Dança mourisca . Desenho de Christoph Weiditz, 1529
Recolha de diversos romances e rimances com origem na tradição oral dos séculos XVI a XVIII, sempre que possível com indicação do autor da recolha.
Doçe baylo da Mourisca
mil sentidos faz perder,
e la mete huma tal trisca
que é muy má de guarecer.
Cancioneiro geral de 1516
Vimos grandes judarias,
Judeos, guinolas e touras,
tambem mouras, mourarias,
seus bailes, galantarias
de muitas fermozas mouras
sempre nas festas reaes
se eram os dias principaes
festa de mouros avia;
tambem festa se fazia
que non podia ser mais.
Vimos costume bem cham
nos reys ter esta maneira
corpo de Deos, Sam Joam
aver canas, procissam,
aos domingos carreira,
cavalgar pela cidade
com muyta solennidade,
ver correr, saltar, luctar,
dançar, caçar, montear
em seus tempos e hidade.
Garcia de Resende, na Miscellanea
Meu bem e meu mal
Lutaram um dia;
Meu bem era tal
Que o mal o vencia.
Cantiga popular
Vimos rir, vimos folgar,
Vimos cousas de prazer,
Vimos zombar e apodar,
Motejar, vimos trovar
Trovas que eram para lêr.
Garcia de Rezende
Este es el Calbi ora bi.
El Calbi sol fa melhorado.
Quien tuviese el tu cuidado
Y no del triste de mi!
Gil Vicente
A moda da mouraria
Dançada é muito bonita
P’ra dançar a mouraria
Moça, de saia de chita
Pires de Lima
Dom Gil Cogominho é o nome de um escudeiro
Enfronhado em Cavalleiro
Morto por ser namorado,
Contrabaxo e trovador
Cavalleiro, dançador:
Emfim Fidalgo acabado,
Valentão e caçador.
Gil Vicente
Mulher para muita aquella,
Anda armando-lhe esparrella
Com uma filha bonitinha,
Que eu fico que caia nella.
Gil Vicente
Ai de ti, pobre Loubite
que assim te enches de panasco
quem te viu noutro tempo
quando por um davas cento
e par’cias outra Damasco.
Frei João de São José
Algum sem que descanse
Faz ás barbas do «Cid» logo um romance,
Outro grave e queto
Compõe a «Durandate» algum soneto.
António Peixoto de Magalhães
Item manha de louvar
he jugar bem o «malham»,
e o «jogo do piam»
favor se lhe deve dar.
Nem sey porque mays vos gabe
ser gram pescador de «vasa»;
mas «jogar a abadalassa»
em qualquer galante cabe.
Saber bem a «pega-chuna»,
e o «cubre bem jugar»,
sam duas para medrar
galante contra fortuna.
Nem saberia a hum fylho
escolher mylhor conselho,
se nam que jogo-o «fytelho»,
«jaldeta, cunca, sarilho».
Fernão da Silveira
Pois que Madanella
Remediou meu mal,
Viva Portugal
E morra Castella.
Seja amor testigo
De tamanho bem;
Não chegue ninguem
A zombar comigo.
Que a espada é rodela,
A forneira sal:
“Viva Portugal
E morra Castella.”
Romance recolhido por Camões
Em Portugal vi eu já
Em cada casa pandeiro,
E gaita em cada palheiro;
E de vinte annos a cá
Não vi gaita, nem gaiteiro.
A cada porta um terreiro,
Cada aldeia dez folias.
Cada casa atabaqueiro;
E agora Jeremias
He nosso tamborileiro.
Gil Vicente
Afora, afora Rodrigo,
El soberbo castejano,
Acordar-se-te deveras
D’aquelle tempo já passado.
Quando te armei cavalleiro
No altar de Santiago:
Minha mãe te deu las armas,
Miño pae te deu el cabalo
Romance do Cid
Tyempo bueno, tyempo bueno,
quyen te llevo de my!
Qu’en acordar-me de ti
todo plazer m’es ajeno.
Fue tyempo y oras ufanas,
em que mys dias gozaron.
Mas en elhas se sembrarom
la symyente de mys canas.
Quyen no lhora lo passado,
vyendo qual va lo presente?
Quyen busca mas açydente
de lo qu’el tiempo l’a dado?
Yo me vy ser byen amado,
my deseo em alta çyma.
Contemplar em tal estado
la memorea me lastyma.
Y pues todo m’es ausente,
no ssé qual estremo escoja,
Byen y mal, todo m’anoja:
mesquyno, de quyen lo syente!
Garcia de Resende
Alhambra amorosa, lloran tus castillos
o Muley Vuabdeli, que se ven perdidos
dadme mi cavallo, y my blanca adarga
para pelear, y ganar la Alhambra.
Dadme mi cavallo, y mi adarga açul
para pelear, y librar mis hijos:
Guadix tiene mis hijos, Gibraltar mi muger
senora Mafalta, hezisteme perder
en Guadix mis hijos, y yo en Gibraltar
senora Mafalta, hezisteme errar.
Cantar mourisco de Granada
O Bella mal maridada,
A que manos has venido!
Mal casada e mal «glosada»
De los poetas tratada
Peor que de tu marido:
Si ello va por mas errar
Y a vós os agrada assi,
Ventaja hago yo aqui:
Assi que por mal glosar.
Vida no dejeis a mi.
Gregorio Silvestre
Tanta Zaida y Adalifa,
Tanta Draguta e Daraja,
Tanto Azarque e tanto Adulce,
Tanto Gazul e Abenámar.
Renegaron de su ley
Los romancistas de España
Y offerecieron a Mahoma
Las primicias de sus gracias.
Dejaron los graves hechos
De su vencedora patria,
Y mendigan de la agena
Invenciones e patrañas.
Los Ordoños, los Bermudos
Las Rasuras y Mudarras,
Los Alfonsos, los Euricos,
Los Sanchos y los de Lara,
Que es de ellos? y que es del Cid?
Tanto olvido á gloria tanta.
Romanceiro de Flores
Quero cantar, que m’ouvides,
Já que eu vos falar não posso;
Eu quero que vos lembreis,
O meu coração qu’é vosso.
Eu dava-te uma castanha,
Se o castanheiro m’a desse;
Eu prometi de ser tua,
Se o meu amor não viesse…
Vergílio Pereira
Bibliografia:
BRAGA, Theophilo. “Cantos Populares do Archipelago Açoriano”. Livraria Nacional. Porto, 1869
FERREIRA, Manuel dos Santos da Cerveira Pinto. “O Douro no Garb Al-Andalus: A Região de Lamego Durante a Presença Árabe”. Dissertação de Mestrado em Património e Turismo. 2004
LIVRO DO ALMOXARIFADO DE SILVES (SÉCULO XV). Câmara Municipal de Silves, 1984
LITO, Bárbara. “Miragens do oriente: Os mouros míticos no imaginário narrativo-performático português”. Microficção, 2014
RESENDE, Garcia de. “Cancioneiro Geral”. Oficina de Hermão de Campos, 1516
RIBAS, Tomaz. “Danças Populares Portuguesas”. Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. lisboa, 1982