se distinguiu nesse lugar, de um soldado que aí foi morto, etc., por exemplo o outeiro de Martim Gomes. Toda esta toponímia está hoje morta: é mais ou menos impossível actualmente determinar ao que corresponde no terreno, e é preciso resignarmo-nos a deixá-la de lado” (TEENSMA, 2008, pp. 50-51).
O próprio Adolfo Guevara tem uma interessante afirmação a propósito do seu trabalho sobre o campo exterior de Arzila: “Não existindo plano, nem desenho algum da época, que nos descreva a implantação deste sistema defensivo, fácil é compreender a impossibilidade de traçá-lo, e apenas baseando-nos em relatos do cronista contemporâneo, atrevemo-nos a publicar um ‘croquis’, do sector nordeste, contando com a benevolência dos nossos amáveis leitores, com o desejo de dar uma vaga ideia daqueles muros e paliçadas” (GUEVARA, 1940, pp. 31-32).
Atalaias portuguesas para vigia do Estreito de Gibraltar
Basicamente a situação de isolamento das Praças Portuguesas correspondia em teoria a um território envolvente despovoado, já que a acção das incursões de contra-guerrilha realizadas pelos chamados almogávares afastavam as aldeias anteriormente existentes, criando uma espécie de terra de ninguém, que se encontrava de certa forma instituída no acordo de paz de 1471 celebrado entre o Reino de Portugal e o Reino de Fez. Este território era na prática um território disputado, que tinha para os portugueses uma importância fundamental para a sua segurança e logística, e para os marroquinos enquanto zona de pressão sobre a vida diária das Praças Portugueses, onde podiam causar grandes danos com recurso a forças de reduzida dimensão. “As praças, criaram em poucos anos, uma extensa zona despovoada ao seu redor, devido às contínuas razias e cavalgadas portuguesas, tão frequentes em todas as fronteiras medievais. O próprio cronista dos primeiros anos da Ceuta portuguesa, Gomes Eanes de Zurara, nos diz que toda a costa do Estreito, até chegar a Almarça (uns 13 Km a Oeste de Ceuta), ficou despovoada” (GOZALBES CRAVIOTO, 1980, pp. 150-151).
Logo após a conquista de Ceuta, o modelo sobre o qual assentaria a generalidade dos campos exteriores das praças-fortes fica definido, com a criação de uma zona de segurança do lado de terra, posteriormente utilizada de forma precária. Muitos habitantes de Ceuta foram massacrados durante a conquista da cidade, e os sobreviventes foram expulsos para o arrabalde Poente. Junto à Porta de Fez, concentram-se uns milhares de pessoas que não arredam pé, chorando os seus familiares mortos que se amontoam nas praças da cidade. Durante os primeiros dias que se seguiram à ocupação, permanecem junto dos muros, dando luta permanente aos portugueses, que faziam surtidas esporádicas sem se afastarem em demasia. A zona era densamente arborizada e as ciladas eram uma constante. Muitas árvores foram então derrubadas, valados destruídos e mato queimado, com o objectivo de se criar uma zona de segurança com pelo menos uma légua de extensão, com boa visibilidade e sem condições para que os mouros se escondessem. Ao fim de vinte dias a multidão começou a afastar-se, refugiando-se nas quintas e hortas circundantes. Zurara comenta assim o sucedido:
“Depois que foram afastados da sombra dos muros da Cidade, começaram a se apartar por entre as espessuras dos arvoredos de suas Hortas, e Pomares, e não havia aí tal, que logo à primeira chegada pudesse ter segurança por muito escuso, que o lugar fosse; assim vinham amedrontados da grande mortandade, que viram fazer em seus Pais, filhos, e parentes, e naturais, que o som que o vento fazia nas árvores lhes gerava temor; mas depois que a noite começou de vir cobraram eles já quanto quer de maior atrevimento: e assim começaram a sair daqueles matos, cada um por sua parte, e chamar-se uns aos outros pelos seus próprios nomes, as mães chamavam os filhos, os maridos as mulheres, e aqueles que se acertavam de se acharem, cobravam algum pequeno remédio para seu conforto, ainda que lhes muito não pudesse durar; porque a lembrança da sua perda geral não se podia esquecer, por outra nenhuma coisa de melhoria por grande que fosse, e sobretudo porque não havia aí nenhum, que não tivesse que chorar, porque a alguns faleceram filhos, e a outros mulheres, e a outros parentes, e amigos; e porventura que tais aí havia a que faleceram todos, e assim começaram de fazer seu pranto muito dorido, chorando sua perdição (…) Muitos eram os que se iam para as Herdades, e Quintas (…) outros aí havia que se lançavam a chorar pelos cômaros dos valados de suas Hortas, em fim daquele triste pensamento (…) A outros sobrevinha tamanha bravura (…) Ora pois, diziam eles, porque quebrantaremos nós, o que com tanto trabalho ganhamos; pode ser, que Deus obrará em nós com sua misericórdia, e tornar-nos-á posse de nossa Cidade, a qual ainda que al não fosse, é tão longe do Reino de Portugal, que estes Cristãos a não poderão largamente manter.” (ZURARA, [1463] 2015, pp. [248-252] 44-48)
A Igreja de Santa Maria de África em Ceuta
Sobre a limpeza dos terrenos mais próximos da cidade, Zurara refere que a saída para o campo sempre seria perigosa enquanto aqueles valados e arvoredos ali estivessem. Mandou o Conde que “cortassem aquelas arvores (…) que derrubassem as cerraduras, e paredes das Hortas, e Pomares, e assim os valados” (ZURARA, [1463] 2015, p. [260] 56).
O conde D. Pedro de Menezes manda então construir várias atalaias, como a Atalaia da Porta de Fez e a Atalaia de Cima, torres edificadas em outeiros vizinhos, onde são colocadas as escutas, que vigiavam os movimentos do inimigo e alertavam para qualquer perigo. As atalaias davam também cobertura aos habitantes que saíam pelas portas em busca de lenha e frutas. “Entre as coisas que o Conde ordenou para guardar a Cidade assim foram as Atalaias, as quais foram postas logo primeiramente sobre Barbaçote num outeiro, que aí está” (ZURARA, [1463] 2015, p. [263] 59).
Foram trazidos cavalos para Ceuta, já que os que tinham ficado após a tomada da cidade eram em número muito reduzido, aumentando assim o raio de acção dos portugueses e a eficácia dos seus ataques. A construção das atalaias e a chegada dos cavalos empurrou ainda mais os mouros para fora dos limites da cidade. Foram ocupar as encostas das Serras da Ximeira e da Gomeira e concentraram-se em aldeias e vales, como são exemplo os vales de Laranjo, Bulhões, Barbeche, Castelejo ou Negrão, onde se defendiam mais eficazmente das surtidas dos portugueses, ou os lugares de Romal, Albegal, Almarça, Água do Ramel, ou Alvergal. (ZURARA, [1463] 2015, pp. [277, 282, 288, 291, 315, 327, 369 e 411] 73, 78, 84, 87, 111, 123, 165 e 207)
Torre de atalaia na Serra da Ximeira junto a Ceuta
A guerra nas praças portuguesas em Marrocos fazia-se sobretudo nos terrenos que as circundavam, já que os seus habitantes, apesar de confinados ao perímetro muralhado enquanto reduto seguro, precisavam de sair dele todos os dias para efectuar tarefas fundamentais à sua subsistência. A recolha de lenha era uma delas, o desenvolvimento de uma agricultura de carácter precário e de produção extremamente limitada era outra, a garantia de pasto para as poucas cabeças de gado que detinham outra ainda. Sem essas actividades a vida nas praças seria muito mais dura, não só porque permitiam que a dieta dos seus habitantes não se limitasse ao biscoito e carne seca, mas fosse também composta por alguns frescos, para além do próprio aspecto psicológico que tinha a saída diária fora de portas, que atenuava a sensação de encarceramento que a vida nas praças originava. Para garantir que essas tarefas se realizavam com um mínimo de segurança e eficiência, os portugueses desenvolveram sistemas defensivos engenhosos, sujeitos a procedimentos rotineiros rígidos, estruturando um modelo de vigilância e de defesa capaz de assegurar a segurança dos trabalhadores agrícolas e da própria praça, que se desguarnecia momentaneamente durante os períodos em que as portas estavam abertas.
O campo exterior, entendido como sendo os terrenos envolventes à praça, onde se realizavam diariamente as actividades relacionadas à agricultura e criação de gado, era organizado de forma racional e sistematizada, tirando plenamente partido da sua área, hierarquizado, distribuindo as funções de acordo com a sua importância e necessidades de mão de obra, e militarizado, criando obstáculos a possíveis ataques e permitindo a todo o momento a sua evacuação com toda a segurança. O sistema era baseado numa simbiose entre elementos construídos precários e procedimentos rotineiros.
Campo estruturado com valos
Podemos hierarquizar o campo exterior em três zonas com características distintas – o Campo Exterior Consolidado, a Terra das Atalaias Curtas e a Terra das Atalaias Longas.
O Campo Exterior Consolidado era a zona onde se praticava uma agricultura de subsistência e as pastagens para o gado, e era estruturado por meio de dois elementos fundamentais, os valos e as tranqueiras. Os valos eram muros de pedra solta com uma altura de cerca de um metro de setenta. Estes muros eram como que uma segunda muralha, mais rudimentar, cuja função era a de evitar ataques súbitos com utilização de cavalaria, que pudessem colocar em causa as manobras de evacuação para o interior da praça. O valo principal encerrava o perímetro exterior do terreno e os valos secundários dividiam o terreno em talhões, desenhando os seus caminhos. As tranqueiras, paliçadas de madeira fixas ou amovíveis, funcionavam como portas dos caminhos definidos pelos valos e talhões. A actividade agrícola era também hierarquizada, colocando-se as hortas na zona mais próxima da praça, e as vinhas, pomares, searas e pastagens nas zonas mais afastadas.
A Terra das Atalaias Curtas correspondia geralmente à zona de recolha de lenha e de caça, delimitada pelos fachos, atalaias que podiam ser simples colinas ou torres construídas, e que se subordinavam em termos hierárquicos a uma atalaia-mãe, geralmente denominada o Facho.
A Terra das Atalaias Longas era um perímetro mais alargado, onde as sentinelas eram colocadas aos pares e em turnos de 12 horas. Segundo Adolfo Guevara, as atalaias longas em Arzila correspondiam a uma zona de vigilância sazonal, que atingia uma distância de oito a dez quilómetros da cidade, normalmente relacionada com a época das colheitas, aumentando o tempo entre o alerta e a evacuação (GUEVARA, 1940, p. 43), mas em Tânger, segundo o Regimento do Campo de Tangere, escrito pelo Almocadem Braz Fernandes Couto, era uma zona de vigilância diária (MENESES, 1732, pp. 284-295).
As denominações facho e atalaia parecem assim ter um significado diferente, sendo o primeiro uma estrutura elaborada e com comunicação visual com a praça, e a segunda uma simples posição de vigilância num lugar situado nos terrenos mais afastados. No entanto, em Arzila, a denominação facho é apenas atribuída à atalaia-mãe, ou seja, à única que comunicava com a torre de menagem do castelo.
Em 1511 o rei de Fez capturou o facheiro de Arzila, Álvaro Gomes Galego, “esperto e de bom recado, por se louvar que não havia coisa no campo, que do Facho divisasse, de que não desse inteira fé, era tido por homem de grande vista, até afirmar cousas que parecem fora de razão”. A tropa do rei de Fez era muita e bem armada e a captura deste facheiro era importante pelas suas qualidades de vigia que tinha. Ainda acorreram em sua defesa o adail Pero Godinho e outra tropa que estava de vigia nas Lombas do Corvo e no Bugano, mas não evitaram a sua captura. O alcaide Alcácer deu ordem para lhe arrancarem os olhos, mas o rei de Fez intercedeu para não o fizesse e tal maldade não lhe foi feita. Álvaro Galego morreu no cativeiro em Fez. As qualidades das atalaias das praças eram fundamentais para a sua segurança e eram um alvo especial dos ataques dos mouros (RODRIGUES, [156-] 1915, pp. 73-74).
O Rio Doce ou Oued Lahlou em Arzila
No ano de 1526 o rei de Fez correu o campo de Arzila e matou uma atalaia e capturou outra. “Estando duas atalaias no Tojal sobre o Rio Doce e outras duas sobre o vale de Jorge Vieira, todos quatro homens de bom recado, estava el-rei em Alfandequim, a um tiro de besta ou de espingarda deles, e, vendo que as atalaias estavam a bom recado, por estarem todos quatro a cavalo, determinou el-rei de os mandar assaltar a pé (…) Alebenaix com outros sete ou oito do Farrobo, a pé, pelo ervaçal e com as barrigas polo chão e as lanças polo alvado, vieram de surpresa junto das atalaias, sendo um Francisco Lopes Galeguinho, homem mancebo, assaz vivo e esperto e de bom recado, e o companheiro o Encalmado (…) e, como Francisco Lopes era homem vivo e acordado, pondo a diligência na salvação dos pés e deitando-se polo Tojal abaixo, se pudera muito bem salvar dos de pé que atrás dele vinham, mas, como seu fado era chegado, ele foi logo alcançado da gente de cavalo, que logo saiu do Pontal, e com infindas de lançadas ficou morto, e o companheiro, deitado fora do caminho, foi cativo e levado a el-rei pela língua (…) Logo ao outro dia fomos por Francisco Lopes, o qual achamos despojado de toda carne, ou de muitas lançadas, ou repasto dos animais; e deixou Joana Fernandes, sua mulher, muito moça e assaz formosa” (RODRIGUES, [156-] 1919, pp. 26-27).
Algumas praças tinham o seu campo exterior naturalmente protegido, como Ceuta e Azamor. Relativamente a Ceuta, a existência de uma muralha envolvendo a Medina e separando-a dos diversos arrabaldes consumou naturalmente o processo de atalhamento da cidade sem necessidade de recorrer a obras. Os portugueses instalam-se na Medina e arrasam os arrabaldes, que transformam progressivamente em campos de cultivo e pomares. As antigas muralhas defendiam os campos cultivados, e como estes se situavam na Península Almina, eram inacessíveis a partir do território exterior, já que a Medina separava uns dos outros (CORREIA, 2008, p. 95). No seguimento da conquista de Azamor, os portugueses cortaram a cidade em dois, por intermédio de um muro de atalho, instalando-se na parte mais próxima da barra do Rio Morbeia. Seguidamente os edifícios da cidade destinada aos marroquinos são demolidos, mantendo-se a muralha que os protegia, transformando-se a zona demolida em zona de cultivo. “Seguir-se-ia a destruição da vila velha, cujo terreno seria destinado a hortas e pomares. Os materiais das casas que fossem destruídas seriam aproveitados, e dar-se-ia uma indemnização aos proprietários” (DIAS, 2004, p. 133).
A Torre de Menagem do Castelo de Arzila
A vida nas praças estava intimamente relacionada com a própria actividade desenvolvida no campo exterior e seguia um procedimento rotineiro diário. Às primeiras horas do dia saíam os escutas, atalhadores ou monteiros (RODRIGUES, [156-] 1919, p. 130), que examinavam cuidadosamente todo o campo, procurando infiltrados que se tivessem escondido durante a noite para emboscar os lavradores. Após a inspecção ao campo feita pelos atalhadores, saíam os atalaias, que ocupavam as suas posições no cimo de determinadas colinas. Com eles iam os costas, que lhes davam protecção, posicionando-se na base das mesmas colinas. Se o campo estivesse seguro, os atalaias informavam o Facho dessa mesma situação e o facheiro içava uma cesta forrada com pano num mastro situado no cimo da torre. O sinal era recebido na torre de menagem do castelo e o governador dava então ordem para os trabalhos no campo se iniciarem através de cinco badaladas do sino. Ao mínimo sinal de perigo, o facho era arreado dando o alerta. Da torre de menagem partia a ordem de evacuação do campo exterior, comunicada através de tiros de canhão, de badaladas de sino ou de sinais de fumo ou fumaças. Toda a gente voltava para o interior da praça o mais depressa possível e a porta era fechada.
Chamava-se a este sistema defensivo, que combinava defesas precárias com procedimentos rotineiros rígidos, segurar o campo. Robert Ricard atribui a este sistema o sucesso da longevidade da ocupação portuguesa de Ceuta, Tânger e Mazagão, afirmando que “os Portugueses praticavam toda uma técnica que corrigia em parte os inconvenientes da ocupação confinada. Esta técnica consistia de um sistema complexo de vigias, sentinelas e batedores, que permitiam organizar a segurança dos arredores da praça durante parte do dia; esta operação chamava-se segurar o campo e, quando estava realizada, dizia-se que o campo estava seguro. Graças a esta organização, era possível assegurar o abastecimento da cidade, particularmente em água, madeira e forragem, e a liberdade da caça e da pastagem, sem ocupar propriamente o território, e consequentemente sem despender o esforço militar e financeiro que implica uma ocupação propriamente dita” (RICARD, 1933, pp. 448-449). A eficácia do sistema de alerta baseado nas atalaias foi comprovada pelo vice-rei de Granada, quando fez escala em Arzila. Nessa ocasião, o capitão de Arzila D. João Coutinho fez-lhe uma demonstração do estado de preparação da sua praça para qualquer eventualidade. “Quando andavam na visita do campo, o conde mandou derrubar o facho, que estava na atalaia do Facho, e logo a torre do sino deu a rebate e em momentos viu junto de si 250 de cavalo, bem armados, o que o marquês muito admirou e louvou” (LOPES, [1937] 1989, p. 48).
Cavaleiros árabes
Todo este sistema defensivo era complementado com um outro, ofensivo ou preventivo, baseado na actividade dos almogávares, força de intervenção rápida que funcionava como uma espécie de contraguerrilha. “É a guerra de surpresas e de ciladas, aproveitando os acidentes do terreno ou a escuridão da noite” (LOPES, [1937] 1989, p. 43). Os almogávares eram uma força inspirada nos corpos militares criados pelas coroas de Aragão, Valencia, Castela e Portugal durante a conquista cristã da Península, com o mesmo nome, composta por indivíduos recrutados entre os camponeses, pastores e lenhadores das zonas de fronteira. O termo vem do Árabe Al-mighuar (pl. Al-maghauir), que significa corajoso. Os almogávares portugueses da guerra de Marrocos eram uma força de elite, composta pelos “mais moços e briosos” (TEENSMA, 2008, p. 37), que tinha por missão fazer incursões em território inimigo, destruindo colheitas, roubando gado e fazendo cativos, com o objectivo de pacificar as populações ou afastá-las para áreas mais remotas, para além de combater os mujahidin ao serviço do rei de Fez. As suas acções tinham o nome de almogavérias, entradas ou correrias, e destinavam-se sobretudo a evitar que a partir das aldeias vizinhas às praças surgissem ataques conta as mesmas. Eram comandados por um almocadém, do árabe al-muqqadam, que significa o que precede, o que vai à frente.
David Lopes escreve o seguinte sobre os almogávares: “Para encaminhar esta gente nas corridas dos capitães ou nas almogavérias havia guias que bem conheciam os caminhos; esses guias chamavam-se almocadéns, que eram, em regra, mouros do campo convertidos ao cristianismo, isto é, mouriscos. Eram pessoas de toda a confiança dos capitães, porque deles dependia a vida da gente. Alguns tornaram-se notáveis e os seus nomes figuram nas crónicas da época. Por exemplo: Diogo Lopes de Safim, de quem muito fala Damião de Góis nas façanhas de Nuno de Ataíde, ou Pero de Menezes em Arzila, como refere Bernardo Rodrigues em muitas partes da sua obra” (LOPES, [1937] 1989, p. 43).
Afonso Fernandes no seu Memorial de Tangere, 1599-1610 refere-se a Amete Benalle (Ahmed Ben Ali) como um valoroso almocadém de Tânger. Esta afirmação de David Lopes mostra bem o clima de guerra permanente que se vivia nas praças de Marrocos: “Assim, pois as praças viviam na obsessão da guerra. (…) o capitão tinha sempre o seu cavalo selado. Dado o rebate ele não tinha senão de vestir uma saia de malha e montar a cavalo, para acudir onde fosse necessário. Na fronteira de Safim, nos aduares dos mouros, desde a meia-noite, os cavalos ficavam selados para o mesmo fim” (LOPES, [1937] 1989, p. 48).
Gravura de Arzila de 1572 de Braun e Hogenberg, Civitates Orbis Terrarum. Biblioteca Nacional de Portugal. A gravura representa o campo exterior da cidade rodeado de colinas, o Rio Doce do lado Norte (à esquerda na imagem) e o Facho (no centro da imagem, ao fundo)
David Lopes faz referência aos elementos que estruturavam o campo exterior de Arzila: “Para estorvar os movimentos da cavalaria inimiga, para lá da cava fizeram-se valas ou trincheiras de pedra ou de terra, com ruas e tranqueiras nos extremos e meios delas, para suportar a fúria da gente de cavalo; e desfeitas pelos mouros muitas vezes, umas e outras facilmente se levantavam de novo” (LOPES, 1925, p. 70). Após o cerco de 1516, o capitão de Arzila deu ordem para que as defesas do campo exterior fossem rapidamente refeitas: “Levantado o cerco e os mouros idos, o conde deu logo ordem para limpar a cava e tapar as que os mouros fizeram e em fazer os valos, trabalhando nesta obra toda a gente, assim de fora como a da vila” (RODRIGUES, [156-] 1915, p. 202).
A vigilância do campo exterior e da praça estava confiada a várias forças armadas: “A gente de guerra era de cavalo e de pé. A gente de cavalo compreendia os cavaleiros armados de lança, os armados de besta e espingarda e a gente do campo. Era a mais importante e conveniente à guerra dos mouros. Entre os primeiros alguns eram encobertados, isto é, os cavalos iam vestidos de cobertas de couro. Tanto os besteiros e espingardeiros como a gente do campo tinham por capitão privativo o anadel. A gente do campo eram as atalaias, os atalhadores e escutas e os almocadéns” (LOPES, 1925, p. 67).
Bernardo Rodrigues descreve o Facho. Diz o cronista: “A ordem que no Facho se tinha era que no caramanchão havia um grande mastro de uma caravela, e no topo dele uma gaiola, onde o facheiro se metia subia pelos seus degraus, e da gaiola saia um mastaréu, em cima do qual o facheiro guindava o facho; isso fazia depois dos valos descobertos” (RODRIGUES, [156-] 1915, p. 73).
O sistema de vigia do exterior da praça também se fazia do lado do mar. Em Arzila, quando era detectado qualquer barco corsário, o alerta era dado através de sinais de fumo ou fumaças, a partir do Baluarte da Couraça, como conta Bernardo Rodrigues a propósito de uma incursão do corsário de Larache, Quartão arráiz. “Neste verão e tempo em que passava o que está contado e apontado, Quartão, arráiz da fusta de Larache, de quem já falei, quando nos correu quando vínhamos de Azamor, veio a entrar por mar e do Cabo Branco saiu aos barcos de pescar com sua fusta; e, sendo visto pelas atalaias e dado o rebate acostumado e feita sua fumaça no baluarte da Couraça, que era o sinal que havia navio de remos, os barcos, tomando rebate da bombarda e vendo a fumaça, conhecendo que era navio de remos, se vieram recolhendo, mas primeiro chegou a fusta a um deles e, pondo-lhe o esporão em cima, os do barco levantaram o remo, dando-se por entregues” (RODRIGUES, [156-] 1915, p. 349).
Os desenhos de Adolfo Guevara sobre o campo de Arzila
O trabalho de Adolfo Guevara publicado em 1940 na obra Arcila durante la ocupación portuguesa (1471-1549) inclui três desenhos sobre o campo exterior dessa praça.
O primeiro, denominado Croquis del Campo exterior de Arcila, representa aquilo que podemos chamar de Campo Exterior Consolidado, ou seja, o perímetro definido pelos valos. Abarcava uma área de cerca de 130 hectares, contra os apenas oito hectares da área muralhada da cidade, e tinha um perímetro de cerca de seis quilómetros, dos quais três quilómetros e meio eram cercados por valados ou valos. Existiam dois valados principais _ um ao longo da praia, chamado Valo do Rio Doce, e outro na frente de contacto com o interior do território, a Nascente, ligando as 3 atalaias principais _ o Facho, a mãe de todas as atalaias, o Outeiro de Fernão da Silva e o Outeiro de Pero Cão, chamado Valo Interior do Rio ao Facho. Dos lados Norte e Sul o campo era protegido naturalmente por dois cursos de água, sobretudo pelo Rio Doce ou Oued Helu do lado Norte. O Facho era uma torre construída e tinha a função de centralizar toda a informação emanada dos terrenos circundantes, nomeadamente das chamadas atalaias curtas, que adiante se referem, e enviá-la para a torre de menagem da praça, a partir da qual eram dados os alertas. “O Rio Doce era a um tiro de bombarda da vila” (LOPES, 1925, p. 98).
No campo, as hortas ocupavam o lugar mais próximo das muralhas da cidade, pelo facto de exigirem a maior parte da mão-de-obra e de guardarem os alimentos mais valiosos. Ao longo do fosso do atalho, entre os Baluartes de Tambalalão e de Santa Cruz, ficava o Terreiro das Hortas, com destaque para a Horta do Conde, governador da praça. Entre esse Terreiro das Hortas e o Facho situavam-se outras hortas, estruturadas através de um caminho de ligação e quatro caminhos perpendiculares, delimitadas por muros de pedra. Para fechar esses caminhos em caso de ataque, sobretudo com cavalaria, eram colocadas tranqueiras ou paliçadas, estruturas de madeira amovíveis que funcionavam como portas. “Este sistema de barricadas e paliçadas impediam todas as manobras da cavalaria marroquina, que periodicamente corria a vila, tendo que avançar por estreitas ruelas, derrubando troços de muros, em diversos sítios, a fim de poder evoluir com certo desafogo” (GUEVARA, 1940, p. 31). Nas áreas mais afastadas do campo ficavam os pomares e o laranjal, onde também se cultivavam cereais, a vinha e as pastagens para o gado. A zona Norte do campo era designada Pontinhas. Cada tranqueira tinha o seu próprio nome, como a Tranqueira do Facho, a Tranqueira do Meio, a Tranqueira de Baixo, a Tranqueira Nova, a Tranqueira de João Coelho, a Tranqueira do Cano Quebrado, a Tranqueira do Laranjal, a Tranqueira do Meirinho, a Tranqueira das Pontinhas e a Tranqueira do Adro.
O actual local onde se situava o Facho de Arzila e a sua ligação visual com a Torre de Menagem do Castelo
O segundo desenho é denominado Campo Exterior de Arcila, Emplazamiento de las Atalaias Curtas e representa a rede de atalaias que rodeavam o campo exterior, a uma distância de entre dois quilómetros e meio e cinco quilómetros. Guevara refere que as atalaias curtas comunicavam com o Facho por meio de trombetas (GUEVARA, 1940, p. 42). Os seus nomes eram Atalaia do Corvo, Atalaia de Bugano, Atalaia Gorda, Atalaia do Mar e Atalaia Ruiva. Nos períodos das colheitas a área de vigilância em torno de Arzila era ampliada para um raio de oito a dez quilómetros, somando-se às atalaias curtas as atalaias longas, o que aumentava significativamente o tempo de alerta disponível. Activadas as atalaias longas, e ampliada a área do campo exterior da praça, organizavam-se caçadas aos javalis, coelhos, antílopes e gazelas. Frequentemente organizavam-se batidas aos leões e chacais, responsáveis por várias mortes de lavradores e de cabeças de gado, como refere Bernardo Rodrigues: “Nestes dois anos vieram tantos leões ao nosso campo que, depois de terem gastado os porcos e toda a outra alimária, vinham ao redor da vila buscar de comer, donde afirmo que matamos às lançadas vinte e seis leões, fora outros que matamos às espingardadas” (RODRIGUES, [156-] 1919, p. 181).
Aliás, os animais selvagens eram uma ameaça constante, e foram-no sobretudo nos anos de 1530 e 1531, em que mataram muito gado e se aproximaram do muro da vila. Quando era necessário conduzir gado depois do sol-posto, os ataques dos leões eram frequentes, dispersando o gado, ao que os cavaleiros procuravam manter os rebanhos, avisando-se uns aos outros gritando “Guarda leão, guarda leão, cá vai á mão direita, lá vai á mão direita!” Mas quando o gado se acalmava, os leões atacavam. Certo dia um leão lançou-se no fosso de Arzila para comer cinco porcos que nele pastavam. “E, do que é mais de espantar, tornar a sair, tendo trinta e cinco ou quarenta palmos de alto, que, como fosse sentido e do muro lhe dessem grande grita, desonrando-o de vilão, e que não sairia dali e seria morto e pagaria a ousadia que teve em entrar na cava, o que muito é de notar, que, vendo e sentindo a grita do muro, não quis comer os porcos, por não se fartar e depois de farto não poderia saltar o porto que saltou, tornando-se a sair da cava, e, para o poder fazer, subiu no cano que atravessa a cava, por onde vai a água á Açacaia, e tantas vezes a tentou saltar que pegou as unhas nas pedras e cantos de cima, e tanto afirmou que saiu fora; e hoje em dia estão as unhas afirmadas e assinadas nos cantos do alambor e estas riscas e sinais das unhas deste leão parece, por a pedra de Arzila ser arisca e da qualidade das mós de barbeiro” (RODRIGUES, [156-] 1919, pp. 147-150).
O campo exterior de Arzila (interpretação do desenho de Guevara), e suas cicatrizes na actual cidade
O terceiro desenho tem o título de Region de Arcila, Toponimia Portugueza en el Siglo XVI. Representa a área das saídas dos almogávares, que se estendia desde o Jebel Habib até ao Campo de Alcácer Quibir, assinalando os locais mais atacados pelos portugueses. Guevara tem um capítulo dedicado à organização da resistência marroquina (GUEVARA, 1940, pp. 67-74), que se baseava em dois sectores principais. O sector Nascente, que agrupava as tribos dos Jebel Habib, Beni Mesuar e Beni Idder, dependia da alcaidaria de Chefchauen. Neste sector foi criada uma força de almogávares mouriscos expulsos da península comandados por Ali Fernando, conhecido pelos cristãos como Martinho Elche, irmão de Catalina Fernandez ou Lalla Zuhra, mulher do Alcaide de Chefchauen, Mulai Ali Berrachide (GOZALBES BUSTO, 1988, p. 463). Por ordem de Mulai Ali Berrechid, foi construído um castelo como seu posto avançado “ao pé de Almeida, junto ao Rio Farrobo” (GUEVARA, 1940, p. 68). O sector Sul, que agrupava as tribos Beni-Arous, Beni Gorfet e Ahl-Serif dependia da praça de Ksar El-Kebir.
O interessante é que os alcaides marroquinos criaram um sistema defensivo nas aldeias semelhante ao que os portugueses criaram para Arzila, que consistia de paliçadas de madeira de protecção e sistemas de alerta baseados em atalaias e pequenos fortes, formando uma “linha de observação, que partindo do Jebel-Habib, continuava por Beni-Arous, Beni Gorfet, Ahl-Serif, Mejazen, Uarur e outeiros próximos de Alcácer”. As planícies situadas entre as atalaias portuguesas e as marroquinas eram consideradas “terra de ninguém e estavam desabitadas” (GUEVARA, 1940, p. 68). Existem relatos que falam de populações refugiadas nas montanhas com o seu gado e da existência de tuneis para garantir a sua fuga (GUEVARA, 1940, p. 69). David Lopes refere a importância da Ponte de Alcácer para a segurança de Alcácer Quibir: “Os mouros de Alcácer tinham sempre guardas na Ponte de Alcácer (a uma légua da cidade) que davam sinal por meio de fogos ou almenaras” (LOPES, 1925, p. 101).
As atalaias de Arzila e a área de saída dos almogávares (interpretação dos desenhos de Guevara)
Como conclusão da análise do trabalho de Guevara, podemos afirmar que, apesar de efémera e precária, a estrutura defensiva que os portugueses implantaram no campo de Arzila acabou por perdurar, em elementos urbanos actuais como vias e limites de propriedades, sem prejuízo de que as condições da topografia influenciam decisivamente toda e qualquer ocupação do território. O Valo do Rio Doce corresponde à actual Avenida Moulay Hassan Ben Mahdi, e o Valo Interior do Rio ao Facho corresponde sensivelmente aos limites da área urbana Nascente da cidade, junto à Avenida Khalid Ibn Oualid. O Facho, que no tempo de Guevara era um reservatório de água, tem hoje no seu lugar um monumento moderno evocativo da passagem pela cidade do Rei Mohammed V, com dizeres sobre o colonialismo e a união dos países africanos. Situa-se no Parque Kodya Sultan, entre a nova estação de camionagem e o cemitério.
“La Baye de Tanger en Barbarie” de Henry Michelot, de 1679, Bibliothèque Nationale de France, na qual se encontram representadas as “barreiras da cidade”. Nota: esta planta representa as barreiras da cidade durante o período da ocupação inglesa, não correspondendo às que os portugueses criaram
Em Tânger existiam estruturas defensivas no exterior da muralha muito semelhantes às de Arzila. As fontes históricas que fornecem contributos fundamentais para o estabelecimento do Campo Exterior de Tânger são o Memorial de Tangere, 1599-1610 de Afonso Fernandes e a História de Tangere de D. Fernando de Meneses, que inclui o regulamento do campo de Tânger, escrito pelo Almocadém Braz Fernandes Couto, intitulado Regimento, que se há de ter no Campo de Tangere, e de que maneira se hão de mandar, e repartir os Atalaias, feito pelo Almocadém Braz Fernandes Couto, Cavaleiro da Ordem de Cristo, em idade de noventa anos; e se põe aqui para inteligência desta História. “Para proteger-se dos inesperados ataques das tropas dos Alcaides Marroquinos, e também das tribos armadas dos Berberes da região, os Tangerinos tinham construído diante das muralhas da cidade uma faixa defensiva semicircular composta de tranqueiras, e diante delas um parapeito de pedras amontoadas, o chamado Valo (…) Entre o valo e as muralhas da cidade cultivavam as suas hortas, que produziam algumas frutas, legumes e trigo” (TEENSMA, 2008, p. 27).
Esta preocupação está patente no Diário Tangerino de Afonso Fernandes, no qual Benjamin Teensma comentou que “enquanto os homens andavam dispersos pelo campo, eram vulneráveis pelo inimigo, porque o terreno acidentado e por partes coberto de densa vegetação proporcionava, apesar de toda a vigilância, muitos esconderijos a infiltrantes que tivessem chegado de noite com a incumbência de espalhar o pânico, causar estragos, e eliminar tantos adversários quanto possíveis” (TEENSMA, 2008, p. 28). E Braz Fernandes Couto escreveu no seu Regimento: “Para uma coisa de tanta importância, em que se arrisca uma Cidade são necessárias todas as prevenções, de quem adiante não olha atrás fica” (MENESES, 1732, p. 291).
O Campo Exterior Consolidado de Tânger
Este sistema defensivo avançado, recorrendo a tranqueiras e ao valo, não seria estranho à antiga muralha então demolida e às construções que protegia originalmente, já que a própria configuração semicircular do denominado campo exterior pode fazer crer. A construção dos muros de atalho pelos portugueses, teria criado um vazio no território semiurbano que pode ter cumprido esse papel essencial no processo de vida da população, assegurando um mínimo de bens de primeira necessidade. Deste ponto de vista, o material demolido da cerca precedente, então desactivada, e dos edifícios que protegia, não teria sido utilizado apenas para a construção dos atalhos, mas também do valo. De qualquer forma, no caso de Tânger, este processo de redução da sua área não é consensual (ELBL, 2013, pp. 111-183), mas essa discussão está fora do âmbito tema em análise. A estruturação desta área intra-valo, que podemos chamar de Campo Exterior Consolidado, era complexa, sendo formada por talhões delimitados por ruas definidas por outros muros de pedra solta, chamadas mangas, encerradas em diversos pontos por uma espécie de portas construídas por paliçadas amovíveis de madeira, as tranqueiras. Esta noção de Campo Exterior Consolidado é a mesma que foi posta em prática em Arzila e posteriormente em Mazagão, fazendo sentido que o modelo fosse replicado, até porque, como realça Robert Ricard, o sucesso da ocupação portuguesa das praças dependia em muito deste conjunto de elementos combinados no quadro de uma ocupação restrita que, como afirma, os ingleses nunca entenderam e, por esse motivo, abandonaram Tânger ao fim de pouco tempo após a receberem (RICARD, 1933, p. 448).
Fernando de Meneses na sua História de Tangere, esclarece a diferença entre os valos, muros de pedra solta que formam ruas, e as tranqueiras, paliçadas com a função de portas para fechar essas ruas: “Por esta razão se fizeram fora da cidade valos de pedra que não pode passar a cavalaria com ruas, e tranqueiras nas bocas que se fecham, e outras nos meios para se sustentar melhor a fúria da cavalaria, formando-se em alguns lugares cómodos, e iminentes redutos, e mangas para pelejar a infantaria; e ainda que os Mouros desfazem algumas vezes estas obras, com facilidade se restauram” (MENESES, 1732, p. 41). Existiam inúmeras tranqueiras, cada uma com o seu nome, como a Tranqueira dos Pomares, a Tranqueira das Canas, a Tranqueira Nova, a Tranqueira de Angera, a Tranqueira de Benamenim, a Tranqueira do Verde, a Tranqueira dos Três Paus, a Tranqueira da Lagem, a Tranqueirinha, a Tranqueira da Silveirinha ou a Tranqueira do Charcão, entre muitas outras. O valo exterior, de configuração semi-circular, ligava a Praia à Falésia de Bouknadel. A sua implantação seria coincidente com as actuais Rue Anoual, Rue de Belgique e Avenue Hassan II, correspondendo aproximadamente ao traçado da muralha pré-portuguesa, tal como o define Jorge Correia (CORREIA, 2008, p. 214), ou seja, com uma distância de cerca de 500 metros da muralha do lado Poente e 250 metros do lado Sul, o que perfaz uma área de cerca de 75 hectares. Numa carta de André Rodrigues a D. João III, datada de 1546, o Rei é informado que no âmbito destas obras foram colocadas quatro tranqueiras fechando os quatro principais caminhos de acesso à Cidade. E “fora das ditas tranqueiras fiz parede de pedra e barro”, indiciando a colocação de revelins para defesa das entradas dos caminhos (CORREIA, 2008, p. 475).
A Terra das Atalaias Curtas
No exterior do valo ficava a Terra das Atalaias Curtas ou Terra dos Fachos. E “às colinas ocidentais daquele campo chamavam-se os Pomares. Era a partir dali que os Portugueses procuravam erva para os animais, e lenha para as cozinhas” (TEENSMA, 2008, p. 27). O nome deste local é hoje Marshan. Para Carlos Gozalbes Cravioto, este território poderia ter sido utilizado pelos portugueses como local de permanência diurna do gado, o qual era para ali conduzido através da Porta da Traição, que era no fundo a porta do Albacar da cidade. O Albacar, designação que tem origem em Al-Abqar, as vacas, era isso mesmo, o local onde o gado permanecia dentro de muralhas: “Nesta zona, os edifícios muçulmanos, arruinados com o tempo, deram lugar a um extenso terreno protegido pelas muralhas da cidade e ao qual as gravuras do século XVII nomeiam como velho prado (…) O terreno despovoado protegido pelas muralhas Poente da cidade ficou como recinto para guardar o gado“ (GOZALBES CRAVIOTO, 1984, p. 81). Esta localização do Albacar junto à Porta da Traição é contrariada por Martin Elbl, que o localiza do lado Sul da Cidade, num recinto encerrado especialmente criado para o efeito, sendo o acesso do gado ao exterior realizado por uma porta aí existente (ELBL, 2013, pp. 432-437).
A Atalaia do Xarfe e vista da mesma sobre o vale da Ribeira de Almargem ou Magoga
Ruínas das Taracenas de Tânger-o-Velho e a Torre de Tom ou de Gandori
A terra das atalaias curtas era limitada do lado Poente pelo Rio dos Judeus ou Oued Lihoud, e do lado Sul pelo Rio Açuani ou Oued Es-Souani, correspondendo hoje às avenidas Anfa, Hafid Ibn Abdelbar, Moulay Youssef e Idriss I, a uma distância média de um quilómetro e meio da muralha da cidade ou mil metros do valo. Dividia-se em Terços, unidades militares do exército português e espanhol entre os séculos XVI e XVII, constituindo zonas defensivas e ofensivas com organização militar independente. Esta denominação está patente nas seguintes passagens do texto de D. Fernando de Meneses: “A gente do campo, que são vinte e quatro Atalaias, seis Atalhadores, que servem de Atalaias do Cabo quando se toma serra; quatro Almocadéns; outros tantos Meirinhos, a quem tocam os quatro terços em que se divide o campo; um Almocadém del Rei, e estão todos à ordem do Adaíl (…) A Infantaria se repartiu em cinco Companhias a quem tocam cinco terços do muro, e mais obrigações de guardas. E vigias, em que há de haver mil soldados” (MENESES, 1732, p. 39).
“Fora dos valos em um monte de área há outros três fachos (para além da Torre do Castelo) que assistem dois facheiros quando se vai ao campo, e servem de dar rebate à Torre, e sinal da parte de que saem os Mouros, respondendo os três fachos aos três terços do campo Atalaínha, Meio e Xarfe. O dos Pomares governa outro facho que chamam Novo por diferença do Velho, que fica mais distante, e por este respeito se largou. A obrigação dos Atalaias é descobrir os quatro terços, em que de mar a mar se divide o campo” (MENESES, 1732, p. 41). Assim, as Atalaias ou Fachos não eram uma linha de defesa da cidade, mas um sistema de vigilância do campo exterior consolidado, baseado nas colinas envolventes ou em torres construídas. Os terços da terra das atalaias curtas tinham cada um o seu nome, bem como os fachos que os vigiavam. O Terço da Serra era vigiado pelo Facho Novo, o Terço da Atalaínha pelo Monte de São João e pelo Facho da Atalaínha, o Terço do Meio pelo Facho do Meio e o Terço do Xarfe ou da Praia pelo Facho do Xarfe, situado na Colina de Açuani.
A Terra das Atalaias Longas
A Terra das Atalaias Longas, definidora do Campo de Tânger teria em média uma légua de raio, ou cerca de seis quilómetros. Apesar de a área considerada como a fronteira do Reino de Portugal, no quadro do espírito do Tratado de 1471, ter uma distância de cerca de 15 quilómetros das praças (LOPES, [1937] 1989, p. 26), as descrições de D. Fernando de Meneses fora do Campo de Tânger são consideradas incursões na Berberia. A vigilância da terra das atalaias longas era realizada por pares de cavaleiros que seguiam procedimentos rígidos diários, inscritos no Regimento de Braz Fernandes Couto (MENESES, 1732, pp. 284-295). Algumas colinas e torres tinham um papel muito importante no quadro das atalaias longas como Tânger Velho, a Torre do Xarfe, a Torre do Tom ou Torre Gandori, a Aldeia da Fonte dos Adaís ou Colina Magoga, Benamaqueda ou Beni Makada e a Lomba do Adaíl ou Beni Said Bahrain. O seu papel era fundamental, já que quanto mais cedo fosse detectado movimento inimigo, em maior segurança se fazia a evacuação do campo. Próximo do mar, ao longo da costa, várias torres de vigia foram construídas, não apenas para vigiar o tráfego marítimo, mas também para proteger a actividade da pesca dos tangerinos, entre a denominada almadrava e Alcácer Ceguer.
Os limites do Campo de Tânger
A saída da cidade para caçar era também uma actividade importante para a alimentação dos habitantes e para o seu lazer: “Sobre Tagadarte donde se vê uma praia que vai até Arzila é um desenfado muito grande, em todo o campo de Maramar não há terra de tanto desenfado (…) Neste campo de Tangere neste lugar acima dito de desenfados com outro que se diz cabo de Espartel querendo o Capitão ir-se desenfadar a ele, e ver toda a cerca de principio até o cabo é terra de muito marisco, e palmitos, e porcos de monte, Leões, muita perdiz, e coelhos” (MENESES, 1732, pp. 294-295).
A actividade dos almogávares tangerinos tinha uma importância fundamental, já que o roubo de gado e de produtos agrícolas nas aldeias vizinhas permitia minimizar as faltas da produção local. O regresso das saídas era normalmente complicado, já que as tropas carregadas do produto dos roubos eram constantemente atacadas pelos mouros.
Como em Arzila, os marroquinos das aldeias vizinhas criaram também um sistema de vigilância semelhante. “As razias lusitanas sobre as aldeias de região, obrigaram os muçulmanos a montar um sistema de vigilância em torres ou lugares de boa visibilidade, para avisar com tempo as aldeias dos ataques portugueses” (GOZALBES CRAVIOTO, 1980, p. 181).
Como conclusão podemos afirmar que algumas evidências do campo exterior de Tânger parecem persistir na cidade actual, apesar do facto de que durante a ocupação inglesa a sua estrutura ter sido abandonada, como demonstram as gravuras de Wenceslas Hollar dos meados do século XVII. Essas evidências, discutíveis e negadas por alguns autores, como Martin Elbl (ELBL, 2013, p. 207), poderão estar associadas ao traçado do conjunto das Rue Anual, Rue de Belgique e Avenue Hassan II, e pela configuração da Place du 9 Avril e dos antigos caminhos de acesso a Tânger, seja a Rue de San Francisco e a Avenue d’Angleterre.
Forno comunitário na Cidadela de Mazagão
A dieta normal dos Mazaganistas era composta de produtos importados da metrópole, como cereais sob a forma de grão, farinha ou biscoito, carne ou peixe seco, azeite e vinho. A possibilidade de incluir frescos na alimentação dependia da capacidade de os plantar e, se bem que existissem pequenas hortas nos quintais da Cidadela, não satisfaziam as necessidades dos habitantes. A solução estava nos terrenos circundantes, onde os perigos eram constantes. Aí, quando era possível, plantavam trigo e cevada, favas, vinhas e melões. Alguns habitantes chegavam a dormir no exterior da praça para proteger as suas culturas.
“Semeavam os moradores até trezentos moios de cevada e favas e fazem-se grandes meloais e há muitas hortas e mais de vinte serrados, a que chamam quintas, muitos deles com mil bacelos fora estremadas latadas e outras árvores e notável a grandeza sustenta isto em berbéria, guardando de noite e de dia com as armas na mão para o qual efeito dormem muitas vezes homens fora e tendo custado muitas mortes e cativeiros aos mouros que as vem destruir (…) é o campo fertilíssimo assim de ervas e lenha como de caça, porque há todo o ano que trazem em tanta quantidade que se tem sustentado a gente em muitas fomes que trazem particularmente algazes _ palmitos e outras muitas ervas de campo.” (FARINHA, 1970, p. 65, citando Belisário Pimenta)
A actividade agrícola era extremamente incerta, já que os cavaleiros marroquinos destruíam frequentemente as culturas plantadas, fossem hortas, árvores de frutos ou pastagens. Da mesma forma, inquinavam os poucos poços existentes no exterior com animais mortos, o que justificava plenamente a existência da cisterna na Cidadela com capacidade para cinco mil metros cúbicos de água. Simão Correia Mesquita descreve as hortas destruídas pelos Mouros, dizendo que um dia “amanheceu, envolto o Poço do Duque de onde bebem os moradores da Praça, e as hortas destruídas pelos Mouros; hostilidade, com que eles costumam muitas vezes desafiar a guarnição da Praça” (MESQUITA, 1752, p. 10).
Jean Mocquet, farmacêutico do Rei Henrique IV de França que visitou Mazagão no século XVII, refere a este propósito que “Mazagão é uma fortaleza, tendo cerca de meia légua de perímetro, e é habitada por gentes de guerra que têm cada um a sua porção de terreno nos arredores da cidade, onde semeiam cevada, trigo, ervilhas, favas e outros grãos: mas os Mouros muitas vezes lhes vêm tudo cortar e estragar durante a noite. O resto do campo é inculto. Os Mouros fazem-lhes mil maldades, até lhes envenenar um poço que está fora da cidade, numa horta, e nele deitam carcaças de animais e outras vilanias. Na cidade eles têm uma cisterna coberta, em relação à qual se faz vigilância; é muito alta e larga, e capaz de mais de 20 mil pipas de água” (MOCQUET, 1617, p. 57). Outro relato dá conta que em 1677 se viveu um período de acalmia no relacionamento com os Mouros, o que permitiu realizar os trabalhos no campo sem problemas de maior: “Fez-se mais este ano muito feno porque o não queimaram os Mouros como costumam todos os anos (…) tem-se lançado muitas vezes chinchorro e recolhido sem rebate” (COSME, 2003, p. 90, citação do Códice nº 296, depositado nos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa).
Assim, fora dos momentos de trégua momentânea, a actividade ficava reduzida à recolha de lenha, apanha de tâmaras e de forragem para o gado, à caça, à apanha de caracóis e à pesca. Jean Mocquet refere que os caracóis eram um dos alimentos principais da dieta dos Mazaganistas. Outro elemento da dieta era um mel de cor branca que as abelhas produziam em favos que faziam nos telhados das casas (MOCQUET, 1617, p. 56-57). A caça era e a pesca eram abundantes, mas arriscadas em termos de actividades. No campo caçavam-se leões, lebres, perdizes, javalis e chacais. Nos laredos e no fosso apanhavam-se ameijoas, mexilhões, ouriços-do-mar e lagostas. “Tem a baía e costa grande quantidade de pescaria e na baía se tomam no verão de peixe de cosso a que chamam tazartes e de cações, quantidade que se houver redes, e pescadores se carregam navios, e pela costa grande número de pargos, safios e pescadas e outros muitos géneros de peixes e no tempo em que as tormentas não dão lugar aos barcos saírem ao mar se pesca da fortaleza de todos os quatro lanços do muro e há junto a ela na baixa-mar muitos currais (a que chamam pesqueiras) que se cobrem de mar que na vazante ficam de ordinário cheias de peixe que se mata à fisga em muitas ocasiões em grande número tem a mesma baixa-mar grande cópia de marisco como são lapas, ouriços e mexilhões, de notável grandeza lavagantes, moreias, safios de cova que se trazem notáveis quantidades no invernos” (FARINHA, 1970, p. 66, citando Belisário Pimenta).
Os muros da bouskeda
Os Mazaganistas desenvolveram um processo de pesca engenhoso, que realizavam nos laredos situados à volta da Cidadela, baseado na construção de muros de pedra de formando uma espécie de meia-lua ou de forma rectilínea, que ficavam cobertos pela água do mar na maré cheia. Tendo em conta que a descida da água quando a maré vazava era extremamente rápida, devido à pouca inclinação dos laredos, o peixe ficava retido dentro desses muretes na maré vazia e era então capturado. Chamava-se a essa técnica pesqueira, que ainda hoje é realizada em El Jadida e na região de Casablanca com o nome bouskeda ou bouskira, sendo óbvia a origem do termo no português. No campo exterior existia inclusivamente uma rua situada entre valados chamada Rua da Pesqueira.
O testemunho de D. Jorge de Mascarenhas datado do século XVII descreve os perigos existentes nos arredores da praça de Mazagão: “Todo o campo que se avista da fortaleza é plano, só para o lado direito fica um pequeno outeirinho: os mouros que vêm, não a investir mas sim a roubar, se escondem junto dele, até que chegue a noite para, no silêncio dela, virem a meter-se nas hortas. A gente que da praça sai a este costumado e preciso exercício de conduzir lenha vai observando todos os sítios e vendo se ficaram alguns escondidos; porque são tais os mouros que, quando não têm parte cómoda para as suas emboscadas, cavam no chão poços estreitos da altura de uma braça e neles se escondem, até que os do presídio, que vão a cortar a lenha ao mato, passem adiante; então, quando mais ocupados os vêm no exercício de cortar e carregar, de dentro do mato lhes saem magotes deles, que os obrigam a montar, e, tomando as armas, a porem-se em defesa, vindo sempre retirando-se para junto da praça; os que ficaram metidos nas covas e poços, que têm feito, lhes saem pelas costas com que, apanhando-os no meio, se lhes faz dificultosa sem que seja por meio de muito sangue. Este é o contínuo exercício dos habitantes de Mazagão, de que são tantas as batalhas como os dias; porque apenas haverá um em que não haja um choque, uma escaramuça, uma emboscada, um assalto, uma batalha” (LOPES, [1937] 1989, pp. 42-43).
A Cidadela de Mazagão e as ruínas de Mazagão Velho
Apesar deste isolamento, durante alguns períodos de tréguas era possível desenvolver relações comerciais com as tribos vizinhas, que os Mazaganistas chamavam mouros ladrões, particularmente em períodos de fome, comprando mulheres e crianças, escravos, cavalos, gado e trigo. Para além desta relação informal com as tribos Gharbia e Xarquia, existiam também relações oficiais com o Alcaide de Azamor, descritas no documento seguinte do ano de 1677: “Manhã pelas sete horas se povoou o campo com as nossas atalaias e às oito para as nove se deu sinal de mouros, o qual eram cargas de varias coisas e algum gado vacum e ovelhum que mandava adiante o alcaide de presente ao Senhor Governador, acompanhado por criados seus e dois mouros de respeito e um judeu por língua, muitos almocreves de pé, ridículos sujeitos. O Senhor Governador os recebeu com mostras de alegria e mandou logo repartir tudo pelos oficiais, assim de guerra como de paz, dando um carneiro a cada um e o mais gado todo mandou ao açougue aonde se repartiu por todo o povo, dando os couros de esmola à Nossa Senhora de Penha de França” (COSME, 2003, p. 93, citação do Códice nº 296, depositado nos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa). Esta descrição faz referência a uma visita realizada pelo Alcaide de Azamor a Mazagão, durante a qual um grande banquete foi organizado em tendas instaladas no exterior da Cidadela, onde foram acordados “negócios secretos”. Convém notar que ambas as partes fizeram reféns durante o evento, afim de assegurar que tudo seria pacífico e “e ficando fora dos valos muita cavalaria e infantaria com mulheres e meninos” da comitiva do Alcaide (COSME, 2003, p. 96, citação do Códice nº 296, depositado nos Reservados da Biblioteca Nacional de Lisboa).
À semelhança das restantes praças-fortes, Mazagão dispunha de um campo exterior estruturado e organizado com defesas de caracter precário, as atalaias, os valos e as tranqueiras, combinadas com procedimentos rotineiros rígidos e um sistema ofensivo, preventivo de ataques vindos do exterior. (S. LUIS, 1849-1850, p. 183)
O Campo Exterior Consolidado de Mazagão
A zona mais próxima da Cidadela, chamada Terra das Atalaias Curtas (SOUSA, 1844, p. 364), dispunha de um Campo Exterior Consolidado, com área de 38 hectares, encerrada e estruturada por valos, que formavam ruas barricadas em pontos estratégicos por tranqueiras. As entradas no campo dispunham de revelins em terra. O campo organizava-se num esquema de talhões bem delimitados e de traçado regular, e era vigiado continuamente, inclusivamente durante a noite, fazendo-se saídas nocturnas da Cidadela para defender as colheitas aí plantadas.
Encontramos elementos bastante esclarecedores nas plantas de Mazagão de 1727 de João Thomás Correa, de 1802 de Ignacio António da Silva e nos dois desenhos de 1769 da Casa de Ínsua. As descrições da época dão-nos uma grande quantidade de nomes de elementos do campo exterior consolidado, como valos, tranqueiras e outros, como o Valo de Lázaro Fernandes, o Valo Novo, o Valo da Terra de Nossa Senhora, o Valo do Sapal ou Costa da Vila, o Muro da Beringela, o Muro da Baleia, a Tranqueira da Pedreira, a Tranqueirinha, a Tranqueira dos Valos Pequenos, a Tranqueira do Meio, a Tranqueira do Valo Novo, a Tranqueira Queimada, a Tranqueira de Gonçalo Barreto, a Tranqueira dos Paus, a Rua da Pesqueira, a Rua do Forno de Alagoa, o Poço do Duque, a Picota e a Vinha do Poço.
Planta da Praça de Mazagão em 1727 de João Thomás Correa, in Livro de várias plantas deste Reino e de Castela, 1699-1743; Planta de Mazagão de 1802 de Ignacio António da Silva. Biblioteca Nacional de Portugal; Estudo da táctica à Vauban durante o cerco de 1769. Casa de Ínsua
O excesso de ocupação do campo exterior com estruturas para a delimitação das hortas, chegou ao ponto em que o Rei ordenou em 1621 o derrube de muitas delas, já que perturbavam as próprias defesas da Praça: “Sou informado que, de alguns anos a esta parte, junto aos muros da Vila de Mazagão, e no contorno dela, assim dentro dos revelins, como fora deles, se fizeram e plantaram muitas quintas e hortas, cercadas de valados e paredes altas e taipa e de pedra e barro, e pedra e cal; dentro das quais quintas e hortas, os mouros, quando correm àquela fortaleza, se recolhem e amparam, ficando seguros, para se avizinharem mais ao muro. Mandava o Rei, pelos seus oficiais, que se derrubassem todas as hortas e quintas, para que se deixassem os revelins cumprir a sua missão de defesa” (FARINHA, 1970, pp. 50-51). A este campo exterior consolidado deve ser acrescentada uma outra zona protegida por um longo muro, do lado Norte, aumentando o terreno exterior organizado para uma superfície total de 72 hectares.
A Terra das Atalaias Curtas
O Campo Exterior Consolidado/Organizado era vigiado pela Terra das Atalaias Curtas, distando em média cerca de um quilómetro e meio das muralhas da cidadela, dispondo de vários fachos, como o Facho, a atalaia-mãe, o Facho do Forno, o Fachinho, o Facho de Masmoras e o Facho de Alagoa. As referências aos fachos estão sobretudo indicadas na planta de Simão Correa Mesquita de 1752 e na perspectiva de Mazagão do Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenheria Militar. A Terra das Atalaias Curtas constituía a zona onde se desenvolvia a caça, a pastagem do gado e a recolha de lenha.
A Terra das Atalaias Longas estendia-se ao longo da Praia de Haouzia, correspondendo aproximadamente aos limites do Plan d’Aménagement et d’Extension de la Ville de Mazagan de 1916, a uma distância máxima de sete quilómetros em direcção à cidade de Azamor. As atalaias vigiavam esta zona segundo procedimentos rígidos, como refere Jean Mocquet: “Todos os dias de manhã saem de Mazagão cerca de 40 de cavalo que vão descobrir o campo e nele ficam até o meio-dia; e depois desta hora saem outros 40 que só voltam à tardinha. Seis deles, chamados atalaias, tomam lugar em postos afastados e ficam de vigia; e, se eles descobrem qualquer coisa de suspeito, recuam rapidamente e, visto este movimento da vigia da povoação, dá logo duas ou três badaladas, ao mesmo tempo que os outros de cavalo correm na direcção da atalaia em perigo. Para dar sinal à Praça há em todos os lugares, onde as atalaias se postam, um grande pau de madeira de mastro, ao alto do qual içam com uma corda uma espécie de bandeira, que é o aviso para os moradores se armarem” (MOCQUET, 1617, p. 56).
A Terra das Atalaias Longas
Os homens que faziam serviço nas atalaias, os atalaias, eram geralmente degredados, que cumpriam essa missão de risco para beneficiar de um pagamento bem remunerado. Convém esclarecer que o degredo era um destino muito comum para os condenados portugueses, já que constituía uma solução muito conveniente para o Estado, que os afastava da sociedade e não acarretava custos para os cofres públicos, já que os degredados tinham que encontrar forma de subsistência. O condenado podia escolher o destino do seu degredo, fosse o Algarve, normalmente Castro Marim, Marrocos ou o hemisfério Sul, fosse Angola ou o Brasil. Uma pena no Algarve não era reduzida, mas se fosse cumprida em Marrocos era reduzida para metade e em Angola para um quarto. Como regra geral os degredados que escolhiam Angola nunca regressavam, fosse por morte prematura ou por se estabelecerem na colónia em definitivo, muitos escolhiam Marrocos, nomeadamente Mazagão. O ingresso como atalaias ou batedores no campo exterior era geralmente a única forma que tinham de ganhar algum dinheiro, já que era uma actividade muito arriscada e bem paga. (AMARAL, 1989, obra citada)
A guerra no campo exterior fazia-se a cavalo com lança, em grupos bem treinados comandados por um almocadém, invariável um mourisco da região, que em Mazagão se chamavam Estuques, e que participavam também nas acções de contra-guerrilha levadas a cabo nas áreas mais afastadas, as almogavérias ou correrias. Muitos eram nobres, mas também muitos cavaleiros da Ordem de Cristo destacados em Mazagão. A táctica utilizada pelos cavaleiros portugueses procurava tirar partido do factor surpresa e das condições do terreno, inclusive da direcção do sol, e utilizava a disciplina para ganhar vantagem no primeiro embate e superar a invariável desvantagem numérica.
Planta de Simão Correa Mesquita de 1752 in Relação do Choque que Tiveram os Cavaleiros da Praça de Mazagão com os Mouros de Aducala e Azamor em 7 de Dezembro de 1751; Perspectiva Cavaleira de Mazagão. Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenheria Militar- Direcção dos Serviços de Engenharia
A Planta de Simão Correia Mesquita de 1752 dá-nos informações preciosas sobre as atalaias longas e a toponímia dos arredores da praça, já que representa os acidentes topográficos e respectiva designação no tempo da ocupação portuguesa. Assinalamos as atalaias do Palmeirinho, do Ribeirão, do Caminho Duro, de Matamorras, do Barreiro, de Pedralvinho, a Torre e a Guarita de Mazagão Velho. Relativamente aos lugares referenciados nas crónicas, assinalamos, entre outros, o Campo do Facho, o Sítio da Coitada, o Sítio da Unha do Forno, as Covas da Areia (S. LUIS, 1849-1850, pp. 183-193), o Campo da Rochinha, (CONCEIÇÃO, 1823, p. 117), a Planície de Lázaro Fernandes, o Barreiro, as Portelas, a Cova (CORREA, 1763, obra citada), o Lugar dos Medos (AMARAL, 1989, obra citada), o Campo das Areias, os Vales da Quinta, o Vale de Maio, a Pesqueira (CUNHA, 2012, pp. 209-2010), o Campo do Leão (SOUSA, 1844, pp. 364-367), o Bofé, o Cotovelo, a Alagoinha, a Ducala, as Areias, o Palmeirinho, as Portelas, o Tezo do Gral, a Rochinha, o Corvo, o Barreiro, Matamoras, o Morro Galego, Mazagão Velho, Domingos Afonso, o Pedralvinho, o Palmito, a Lomba, Mançor, a Rochinha, o Chão de Freitas, Lázaro Fernandes, o Morreto da Figueira, Rotamal e o Caminho Duro (MESQUITA, 1752, obra citada).
Conforme já referido neste texto, a localização dos topónimos tem um caracter de ensaio, já que as plantas consultadas são muito deformadas e a maior parte das designações não se encontram cartografadas. Na formulação do traçado dos vários elementos do campo exterior de Mazagão, a informação disponível foi cruzada, seja a cartografia antiga, as descrições da época, a topografia do terreno e os elementos da cidade actual, sobretudo as vias e as áreas urbanas homogéneas. A localização de Mazagão Velho no lugar de Mazighane foi aceite, conforme propõe Jilali Derif no seu trabalho referenciado na bibliografia, apesar de não coincidir metricamente com os cerca de quatro quilómetros de distância à Cidadela, os três quartos de légua referidos nas crónicas. O tema não é consensual, não parecendo razoável relacionar Mazagão Velho com o estaleiro de construção do Castelo Real de S. Jorge ou com uma eventual ocupação portuguesa afastada do mar. As referências a incursões portuguesas a Mazagão Velho seriam essencialmente para neutralizar focos de eventuais ataques à Cidadela.
Disposição das estruturas do cerco de Sidi Mohamed Ben Abdellah em 1769 e Esquema de progressão das trincheiras através de aproches
Em Dezembro de 1768 o Sultão impõe um cerco a Mazagão que iria apressar a decisão já tomada de evacuar a Praça. A Planta de Ignácio António da Silva e a da Casa de Ínsua, realizadas após a evacuação da praça, para além de deformadas, sobrepõem os elementos defensivos do campo exterior com as estruturas do cerco do exército marroquino, o que vem criar confusão, pelo que neste texto as duas estruturas são representadas separadamente em desenhos diferentes. Inclusivamente, alguns autores afirmam, incorrectamente, que as estruturas defensivas do campo exterior português eram constituídas por tranqueiras em ziguezague, confundindo-as com os aproches das trincheiras marroquinas. De facto, a táctica do cerco de Sidi Mohamed Ben Abdellah é baseada em trincheiras que se movimentam em direcção à muralha da Cidadela por meio de aproches, trincheiras diagonais, sem função militar, escavadas a partir de uma trincheira existente para proteger o acesso e construção posterior de uma outra trincheira mais avançada.
Como conclusão, podemos afirmar que o campo exterior de Mazagão deixou marcas na Cidade de El Jadida, que se constatam pela coincidência entre os principais valos e importantes eixos viários, como o Valo Norte e a Avenue Moulay Smail, o Valo Sul e a Avenue Hassan II, o Valo Poente e a Avenue Pasteur, o Valo Norte secundário e a Rue de France, o Eixo Estruturador do Campo Exterior Consolidado e a Avenue Zerktouny. Para além destes elementos, é muito interessante verificar que o próprio Campo Exterior Consolidado é hoje uma área urbana homogénea, composta pelos bairros Kalaa e Derb El Hajjar.
Nota: Este artigo constitui um dos capítulos do livro do autor “Histórias de Portugal em Marrocos”
Espero que esteja bem de Saúde caro amigo Frederico Mendes Paula
Já lhe postei coisas interessantes, sobre Maximilian I como parente a Buhazon V e este pai da Joanna Mathilda Ferz ou Fez e que esta Senhora casou em Santo André de Poyares em Coimbra com João Vimarae ou Vimarana Infante Português o tal João V que toda gente conhece. Portanto o Jacob o primeiro rei cristão em Fez e Marrocos com patrocinio da Austria e Bohémia e era tudo família. O mundo é muito pequeno.
O Maximilian era Felgarum (latim) é o meu sobrenome actual, como o Senhor Frederico deve conter o Paula eu tenho Felgar. O Maximilian I 12 avô paterno, é filho de Frederico III e IV da Austria meu 13 avô paterno.
l’Empereur Fréderic IV. étant mort à Lintz en 1493. Maximilien lui succéda à la dignité Impériale, & fe remaria à Blanche Marie ; Marie de Bourgogne fa fille époufa la même année du décès de fon pere, Maximilien d’Autriche, fils de l’Empereur Frédéric IV. & d’Eléonore fille d’Edoüard Roi de Portugal.
Maximiliano Außriaco Imperatâ; £? Philippus Bonus Dux Carolus Pugnax Dux Burgund. ac | Ejiurgidionum ac re; Felgarum ; Maximilian Faust. stauffaimnon barbarnanbji fungam. … Imitare exemplum sainifteria praeftanttamen maxime néceffària , & Felgarum, quiloca paluftria & aquofa, molârum fiat infocietate civili. ; Felgarum . et . Christiani . orbis . Maximo . Principi . Indulgentissimo . Domino . Qui . postquam . Brabantia . Limburgo . … duc de Bourgongne , et femme å Maximilien , archiduc d ‘ Austrice
Felgarum §. XII, Omnes illi Principatus deinceps fingulis: £e&iones, parebant Principibus. Sed feculo labente XV. magna ex parte per Pacta, per Nuptias, aliosque Donminii transferendi titulos, post mortem c A R o LI Burgundici , a. I477. per filiam unicam MARIAM, MAXIMILIAN o Archiduci Aufbriaco
Ferdinardi Auftriaci Felgarum Gubernatoris à S. P. Q. Antuerpienfi decreta , & adornata cum figuris & iconibus, à P P. Rubenio ,delineatis, & commentario Cafperii Gevartii. Antuerpiæ, à Tulden, 1641. in-fol. atl. v. Exemplaire très beau , avec le portrait de l’Infant Ferdinand à cheval
Archiducis Alberti Pj Felgarum Principit. Antver. typis Plantin. 1622.4.; Bergue S.J^immoch, Felgarum & Belgicâ
O pai de Joao IV de Portugal este era 10 avô paterno, foi Philippe IV da Bélgica ou Philippe II de Espanha, Austria, Habsbourgo, Bohemia era 11 avô paterno. O Carlos II de Espanha era irmão a João IV de Bragantiam. Agora provas em latim, não trago nada do estado novo nem da republica.
Catharina Ducifîà Bragantiæ , ejusdem Eduardi filia , & Philippus Rex Caftellæ Elizabethæ filiüs.; A Philippo IV. (PhiIippi II. qui armis regno potitus eft, nepote) Lufitani regiminis Caftellani pertaefi, defcifcentes, Iohannem Bragantiæ Ducem,Theodofiifilium, & Catharinæ nepotem ad regnum promoverunt: €aftellani id ut in^ juftè, & nequiter fà&um incufànt: Quod non folum jure fànguinis, fed juftae vitoriæ, Philippüs II.
Ferendum id fuit PHILIPPO IV. quod non tantas haberet vires, ut vel fubditos rebelles frangere poffet. Hac opportunitate ufi Lufitani A. 1 64o. die 1. Decembris excuffo Hifpanorum jugo JoANNEM IV. Ducem Bragantiæ fibi Regem elegere. Galli in Belgio, Angli in Indiis ex ruinis Monarchiæ hifpanicæ fuas opes, ditionesque auxere. Sicad ruinam impulfa Monarchia HifpaniCá A. 1665. die 17. Septembris ex hac vita deceffit PHILIPPUS IV. Rex
Todas as casas da Monarquia continham um sobrenome e um ADN e é igual ao meu e fica a saber que Portugal em desde 1700 tem direito sobre o reino de Espanha por Pedro II de Portugal meu 9 avô paterno com o mesmo adn que Carlos II de Espanha. Existem senhores em Portugal que contem sangue caucasiano ou da Turquia que hoje na republica são intitulados de duques, podem sonhar à vontade.
Trago leis da monarquia de 1706, 1755 e 1834, no caso de passar a Monarquia em Portugal e os árabes e judeus voltam novamente para Portugal. Ainda não sou rei, porque vivemos na republica e todos somos iguais aparentemente, uns mais que outros, mas tudo bem.
Portanto, o Rei de Portugal casou com a filha de um mouro?
Explica lá isso como se fôssemos todos muito burros, se fazes favor…
Isto há cá cada maluco!
Fantasma de Marrocos
O texto está muito bem delineado, reparei também nas respectivas fontes Mesquita e Meneses, gostei de ver, como também de um Francês com registos antigos. O resto é tudo recontado no século XX imaginando que seja como os historiadores imaginam.
Recentemente foi tentar descobrir das batalhas portugueses, como Aljubarrota por Nuno Alvares Pereira, acontece que existiu a batalha, mas o Nuno não aparece na casa de Aviz como mestre nem nada, na casa Real Portuguesa de 1742 mostra sim o Nuno que recebeu de D. João I o património do primo de mestre de Aviz que lutou em Alvites.
Registo 1
Eftá em huma Carta paííàda em nome delRey D. Joaõ o I. a D. Pedro de Menezes, Conde de Viana , Senhor de Villa-Real, Almirante dos Reynos de Portugal, e Algarve, e Alferes do Infante íèu filho , Capitao, e Governador da Cidade de Ceuta, para que o Guarda mór da Torre do Tombo lhe dê o traslado da Carta, que EIRey D. Diniz mandou dar ao Almirante Micer Manoel
PeííàPeííànha, e acaba: E ajjelado do Sello dos Contos da Cidade de Lisboa dada na dita Cidade a 8 do mes de Mayo. ElRey o mandou per o dito Fernam Lopes feu Vajfalo Guardador das ditas efcripturas. Gonçalo Anes a fez. Era do nacimento de NoJJo Senhor Je/u Chrillo 14]}. Eftá no Cartorio do Conde de VillaNova, maço 4 das merces antigas, num. 27, donde a tirey.
XLI. Efte Sello he de chumbo , pendente de fios de íèda verde, vermelha, azul, e branca, com efta letra : Sigillum Domini Joannis Regis Portugaiia Algarbii.
Eftá em huma doaçao feita ao Condeftavel D. Nuno Alvares Pereira dos bens de Alvaro Gonçalves, que paííàra aCaftella em deferviço delRey: feita em Alvites, Termo de Mirandella , a 11 de Outubro da Era de 1425 , que he Anno de Chrifto de 1578 , dous annos depois dei Rey governar. Affonfo Coudo afez. Guarda-fe no Archivo da Caía de Bragança, maço das doações antigas.
Registo 2
D. Fr.Fernao Rodrigues de Siqucira, scndo Commen* dador môr da Ordem : tonaou possc do Mestrado, que lhc deu o Senhor Rey D. Joaô I. no anno de 1386. no feu tempo vindo viíitar a Ordem hum Mestre de Calatrava, foy recebido, e tratado, como hoípede, mas naò como Superior, nafórma daifençaó impetrada pelo feu antecessor: aperfciçoou a Igrcja, e Convento de Aviz. Servìo ao Senhor Rey D. Joaó o I. na batalha de Aljubarrota :
casa de Aviz, 27 de Agosto de 1722
Mas nos registos do século XX e XXI falam e falam de Nuno Pereira como o salvador sem provas nenhumas, quantas mais mentiras pensam as pessoas contar !
O testemunho de D. Jorge de Mascarenhas datado do século XVII descreve os perigos existentes nos arredores da praça de Mazagão: “Todo o campo que se avista da fortaleza é plano, só para o lado direito fica um pequeno outeirinho: os mouros que vêm, não a investir mas sim a roubar, se escondem junto dele, até que chegue a noite para, no silêncio dela, virem a meter-se nas hortas. 1933
Pagina 492
– – Em Azamor tambem havia vitorias, principalmente grangeadas por hum. Mouro amigo, grande fenhor naquellas partes, que aggravado delRey de Féz, fe fez vaffalo delRey Dom Manoel, e mandou a ifo hum irmaõ a ete Reyno. Mas como era taõ poderofo, e efpecial cavalleiro, e por etas qualidades entaõ mais temido de ElRey de Féz, tanto foube negocear, que fe reconciliou com elle…
…que ElRey Dom Manoel lhe tinha mandado por elle, Porque fe elle lhe vira o roto, naõ tivera animo, nem vontade de cõmeter taõ grande traiçaõ; e com eftas palavras lhe diffe outras de tanta nobreza, e grandeza de animo, que fe houvéraõ de matar ambos, e neta revolta tiveraõ os quinze Chriftãos tempo para fe falvarem: e o me{mo fiel Mouro fe quizera vir com elles, fe o irmaõ o naõ levára configo para defculpa do feito, que naõ cuftou a ambos menos que as cabeças, que ElRey de Féz lhe mandou cortar; por ferem pefoas da caía Real, e muito poderofos, e grandes cavalleiros: a hum, porque naõ levou os Chriftãos, como lhe prometteo; e ao outro, porque lho impedira ; principalmente a tenda, e bandeira delRey Dom Manoel, que já etimava, como fedelle alcançára alguma grande vitoria, e ainda que imaginada, nem afim o confentio fua invencivel etrella. Invejado o valente Sid Ihe Aben Tafut de muitos, e mexiricado de alguns com ElRey Dom Manoel, determinou apagar com boas obras as fofpeitas, que delle femeavaõ os inimigos de fuas façanhas, fazendo duas as mayores, que entaõ hum grande animo podia cometer. Que eraõ aventurar até o ultimo de fuas forças fua pefoa com a de Xerife; e depois correr a Marrócos, e chegar a fuas portas. E para ito mandou pedir a Dom Nuno Mafcarenhas ajuda de Portuguezes, fem os quaes naõ queria fazer coufa alguma grande: e ainda que pelo difcredito, em que fua lealdade andava. Autor, Pedro de Mariz, 1742
O Rei Fez tinha o mesmo sangue que D. Manuel I e os Mascarenhas cortaram as cabeças à revelia. Relativo ao Pedro de Mascarenhas não encontro em lado nenhum. Fico aguardar pelo registo de 1933.
Jacob hen Joseph, Roi de Maroc, passe en Portugal, & est battu devant Sanctaren. 73, 74. II reprend Silves. 74. II rentre en Espagne avec une puissante armée, & remporte une victoire for le Roi de Castille, avantages qui en résultent, 75 à 78. Trêve entre le Roi de Castille & celui de Maroc, 79. Projet d’alliance entre- ce dernier & le Roi de Navarre. 80, 81.
Este Jacobo era último templário e este com mais 70 cavaleiros ingressaram na Ordem de São
João filho primogénito de D. Dinis, todo o património ficou para Igreja de Portugal e França.
Daqui nasce o primeiro Rei Judeu e Cristão em Marrocos e Fez. Tenho provas antigas, não do Estado Novo, nem da republica.
Papa, e mandou por fuas Bullas que affi ho fizeffem todolos outros Rex, e Principes Chritaãos em cujos Regnos, e Senhorios avia ha die éta Religiaõ, e foy logo prezo em Pariz ho Meftre do Templo, que era huň homem por linhagem, e autoridade de muy principaal devaçaõ, e avia nome Jacobo, e com elle feffenta nobres Cavalleyros da dicta Ordem. 29. de Agoflo de 1727. Fr. Lancafre. Cumha. Sylva. Cabedo.
1832 – Die stets unter den christlichen Königen herrschenden Zwiste machten den Arabern Muth zum Angriff, zu welchem sie den König Jacob von Marocco einluden. Die Christen-Fürsten ließen ihre Fehden ruhen und verbanden sich zu ..
Addison. Beschreibung von Fez und Marocco. (Addison. Description de Fez et du Maroc.) Nürnberg. 2 vol. in-12. 1672
1580 — Freigius: Historia de bello Africano in quo Sebastianus rex periit. Nuremberg 1580.
Só sei de uma situação, sou mesmo descendente destes Senhores de Portugal e Fez, porque os Reis Portugueses tem duas situações em comum, o sangue e o sobrenome. Quero agradecer ao Caro amigo Frederico Mendes Paula por conter esta pagina, se não fosse este relembrar de Fez, nunca chegaria a entender de onde vim. Nunca me vou esquecer do seu contributo e da sua família.
Archiducis Alberti Pj Felgarum Principit. Antver. typis Plantin. 1622.4.; Bergue S.J^immoch, Felgarum & Belgicâ.
Este registo é da Bélgica e este Albertus é irmão a Leopoldo da Austria, irmão a Philipe IV da Belgica que casou com Catharina de Bragança, filha de Eduardo Vimarana e nasceu o João IV de Portugal.
Regiæ Philippi IV. ad Marchioncm de Caracena Belgii Hifpanici Gubernatorem;Jus Felgarum circa Buliarum Pontificiarum Receptionem : y el otro : Defenfio Belgarum confra Evocationes , & Peregrina judicia
Obrigado.
Obrigado por mais este seu comentário. Sempre muito rigoroso. Cumprimentos
Alguns registos interessantes da minha terra de Fez e de Portugal com ligações à Nuremberg, Limburg de onde vem o Conde Henrique de Portugal, este Limburg é ducado da Bélgica de onde toda a linhagem da minha família paterna, vem daqui, anteriormente veio de Thuringia, Saxe, Hesse, Baviera por Hadsbourg nasce a casa de Brigantia ou Bragança em 630, da casa de Saxe nasce a casa de Guimaranes ou Vimaranes.
O Gaspar era meu 10 avó materno, 9 avó materno foi Buhazon V e a Joanna Mathilda Fez 8 avó materna.
Algo de extraordinário na minha família e nunca se entendia o porquê de gostarmos de um tipo de tâmaras originárias de Marrocos e outros frutos secos e nunca se entendeu esta ligação só por Marrocos. Agora sim, entende se muito bem este percurso familiar com Fez. E vou lhe confessar uma situação, todos os outros Reis Portugueses sempre quiseram Fez e Marrocos, eu tenho também este sentimento. Pode não ter nada de riqueza e tem tudo. Entende me e nunca foi a Fez nem a Marrocos.
lD. O. M. B. M. V. Gaspar Serenissima Benemerina Familia, vijorque ; Otho de Brunsvvick.
Por François Maximilien Misson – 1731, relativo à casa da Hollanda.
Pompeo Sarnelli – 1702
Peres Carmes, & nous n’en parlons ici, qu’a cause d’un tombeau, qui est : a main gauche du maître autel , c’est oû est inhumé D. Gaspard Benemerino, qui mourut en cette Ville l’an 1641.& qui est bien moins glorieux pour avoir êtè le XXII.
Alexandre “de” Rogissart, Jean de Rogissard – 1709
CRVCIS, OPVS … SEPVLCHRVM HOC GA8PAJRIS BENE MER.INI 11NFANTIS 1DE FEZ, ET EJVS FAMILLE DE BENEMERINO, · De De Pautre côté sont ses armes, avec CCS IIIOUS
VEmpire en faveur de son Henri II. fils. V Archiduc Maximilien revient promptement d’Efpagne, pour s’y opposer. Il amène avec lui Bubaçon parent du Roi de Fez i ce qui donne sujet à l’auteur de parler des “Royaumes de Fez, de Maroc, de Tremesen, de Tunis, de leurs anciens Rois , & de ces régions dì Afrique. Les Princes intercèdent auprès de ïEmpereur , pour la liberté du Landgrave de Hesse.
Histoire Universelle de Jacque Auguste De Chow, 2: Depuis 1543 Jusqu’en 1607
D. O. M. B. M. V. Gaspar ex Sereniffima Benemerina familia, vigefimus fecundus in Africa Rex. dum contra Tyrannos a Catbelico Rege anna rogat auxiliaria, liber effeflus, Through Germany, Bohemia, Hungary, Switzerland
Johann Georg Keyssler – 1757
Denis Franc Secousse – 1755
Là fut couronné en Roy d’Espaigne le Roy Henry la o vaille de Pasques · Fleuries m. ccc.lxvj, * La prinse d’Alixendrie par … le Roy Henry entour minuit ; & à celle heure s’enfuy le Roy Pietre en Grenade , & là fist aliances aux Roys de Belmarin
Agora da Bélgica e da Saxónia para Portugal, existe referencia na Resenha dos titulares de Portugal de 1838, Thuringia tem ligação a Conrad com os Dauphin de Viennois, com Fribourg e Savoie. E dentro destas casas temos um sobrenome que em latim é Felgarum, que pode ser também isto não em latim (Duens, Dillingen, Felgar, Walgario, Walgerio, Falgario, Turingia, Englisberg, Felga, Falga, Fauge ou Fauga).
Resenha das familias titulares do reino de Portugal
1838 – XIV. b ALBERTO II. o Inhumano, Palatino de Saxonia, Landgrave de Thuringia, quiz privar seus filhos legitimos da successão, para a fazer passar a Apicius, seu filho natural, mas succumbio na guerra qne lhe fez Frederico, seu filho …
Thoringorum, ideft non longé à Rheno Thoringorum & Felgarum termino conftitutum; his Antverpiæ permissum, nec ultra, redire ad fuos ritus , dum commune Belgarum fàcramentum pro novo imperio dicerent. Omnia publice gaudii figna, & ipfe non abfurdus vultu comitatem, fermione Felgarum gratiam præferre: fed nobilium qui fupererant tacite indi: gnabantur, refpicere coaéti in Burgundionum folio principem gentis diu inimicæ : mutatum fcilicet dominum, ut pj,illi Belgis
D. 0. M. Philippo. Valesio. Eono. (1) Burgundionum. Felgarum. et. Christiani. orbis. Maximo. Principi. Indulgentissimo. Domino. Qui. postquam. Brabantia. Limburgo. Luxemburgo. Namurco. Hannonia. Hollandia. Zeelandia. Frisia. Belgicæ. provinciis. Imperium. Burgundicum. propagasset. Augustissimum. aurei. Volieris, Ordinem instituisset, fatis. concessit, an. M. CCCCLXVII. d. xv iuni.
S.P.Q. Val. D. Serenitati. Clementiae.
Ejus. P. C. Par l’avant dict registre, fol. 86, se célébrèrent en ladicte église , et par mesme ordonnance que dessus , les obsecques et funérailles de Madame Isabelle , fille de Jean roy de Portugal et vefve du susdict bon Phelippe de Bourgongne, les 9 et 10 du mois de janvier de l’an 1471.
Obrigado
Bonjour et merci beaucoup pour votre aimable mail. Cet aspect de la présence portugaise a été très peu étudié. Je lirai votre article, difficilement, mais je le lirai, malgré ma connaissance presque nulle de votre langue 😊
Cher ami. Je vais vous envoyer l’article en français par e-mail. Il était publié par Mr. Mostapha El Ktiri, Haut Commissaire aux Anciens Résistants et Anciens Membres de l’Armée de Libération. Salutations amicales