
Um Dracar Viking no Viking Ship Museum de Oslo
Durante os séculos IX e X o al-Andalus foi assolado pelos ataques dos vikings, que lançaram o terror nas regiões costeiras. Os seus raids, de curta duração, durante os quais pilhavam, saqueavam e faziam prisioneiros que vendiam como escravos, iniciavam-se com o aparecimento dos célebres navios com cabeça de dragão, os dracares ou dragões, extremamente manobráveis, com os quais subiam os rios para atacar as cidades situadas nas suas margens.
A grande estatura dos guerreiros vikings, as armas temíveis com que se muniam e os enormes cães que corriam na vanguarda dos seus exércitos, incutiam o pânico nas populações, e granjearam-lhes a fama de sanguinários que perdura até aos nossos dias.
Cenas da vida diária num selo das Ilhas Faroe
Origem e expansão viking
O termo viking, do nórdico antigo víkingr é habitualmente usado para se referir aos exploradores, guerreiros, comerciantes e piratas nórdicos escandinavos que invadiram, exploraram e colonizaram grandes áreas da Europa e das ilhas do Atlântico Norte a partir do final do século VIII até meados do século XI.
Segundo alguns autores o termo viking vem do norueguês antigo vik que significa baía ou enseada, mas para outros tem a sua origem no sufixo germânico vik ou wik, normalmente utilizado para se referir a uma cidade mercadora. Outros referem ainda que a palavra viking pode não ter origem escandinava, e estar relacionada à palavra acampamento, do inglês antigo wic e do latim vicus. Mas este povo teve outras designações, como normanni, norseman ou normandos, homens do Norte, para os francos, ascomanni ou ashmen, homens de madeira, para os germânicos, gall, forasteiros, ou lochllanach, nortistas, para os irlandeses, varegues ou varingar para os russos. (ONLINE ETYMOLOGY DICTIONARY, página electrónica referenciada)
Para os árabes do Médio Oriente a sua designação era russ, possivelmente com origem em ruotsi, nome dado pelos finlandeses aos suecos, e que estaria na base do termo Rússia. Os andaluses utilizavam a designação al-majus, ou magos, e adoradores de fogo, devido ao seu paganismo. O termo majus originalmente designava os seguidores de Zoroastro, mas no al-Andalus generalizou-se, designando as populações pagãs. (GABRIEL 1999: 37)
Os vikings eram originários não só da Noruega, Suécia e Dinamarca, como também da Lapónia, Finlândia e dos actuais estados bálticos. Alguns autores defendem que os vikings eram os aventureiros e piratas escandinavos, mas não representavam os povos escandinavos. “Nem todos os escandinavos eram Vikings. Os próprios escandinavos usavam o termo para referir os piratas da região, mas o termo não se aplicava aos agricultores locais.” (GABRIEL 1999: 36-42)
Várias razões são apontadas para a expansão viking, entre as quais uma situação de superpopulação na Escandinávia, aliada ao facto de a produção agrícola não satisfazer as suas necessidades alimentares. Outra razão é a da impossibilidade de alimentar o gado todo o ano devido ao carácter sazonal das pastagens. Há também quem aponte o facto de um desequilíbrio na estrutura social ter provocado uma falta de mulheres na sua sociedade.

A expansão viking
A expansão viking inicia-se nos finais do século VIII e tem uma duração de 300 anos. Essa expansão realiza-se para Ocidente por mão dos noruegueses, que se dirigem para o Atlântico Norte, chegando à Terra Nova, para Leste, por intermédio dos suecos, que ocupam parte da Rússia e Ucrânia, e descendo os Rios Volga e Dnieper até ao Mar Negro, e para Sul, por intermédio dos dinamarqueses, em direcção à Europa Ocidental e Mediterrâneo. (EL-HAJJI 1967: 69)
Os noruegueses viajaram para o Noroeste e Oeste, ocupando inicialmente, durante o reinado de Harald dente-azul, o Norte das Ilhas Britânicas, onde encontraram forte resistência por parte dos seus habitantes. Numa segunda fase encontraram ilhas desabitadas onde fundaram povoados. Primeiro a Islândia em 825 e depois a Gronelândia em 985, onde Erik o vermelho estabeleceu uma importante comunidade.
O seu filho Leif Eriksson descobriu a América do Norte, a que chamou vinland ou terra do vinho. Foi fundado um pequeno povoado na península norte na Terra Nova, mas a hostilidade dos indígenas locais e o clima frio provocaram o fim desta colónia em poucos anos.
Os suecos fizeram longas incursões descendo os rios da moderna Rússia e estabeleceram fortes para a sua defesa. No século IX controlavam Kiev e Novgorod e com uma força de dois mil navios e oitenta mil homens atacaram Constantinopla, saindo de lá com um favorável acordo comercial com o imperador bizantino. Muitos suecos serviram o Império Bizantino como mercenários, concretamente na guarda imperial conhecida como Guarda Varegue. Mas o mais eminente escandinavo que serviu a Guarda Varegue foi Harald Hardrada, que posteriormente foi rei da Noruega.
Os dinamarqueses navegaram para Sul, atacando a Alemanha e ocupando o Sul das Ilhas Britânicas e a parte de França conhecida como Normandia. O rei dinamarquês Canuto chegou mesmo a ser rei de Inglaterra. Em 911, o rei de França elevou a Normandia a Ducado em troca da sua conversão ao cristianismo e da interrupção das incursões normandas em território francês. Os vikings dinamarqueses realizaram também ataques em grande escala na Península Ibérica e no Mediterrâneo, sem, no entanto, terem estabelecido qualquer colónia ou feitoria na região.
Procuravam metais preciosos, cereais e gado, mas sobretudo cativos, já que eram esclavagistas natos.
Para os árabes, o aspecto dos vikings era impressionante, como descreveu Ibn Fadlan, cronista no século IX que os encontrou no Rio Volga:
“Nunca vi espécimes tão fisicamente perfeitos, altos como palmeiras, louros e corados. Cada homem tem um machado, uma espada e uma faca e mantém-nas sempre consigo. Usam tatuagens com desenhos verde-escuros, desde as unhas até ao pescoço.” No que toca à higiene pessoal dos vikings, Ibn Fadlan tem palavras bem menos elogiosas. “São de todas as criaturas de Deus as mais sujas.” (GABRIEL 1999: 40)
Construção alusiva aos vikings na Terra Nova. foto de “In the footsteps of Leif Eriksson” de Sebastian Wolf
Os vikings e o al-Andalus
O carácter sanguinário normalmente atribuído aos vikings não corresponde à realidade, já que resulta de uma imagem criada ao longo dos tempos. Os vikings fundaram povoados e fizeram comércio pacificamente e tiveram uma enorme contribuição na tecnologia marítima e na construção das cidades. Foram um povo colonizador e comerciante, obrigado a sair das suas fronteiras pela escassez de produtos que nelas existiam.
Apesar de terem colonizado áreas consideráveis no Norte da Europa e aí se terem dedicado a um comércio intenso com a Escandinávia, as suas acções no al-Andalus foram actos de pura pirataria, já que não tinham como perspectiva nem a colonização, nem tão pouco o estabelecimento de entrepostos comerciais, dada a falta de meios para manter sob o seu controlo territórios tão distantes.
As campanhas vikings foram precedidas de uma fase preparatória que lhes permitiu eleger os locais a atacar, os objectivos desses ataques e definir os meios necessários para os fazer. Nessa fase foram utilizados mercadores de escravos normandos, espiões, presentes na Península desde o século VIII, que recolhiam informações sobre o al-Andalus.
A Hispânia Omíada era um bom mercado para os escravos que os vikings comerciavam, sobretudo os do leste da Europa, para integrarem as forças de elites das tropas andalusas. Mutos escravos provenientes de da Irlanda, França do Báltico e da Rússia eram comerciados em Verdun e daí trazidos para a Península.
A própria terminologia escravo e eslavo têm origem comum, como refere Joan Corominas no seu dicionário da língua castelhana: “Esclavo, tomado indirectamente del griego bizantino sklávos, ‘esclavo’ y ‘eslavo’, e este de sloveniu, nombre proprio que se daba a si misma la família de pueblos eslavos, que fue víctima de la trata esclavista en el Oriente medieval”. (COROMINAS 1987: 244)

Embarcações viking. Viking Ship Museum de Oslo
Aos muitos escravos eslavos, há que juntar os vikings recrutados como mercenários, chamados varegos, que em Constantinopla tiveram um papel importante, mas também muitos godos cuja origem encontra pontos comuns com os vikings. No al-Andalus etas pessoas podiam conservar a sua identidade e inclusivamente arabizarem-se ou tornarem-se muladis, chegando a altas posições na hierarquia política.
Nomes derivados de eslavo foram adaptados ao árabe, como o do espião Muhammad al-Saqlabî, o eslavo, “agente enviado por Carlos Magno para minar o emirato de Córdova provocando a sublevação de Sulayman ibn al-‘Arabî, governador de Saragoça, contra ‘Abd ar-Rahman II”. (RIOSALIDO 1997: 338)
O nome Saqlabî aparece em reis de Taifas, como em Almeria em 1013 com Khayrân al-Saqlabî e em 1028 com Zuhayr al-Saqlabî, e em Valência em 1010-1011, com Mubarak al-Saqlabî e Muzaffar al-Saqlabî e em 1017-1018 com Labîb al-Saqlabî. (BOSWORTH 1996: 17 e 19)
Outro exemplo é o dos Banû Mujahîd de Denia e Baleares, que governaram entre 1012 e 1045 por mão de Mujähid b. ‘Abdalläh al-‘Ämirî, al-Muwaffaq, ‘Ali b. Mujähid e Iqbäl al-Dawla. (BOSWORTH 1996: 17)
O conhecimento que os vikings tinham do terreno permitiu-lhes definir obectivos militares compatível com os meios de que dispunham. Pelo facto de se encontrarem invariavelmente em inferioridade numérica, as suas razias eram realizadas contando com o factor surpresa e com base na rapidez, de modo a obter o máximo proveito no mais curto tempo possível. Para compensar esta inferioridade numérica utilizavam os seus dragões ou dracares, navios extramente rápidos, manobráveis e que navegavam em águas pouco profundas, subindo os rios para alcançar áreas do interior do território, onde os ataques eram menos esperados, a par de encenações que aterrorizavam as populações, com recurso a armas temíveis, enormes cães e gritos.
Guerreiros Vikings. autor desconhecido
O território costeiro entre Lisboa e Algeciras, alvo principal dos ataques vikings, era fracamente urbanizado na época e sobretudo mal defendido. Sabemos que as campanhas iniciais árabes no al-Andalus visavam sobretudo o interior do território e só na fase mais tardia do período califal, sobretudo após as invasões vikings, se desenvolvem e estruturam as cidades costeiras.
Nas crónicas não são descritos ataques a cidades com defesas eficientes. À data das incursões normandas, as cidades costeiras, antigas cidades portuárias romanas, tinham ainda as muralhas antigas ou não tinham sequer muralhas. Era o caso de Sevilha e Cádis, cujas defesas eram deficientes, como se comprova pela fuga dos habitantes de Sevilha para Carmona durante a aproximação dos vikings, ou Faro, que não era sequer muralhada.
Outra questão importante é a de que nas crónicas, quando são referidos ataques a Lisboa, Beja, Córdova ou Sidónia, não se trata de ataques às cidades, mas às suas regiões. Os vikings atacavam sobretudo as áreas rurais, zonas de povoamento disperso, onde os seus ataques eram eficientes e onde não existiam forças militares preparadas para lhes fazer face.
“As invasões normandas no sul da Península Ibérica, em meados do século IX, ocorreram num contexto geral de desurbanização: os vikings depararam-se com cidades antigas cujas muralhas protegiam deficientemente as populações; deparam-se também com um habitat que parece pouco coerente, cujo carácter é difícil de adivinhar, mais ou menos agrupado em torno de um ponto central fortificado. Mas os normandos deram origem a fenómenos de defesa local e acabaram por desempenhar um papel no movimento de consolidação urbana iniciado a partir do primeiro quartel do século IX: as invasões normandas parecem ser o catalisador, no caso de Sevilha, de um reforço do recinto urbano e no de Algeciras, estabelecimento de estruturas fortificadas. (MAZZOLI-GUINTARD 1996: 36)

Cabeça de dragão de um dracar. Viking Ship Museum de Oslo
A primeira campanha (ano 844)
A primeira campanha dos majus no al-Andalus começa com pilhagens nas Astúrias, na zona de Gijon, e na Galiza, junto à Corunha, onde foram forçados a retirar porque o Rei Ramiro I enviou um exército contra eles que afundou 70 dos seus dracars. (DOZY 1881: 252-253)
Nesse ano de 844 surgiram na costa Ocidental da península e atacaram Lisboa, que não conseguiram conquistar, mas fizeram muitos estragos nos seus arredores.
Segundo Nowairî, os ataques a Lisboa duraram 13 dias. (DOZY 1881: 253)
De acordo com Ibn-Adhârî, o governador de Lisboa, Wahballâh ibn-Hazm escreveu ao Emir de Córdova Abd ar-Rahman II, informando-o que os majus apareceram com cento e cinquenta navios outras tantas barcas nas costas da sua província. (DOZY 1881: 256)
De Lisboa dirigiram-se a Cádis, que tomaram, e daí a Sevilha, subindo o Guadalquivir, e ocuparam a cidade durante 42 dias, incendiando o bairro de Triana.
O tempo que durou esta ocupação não é consensual nos vários autores. Alguns falam em 42 dias (Abu Amir Salimî), outros 13 dias (segundo o autor de Bahdja an-Nafs) e outros 7 dias (Ibn-Adhârî). Outros ainda falam num cerco de 40 dias e uma ocupação de 13 dias.
Segundo o relato de Ibn al-Coutîa, os majus destruíram as muralhas da cidade e os sevilhanos fugiram para Carmona e para as serras vizinhas. Os habitantes da região ocidental não se atreviam a combatê-los e teve que se recrutar-se gente de Córdoba e das províncias vizinhas. (DOZY 1881: 259)
Ibn-Adhârî conta que para lhes fazer face, o Emir de Córdova nomeou o hájibe (primeiro-ministro) Isa ibn-Chohaid como comandante da cavalaria, apoiado por outros oficiais superiores como Abdallah ibn-Colaib e Ibn-Wasîm. Os majus também receberam reforços e continuaram durante 13 dias a matar os homens e a reduzir as mulheres e crianças à escravidão. (DOZY 1881: 256-257)

Pátio do Alcazar de Sevilha
Segundo Ibn-Adhârî, durante esse período fazem incursões por terra, atacando a região de Córdova, Sevilha e Medina Sidónia. Depois dirigiram-se a Medina Sidónia e Cádis, onde foram derrotados pelos generais enviados pelo emir, perdendo 500 homens. Os prisioneiros foram enforcados em Sevilha e nas palmeiras de Talyâta. (DOZY 1881: 258)
Ibn al-Coutîa conta como foram derrotados os majus:
Os vizires acamparam junto a Carmona e os seus exércitos foram reforçados por tropas vindas da fronteira, concretamente por um forte destacamento de Mousâ ibn-Casî, chefe de grande renome, descendente de uma família visigoda. Os muçulmanos tinham notícias de que os majus faziam ataque a partir de Sevilha na direcção de Mérida, Córdova e Morón. Prepararam-lhes uma emboscada no local de Quintos-Maâfir, a sueste de Sevilha, onde colocaram um vigia no cimo da antiga torre de uma igreja. “Ao nascer do sol, o vigia assinalou um grupo de 16.000 majus que se dirigia a Morón. Deixaram-nos passar, e cortaram-lhes a retirada para Sevilha, após o que os massacraram. De seguida os vizires seguiram em frente e entraram em Sevilha onde encontraram o governador cercado no castelo. Juntaram-se a ele e os habitantes entraram em massa na cidade”. Ao saberem do sucedido, outros dois destacamentos Majus que se dirigiam a Córdova e a Lecante, regressaram a Sevilha e puseram-se em fuga rio abaixo. Os muçulmanos atacaram-nos e conseguiram resgatar os habitantes prisioneiros em troca da sua vida. Mesmo assim os Andaluses queimaram 30 dos seus dracars. (DOZY 1881: 260-262)
“Depois da conquista e expulsão de Sevilha, os normandos retornaram a Niebla onde correram a região fazendo prisioneiros. Depois dirigiram-se a Ossónoba e daí a Beja.” (COELHO 1989: 131)

Asîla
Temos notícia de que durante esta primeira campanha dos majus no al-Andalus, um dos seus grupos desembarcou em Asîla, narrativa que El-Bekri descreve e que é, no mínimo, bastante curiosa:
“Asîla. Cidade de construção moderna, deve a sua origem a um acontecimento que vamos contar.” (Slane, tradutor da obra de El-Bekri, faz uma nota ao texto que diz: “Asîla é a forma berbere de Zilis, nome de uma cidade bem conhecida dos geógrafos gregos e latinos. Ao dizer que era de construção moderna, El-Bekri enganou-se; a persistência do nome indica suficientemente que ela nunca foi totalmente abandonada”).
“Os Madjous ‘Normandos’ desembarcaram no porto duas vezes. Na primeira vez apresentaram-se como simples visitantes, e afirmaram ter escondido nesta localidade muitos tesouros. Vendo que os Berberes se tinham juntado para os combater, disseram-lhes as seguintes palavras:
‘Viemos aqui sem intenções hostis; mas este local encerra tesouros que nos pertencem; afastem-se, e, quando os desenterrarmos, vamos partilhá-los convosco’.
Os Berberes aceitaram esta condição, e, enquanto se mantiveram afastados, viram os Madjous cavar a terra e retirar uma grande quantidade de dokhn (milho-painço) apodrecido. Vendo a cor amarela desse grão, e pensando que era ouro, correram para o apanharem, e provocaram a fuga dos estrangeiros para os seus navios. Tendo então percebido que se tratava de milho-painço, lamentaram o que tinham feito e convidaram os Madjous a desembarcar de novo para desenterrar os seus tesouros.
‘Não, responderam eles, não vamos fazê-lo; vocês violaram o acordo, e as vossas desculpas não nos inspiram nenhuma confiança.’
Partiram então para o Andalous e fizeram uma incursão no território de Sevilha. Isto ocorreu no ano 299 (843-844 de J.C.), sob o reinado do imam Abd er-Rahman ibn el-Hakem.
Algum tempo depois voltam a Asîla. A sua frota tinha sido empurrada para essas paragens por uma forte ventania. Muitos dos seus navios naufragaram na entrada ocidental do porto, no lugar que ainda se chama Bab el-Madjous ‘a porta dos pagãos’. Os habitantes da região apressaram-se então em construir um ribat na localização de Asîla, e aí instalar uma guarnição que precisava ser renovada regularmente, usando voluntários fornecidos por todas as cidades vizinhas. Começaram a construir casas e acabaram por formar uma cidade.” (EL-BEKRI 1859: 254-256)

Gravura de Faro
No seguimento da ocupação de Sevilha, Abd ar-Rahman ordena a construção de uma armada, que se revelaria fundamental na defesa do al-Andalus contra os posteriores ataques majus. Construiu um arsenal em Sevilha, mandou construir barcos apetrechados com máquinas de guerra com projécteis de nafta e recrutou marinheiros das regiões costeiras, dando-lhes salários elevados. (DOZY 1881: 263)
Complementando a base naval de Sevilha, desenvolvem-se outros portos, com função de acolher os navios da armada durante as suas operações de defesa da costa, caso de Silves, Alcácer do Sal, Lisboa e Huelva. Com o tempo a base de Sevilha seria transferida para Algeciras e posteriormente para Almeria.
Al-Makkari refere que Abd ar-Rahman “visitou os lugares onde eles entraram, reparou as devastações que eles cometeram, e, por reforçar as guarnições militares, garantiu a segurança do país contra qualquer futura invasão desses bárbaros”. (AL-MAKKARI 1843: 116)
Esta defesa costeira levada a cabo por Abd ar-Rahman consistiu na criação de uma rede de ribats, geridos por voluntários monges-guerreiros, que mantinham viva a vigilância da costa. Esta primeira geração de ribats promivida pelo emir de Córdova seria sontinuada pelo seu sucessor, o califa Abd ar-Rahman III, que lhes imprimiu uma outra dinâmica, ao conferir-lhes um carácter de centros polarizadores de urbanização e fixação de população. (TYDGADT 2019: 18)
Estariam nestes casos a Arrábida e o próprio desenvolvimento da cidade de Faro.

Gravura da cidade de Silves
Algazel na corte dos Normandos (ano 846)
No ano de 846 o Emir de Córdoba Abd ar-Rahman II envia Yahya Ibn al-Hakim Bakr, conhecido por Al-Ghazâl ou Algazel, “a gazela”, um dos maiores poetas e diplomata da sua época, numa viagem até à corte dos Normandos, acedendo a um pedido de paz feito pelo seu rei Thorgest. (DOZY 1881: 267)
Algazel era conhecido pela sua inteligência e célebre pela sua formosura, de onde lhe veio a alcunha de a gazela. Já tinha prestado serviço diplomático na corte cristã de Constantinopla e conhecera a corte de Harun ar-Rachid em Bagdade.
Acompanhado por Yahya ibn Habib, embarcou em Silves para a sua viagem para Norte, não se sabe se para a Irlanda, se para a Dinamarca, sendo portador de um presente do emir para o rei dos majus. O navio de Algazel foi acompanhado por um navio dos majus, onde seguia um emissário do rei dos normandos.
O cronista Tammam ibn ‘Alcama descreve assim o país dos majus:
“Era uma grande ilha no Oceano, onde existiam rios e jardins; ficava a três dias, o que equivale a trezentas milhas, da terra firme; havia um número inumerável de majus, e na envolvente muitas outras ilhas, grandes e pequenas, todas habitadas por majus, e o continente pertence-lhes também; é um grande país que precisa de vários dias para o percorrer.” (DOZY 1881: 270)
Algazel terá conseguido seduzir a rainha Noud, que se apaixonou por ele.
Escreveu Algazel que a rainha “permanece um sol de beleza após o anoitecer”. (GABRIEL 1999: 42)
Segundo Tammam ibn ‘Alcama, “a esposa do rei dos normandos de tal modo simpatizou com Algazel que não podia passar um dia sem o ver. Estas visitas frequentes depressa excitaram a curiosidade pública: os companheiros do embaixador não gostaram e aconselharam-lhe que fosse mais prudente.” (DOZY 1881: 274-275)
Esta visão romântica da missão diplomática de Algazel na terra dos normandos é posta a nu por Ibn Diyha, que refere que o objectivo era o do estabelecimento de tratados comerciais entre os omíadas e os majus para negócios de peles, armas e escravos. (TYDGADT 2019: 13)
Apesar de a sua missão ter sido bem-sucedida, a paz com os Majus não durou muito tempo.
No ano 850 uma esquadra de 150 dracars ataca os reinos cristão do Noroeste da Península, saqueando Gijon e A Corunha. O rei das Astúrias organiza um exército que os expulsa, fazendo 70 vikings prisioneiros, que são queimados vivos. Nos 10 anos seguintes os raids às costas do Reino de Leão são tão intensos que Afonso III manda erguer diversas fortificações para a sua defesa.

A costa mediterrânica de Marrocos
A segunda campanha (anos 859-861)
A segunda campanha dos vikings no Al-Andalus ocorreria apenas 13 anos após a viagem de Algazel.
No ano de 859 há notícia de uma nova incursão comandada por Hastein e Bjorn Ironsides, o flancos de ferro, fazendo vários ataques na costa Ocidental de Portugal e posteriormente atacando Sevilha, onde sofrem uma derrota contra a esquadra Omíada. De Sevilha dirigem-se para a costa Mediterrânica de Marrocos, onde saqueiam a cidade de Nakur, fazendo numerosos cativos. De Marrocos fazem novos ataques contra os reinos cristãos da Península, concretamente nas Baleares e em Navarra. Prosseguem atacando o Sul de França e saqueiam Pisa, em Itália. Algumas fontes Árabes afirmam que terão mesmo atingido a Grécia e o Egipto. No seu regresso à Escandinávia são destruídos por uma esquadra muçulmana e não mais voltariam ao Mediterrâneo.
O cronista Albelda conta que os normandos apareceram nas nossas costas, matando, incendiando e pilhando por todo o lado. (DOZY 1881: 279)
Ibn-Adhârî refere que os majus apareceram com 62 navios, dois dos quais foram capturados nas costas de Beja. Os restantes rumaram à barra do Guadalquivir e daí a Algeciras. Passaram a África, voltaram a Espanha e depois a França. (DOZY 1881: 280)
O Emirato de Nakur sofreu um violento ataque dos piratas majus, que no ano de 859, comandados por Hastein e Bjorn Ironsides, saquearam a cidade durante oito dias, fazendo inúmeros cativos. El-Bekri descreve o acontecimento:
“No ano 244 (858-859 de J.C.), os Madjous ‘Normandos’, que Deus os amaldiçoe! Invadiram a cidade de Nokour e pilharam-na. Levaram como cativos todos os habitantes que não conseguiram fugir. Entre os prisioneiros estavam Ammat-er-Rahman ‘a serva de Deus o misericordioso’, filha de Ouakef, filho de El-Motacem ibn Saleh, e a sua irmã Khanaoula: mas foram resgatadas pelo imam Mohammed ibn Abd er-Rahman, quinto soberano omíada da Hispânia. Durante oito dias a cidade de Nokour ficou sob o poder dos Madjous (idólatras, não crentes).” (EL-BEKRI 1859: 213)

Muralhas de Silves
A terceira campanha (ano 966)
A terceira campanha Maju aconteceu cerca de 100 anos depois, no ano de 966, durante o califado de Al-Hakim II. Foi uma campanha curta e desastrosa para os vikings. Começaram por atacar as costas da Galiza e daí rumam a Lisboa, onde desembarcam, travando várias batalhas nos campos circundantes, onde fazem numerosos prisioneiros.
Ibn-Adhârî refere que no ano de 966 o governador de Alcácer do Sal escreveu ao califa de Córdova dando-lhe conta que os majus apareceram com 28 navios e 2.240 homens. (DOZY 1881: 288)
De Alcácer enviam a frota para Sul, ao que o califa de Cordoba manda a esquadra Omíada ao seu encontro, comandada pelo kayidu-l-bahr (almirante do mar), chamado Abd ar-Rahman ibn Romahis. (AL-MAKKARI 1843: 159)
A batalha trava-se no Rio Arade, onde os Majus tinham entrado com o objectivo de atacar Silves. A esquadra Andalusina ataca os seus navios com recurso a projécteis de nafta incandescentes atirados por catapultas, afundando a maioria dos navios e pondo os restantes em fuga. Com a Batalha do Arade do ano de 966 terminam em definitivo os ataques dos vikings ao al-Andalus.
“Desde então chegavam a cada instante a Córdova, do Ocidente, novas sobre o movimento dos normandos, até que Alá os afastou.” (DOZY 1881: 289)
Bibliografia:
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BOSWORTH, Clifford Edmund (1996). New Islamic Dynasties, A Chronological and Genealogical Manual. Edinburgh: Edição do autor
COELHO, António Borges (1989). Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Editorial Caminho
COROMINAS, Joan [1961] (1987). Diccionario Etimológico de la Lengua Castellana. Madrid: Editorial Gredos
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DOZY, R. (1881). Recherches sur l’Histoire et la Littérature de l’Espagne Pendant le Moyen Age. Tome second. Paris : Maisonneuve & Co. / Leiden : Brill
EL-BEKRI (1859). Description de l’Afrique septentrionale. Traduite par Mac Guckin de Slane. Paris : Imprimerie Impériale
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MAZZOLI-GUINTARD, Christine (1996). “Les Normands dans le Sud de la péninsule Ibérique au milieu du IXe siècle: aspects du peuplement d’al-Andalus”. In Annales de Bretagne et des pays de l’Ouest. Tome 103, numéro 2, pp. 27-37. Persée
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TYDGADT, Adrien (2019). Pillards et marchands : les “Vikings” en Al-Andalus au IXe siècle. Academia EDU, página electrónica












































































































































































Os vikings sim fizerom aporte na peninsula iberica e noutras partes…mas em pouco numero…pais vasco frances…hondarribia e mundaka no pais vasco espanhol, muitos municipios das asturias e galiza, alguns do interior de cantabria e castela e leao e ate coria del rio(sevilha), a parte das ilhas canarias conquistadas por cavaleiros normandos para a coroa de castela e onde abundam apelidos da normandia, assim como tambem a madeira e açores e tambem varios municipios portugueses do norte…tambem tiverom presença em cadis, murcia(san pedro del pinatar) e tortosa(catalunha), curiosamente em todas estas zonas a muitas pesoas de cabelo e olhos claros, assim como comida tipica nordica e barcos muito parescidos a os drakkar…o mau e que tudo isto nao foi ainda muito estudado…mesmo que estas pesoas sejam conhecidas no norte da espanha pelos seus vizinhos limitrofes como vikings (hondarribia)…ou por ter ate 2000 palabras de orixem dinamarquesa (dialeto pixueto da lingua asturiana falado em cudillero)…
No próprio Rif de Marrocos a existência de populações de cabelo louro e olhos claros é conectada ao período das incursões vikings. E é curioso que existem estudiosos marroquinos (pelo menos um que eu conheci e que é professor na Universidade em los Angeles) que defendem uma ligação entre as comunidades rifenhas e as do País Basco. Também na Sicília existe um estilo arquitectónico de influência normanda. Como diz, é pena que o tema não esteja suficientemente estudado
Muito obrigado pelo seu artigo, que achei muito interessante. Sugiro-lhe duas correcções para o tornar mais preciso. A primeira é que os selos que incluiu com uma cena dos tempos da era Viking foram emitidos pelas Ilhas Faroé e não pela Dinamarca. As Ilhas Faroé são uma nação com governo e parlamento próprios cuja monarca é a rainha da Dinamarca. Por exemplo os serviços de correio nas Ilhas Faroé são independentes dos serviços de correio dinamarqueses desde 1 de Abril de 1976 (segundo a Wikipedia). A segunda sugestão de correcção é relativa a Harald “Dente Azul”, que foi um rei dinamarquês que exerceu domínio sobre a Noruega. Harald “Dente Azul” foi o rei que instaurou o cristianismo na Dinamarca.
Obrigado pelos seus reparos, que foram já tidos em consideração enquanto correcções ao texto