
Cala Iris
Este artigo aborda o período decorrido entre a chegada dos exércitos árabes ao Magrebe, sua entrada no al-Andalus, e em particular no Gharb al-Andalus, até à instituição do Califado de Córdova.
Magrebe significa ocidental. Al-Andalus é o nome da Península Ibérica durante o período árabe. O termo poderá ter origem em vandalicia, designação da Bética Romana ocupada pelos Vândalos (DOZY 1881: 301); em landa hlauts, designação dada pelos Visigodos à Bética (HALM 1989: obra citada); no árabe jazirat al-andaluz, que significa ilha do atlântico (VALLVÉ BERMEJO 1986: obra citada). Gharb significa Ocidente. O Gharb al-Andalus coincide grosso modo com os limites da antiga província romana da Lusitânia e corresponde sensivelmente ao atual território português arabizado/islamizado, abarcando parte da atual Extremadura espanhola e da Andaluzia Ocidental.

Jebha
O ano de 647 marca a chegada dos primeiros exércitos Omíadas aos confins da Ifriqiya, comamdados por Marwan b. al-Hakam. No entanto, as grandes campanhas militares para conquistar Marrocos apenas se iniciariam a partir do ano de 660, quando é proclamado o Califado Omiada em Damasco. (TAHIRI 2007:17-18)
Há notícia que nesse mesmo ano de 647, terá existido uma primeira incursão no al-Andalus por ‘Abd Allah ibn Nafi’ al-Hasin e ‘Abd Allah ibn Nafi’ ibn al-Qays, que atacam as costas Orientais da Península. (TAHIRI, 2019, p. 99, citando al-Tabari, Ibn al-Athir e Ibn Kuthayr)
A resistência berbere ao invasor árabe é significativa, destacando-se a acção de Kâhina Dâhiya e de Kusayla, este último tendo infligido uma pesada derrota aos Omíadas e conquistado Qairuan, onde se proclamou Emir. (TAHIRI 2007: 18)
Segundo Ahmed Tahiri “é possível que esta proclamação seja o embrião do mais antigo emirato berbere e muçulmano sobre todas as terras de Ifriqiya e Magrebe”. Tahiri refere-se ao emirato de Nakur. (TAHIRI 2007: 18)
A grande preocupação dos invasores nesta fase inicial foi a de ensinar aos povos autóctones o Alcorão e a jurisprudência muçulmana, como se passou nas campanhas de ‘Uqba b. Nafi’ e de Musa b. Nusayr. Qairuan foi o centro religioso desta política e foi ali que Sâlih b. Mansûr, um berbere da confederação Nafza, se converteu e foi convencido a rumar a Ifriqiya al-Aqsa, ou África Extrema. (TAHIRI 2007: 22)
‘Uqba b. Nafi’ al-Fihri foi nomeado em 670 comandante dos exércitos omíadas que conquistaram o Norte de África. Chegou em 681 ao Oceano Atlântico e atingiu os vales do Draa e do Suss.
A acção de Sâlih foi decisiva para a consolidação do poder Omíada no Rif e islamização da sua população. Desembarcou no porto de Temsaman e fundou o Ribat de Nakur, primeiro estabelecimento islâmico em Marrocos. (EL-BEKRI 1859: 211)
“Seguidamente outras confederações tribais converteram-se ao Islão, pela actividade de Sâlih al-Mansùr no Ribat Nakur, que se incorporaram na nova realidade político-religiosa”. (TAHIRI 2007:23)

Tazemourt na costa do Rif
Mussa ibn Nussayr é nomeado governador da Ifriqya em 698 por ‘Abd al-Aziz ibn Marwan, irmão do Califa Omíada de Damasco, ‘Abd al-Malik ibn Marwan, sem a autorização deste, destituindo o anterior governador, Hassan ibn al-Nu’man. Mussa era um antigo cristão capturado no actual Iraque e convertido ao Islão na Síria, onde se torna um importante chefe militar dos Omíadas.
No dizer de Al-Hijari, Mussa era um antigo maula ou cristão convertido, originário de Wadi-l-Korá, que se integrou na tribo dos Beni Merwan de Damasco após a conversão ao Islão. (AL-MAKKARI 1840: 299)
Segundo Ahmed Tahiri “fica claro nesta conspiração que a missão de Musa ibn Nusayr em África não era a difusão do Islão nem as presumíveis conquistas, mas tinha como objectivo abortar a acertada política de Hassan ibn al-Nu’man, a revogação de todos os pactos que este tinha concluído com os berberes muçulmanos e os compromissos com cristãos e não árabes”. (TAHIRI 2019: 41)
‘Uqba b. Nâfi’ empreende a transformação de muitos templos em mesquitas na cordilheira de Adarn, nome berbere do Alto Atlas e nos vales férteis do Ziz e do Draa. (TAHIRI 2007: 23-24)
Em 702 iniciam-se as campanhas de Mussa ibn Nussayr contra Marrocos, submetendo violentamente as cabilas na região de Sigilmassa, actual Rissani, Sanhaja, no Rif, e Awraba, na região de Fez. Conquista as cidades de Tânger e de Saqquma e extermina os seus habitantes. Submete o Suss com iguais acções de extermínio de populações. Conquista da Terra de Tamsna, no Oeste, sem resistência dos locais, com medo de represálias idênticas às do Suss. Apesar da violência generalizada da submissão das cabilas, as terras do Rif continuaram a ser governadas pelos locais, segundo um acordo especial. (TAHIRI 2019: 53.64)
A partir do ano de 704 podemos considerar que o Magrebe al-Aqsa se incorpora no território islâmico. Salih b. Mansûr proclama-se emir de Nakur, facto que é aceite pelo Califa de Damasco ‘Abd al-Malik. Este facto é confirmado pelo Califa, que ordena a Musa b. Nussayr que não deveria substituir Salih e não interferir nos assuntos internos de Nakur, o que na prática significava que Nakur era uma entidade autónoma dependente directamente de Damasco. (TAHIRI 2007:25)
O Emirato tem como capital a importante cidade de Nakur, resultado do desenvolvimento da antiga cidade de Temsaman, situada a uma meia dúzia de quilómetros na costa, e era servida pelo porto de Al-Mazamma, a partir do qual se estabeleciam significativas trocas comerciais com o Mediterrâneo. A importância comercial de Nakur muito deve à sua estreita ligação com a cidade de Sijilmassa, situada no Tafilalt marroquino, a uns escassos quilómetros da actual cidade de Rissani. Fundada em meados do século VIII pela tribo Miknasa, Sijilmassa era o local onde chegavam as caravanas do deserto do Sahara carregadas de mercadorias da África central.

Gibraltar
Nesta época a região do Estreito de Gibraltar era governada pelo Conde Julião (Yulyân), cujas possessões, com capital em Ceuta, abarcavam as costas do Estreito incluindo Tânger, Ceuta, al-Jadra (Algeciras) e suas respectivas regiões. (TAHIRI, 2019: 90)
No dizer de Al-‘Idar, “Gumara tinha Julião como emir”. (TAHIRI 2007:26)
Neste momento torna-se imprescindível esclarecer alguns conceitos:
A designação Rif não tinha na época o mesmo significado que hoje tem, ou seja, a de uma cadeia montanhosa. Significava uma área situada junto ao mar, fortemente urbanizada e onde abundava a água. Nafza e Gumara eram as duas principais confederações de tribos beberes do Rif. O Conde Julião era um cristão, representante do imperador bizantino Constantino IV, cujo território se integrava no da Hispânia Visigoda, mas que manifestou a sua aceitação do poder muçulmano, mediante o reconhecimento da sua autonomia e pagamento de um tributo.
O Califa de Damasco promoveu a integração dos territórios de Nakur e de Gumara numa sub-divisão autónoma da Ifriqiya, cujo governo foi atribuído a Tariq b. Ziyad, sendo nomeado emir da Tingitânia e suas regiões. Tariq era um berbere originário da Confederação Nafza, cuja missão seria a de assegurar a ligação entre Nakur e Ceuta com Damasco, mantendo as respectivas autonomias intactas. (TAHIRI 2007:28)
Com a morte do rei Visigodo Vitiza em 708, o chefe militar da Bética, Rodrigo, ocupa o poder em Toledo. Nesta altura as relações entre Julião e Rodrigo entram em rutura, quando o Conde envia a sua filha Florinda a Toledo, que Rodrigo viola. “Rodrigo, embriagado, violou a filha de Julião. Sabe-se que a ruptura entre Julião e o regime de Rodrigo foi a causa que o levou a escrever a Tariq e aos muçulmanos. Durante as negociações entre os dois, Julião prometeu-lhe que não apenas lhe entregaria as fortalezas sob o seu comando, como lhe entregaria toda a Espanha. (TAHIRI 2019: 137)
A conquista do Al-Andalus era uma ideia desde há muito congeminada por Tariq com o apoio dos Omíadas, arrastando consigo os emires de Nakur e de Ceuta.
A Hispânia Visigoda encontra-se num estado caótico. À degradação económica e social, e à insegurança nos campos e cidades, junta-se a guerra civil levada a cabo pelos descendentes do falecido rei Vitiza, coligados com o bispo Opa de Sevilha e como Conde Julião. Os descendentes de Vitiza pedem auxílio aos muçulmanos para derrotar Rodrigo.

Gibraltar
No ano de 710, Tariq b. Ziyad confiou a Tarif b. Shama’un (Al-Makkari chama-lhe Tarîf Abu Zar’ah, AL-MAKKARI 1840: 265) o comando da primeira missão de reconhecimento do al-Andalus. Tarif era um berbere originário da zona de Medina Sidónia, um andalusino, pelo que não surpreende esta nomeação. Tinha perfeito conhecimento do terreno.
Al-Makkari refere a primeira incursão muçulmana realizada por Tarîf em 710 com 100 cavaleiros e 400 homens de infantaria, como apoio do Conde Julião, o Cristão, Senhor de Ceuta, que provisionou 4 navios para o efeito, tendo regressado carregado de saque e cativos, e dando o seu nome à ilha de Tarifa, situada no estreito, anteriormente chamada Jazira al-Khadra ou ilha verde. (AL-MAKKARI 1840: 250-251 e 265)
Tariq prepara então uma invasão comandada por si mesmo. Os filhos de Vitiza foram ter com Tariq com garantias. Trata-se de um encontro que teve lugar na cidade de Tânger, nova capital do Magreb, na presença de Yulyan. As negociações foram mantidas sob um secretismo total, ao ponto de o próprio governador da Ifriqiya, Mussa b. Nussayr, não ter tido conhecimento. O Conde Julião teve um papel activo na travessia do Estreito pelo exército de Tariq, providenciando as embarcações em Ceuta e organizando a logística em Algeciras. Na prática, tratou-se de uma operação interna aos seus domínios, que abarcavam as duas margens do Estreito. (TAHIRI 2019: 141 e 151)
Tariq b. Zyad atravessa o Estreito de Gibraltar em 711 com um exército de “doze mil combatentes, originários de todas as cabilas do Magreb, acompanhados por vinte e sete homens árabes” e, com o apoio do Conde Julião, acampa junto ao monte chamado Jebel al-Fatah ou montanha da entrada, que adquire o seu nome, Jebel Tarik ou Gibraltar. Derrota as forças do revoltoso Rodrigo, estimadas em 40.000 homens, na Batalha de Al-Bahira ou de Barbate no dia 19 de Julho e na de Guadalete no dia 26 do mesmo mês. (TAHIRI 2019: 13)
A batalha de Guadalete ou Wadi-Lek (Rio Lek) é descrita nas fontes como um confronto entre os 12.000 homens de Tariq e o exército de Rodrigo com mais de 100.000 homens, cujo chefe se deslocava numa liteira cheio de tesouros e preciosidades. Exageros à parte, a verdade é que Guadalete foi o único confronto digno desse nome durante a entrada dos muçulmanos. A par de algumas escaramuças e resistências pontuais, o avanço de Tariq no al-Andalus foi conseguido por meio de uma política de acordos e de garantia dos direitos dos hispano-romanos e hispano-godos.
Al Makkari refere que “Ilyán, Senhor de Ceuta, que se tornara tributário dos muçulmanos, foi também enviado no exército com a gente dos seus domínios, para os guiar no caminho e recolher informações”. (AL-MAKKARI 1840: 270)

Carmona
A guerra contra o exército de Rodrigo prossegue em várias fortificações, onde se tinha refugiado, até à rendição de Toledo e, posteriormente, de toda a Península. Na sua campanha contam-se, como principais conquistas, Écija, Cordoba, Málaga, Granada, Orihuela, Guadalajara e Amaia. (COELHO 1989: 46-50)
Segundo Al-Makkari, Tariq seguiu por Sidónia, Moror, Carmona e Écija. (AL-MAKKARI 1840: 275)
“Após o afastamento dos golpistas do poder, a família real goda, já integrada no Dar-al-Islam (a Casa do Islão ou o território muçulmano), foi restabelecida no trono do país. Este facto ocorreu no cumprimento de um pacto de conciliação firmado entre as duas partes antagónicas sob a supervisão do emir do al-Andalus, Tariq b. Ziyad, que ficou conhecido na história como Fath al-Andalus, ou “conquista” do al-Andalus”. (TAHIRI 2019: 175)
A rapidez com que Tariq submete a Península deve-se à sua política de acordos, que permitiu a manutenção nas administrações civis dos antigos chefes, a posse das terras pelos seus proprietários, a liberdade religiosa e o pagamento de um tributo como forma de adesão à Dar al-Islam. Em três anos os muçulmanos conseguem um resultado que os romanos não tinham conseguido em 100 anos. Não podemos assim considerar que tenha havido uma invasão nem uma conquista, já que a entrada dos muçulmanos na Península resulta de um pedido realizado por largas franjas da sociedade peninsular e o processo de ocupação não se consumou pela força das armas, expropriação das terras e imposição de uma religião.
A liberdade religiosa professada pelo islão nas cidades ocupadas tinha como base jurídica a Dhimma, pacto que permitia às comunidades das Religiões do Livro, cristã e judaica, conservarem a sua liberdade de culto, mediante o pagamento de um imposto e a sua garantia de respeito pelo islão.
Na Península, à data da chegada do islão, existiam duas confissões cristãs. Uma ariana, unitária, que negava a trindade, e outra romana, trinitária. Com a chegada do islão deu-se uma rápida integração das correntes unitárias, cristãos arianos e judeus, que passaram a gozar do mesmo estatuto social e fiscal através da Dhimma. Ao invés, os cristãos romanos protagonizaram a resistência ao islão e constituíram o grupo que foi despojado dos seus bens e refugiou-se nas Astúrias.

Capela de São João Baptista em Lagos
As relações entre o islão peninsular e a cristandade ocidental desenvolvem-se e tornam-se contínuas. Os casamentos mistos são frequentes, sobretudo entre homens muçulmanos e mulheres cristãs. São designados moçárabes, termo que deriva do árabe musta’rib ou arabizado. O culto cristão era autorizado nas igrejas que funcionavam normalmente, sendo que não era autorizado o tocar dos sinos. Até à chegada das dinastias berberes, almorávidas e almóadas, os cristãos disfrutaram de liberdade religiosa e administrativa. O mesmo se passou em relação aos judeus que, apesar de constituírem um grupo social que contribuiu largamente para a prosperidade do Império, com o seu comércio de artigos de luxo e de escravos, se mantiveram menos integrados socialmente do que os cristãos. (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 31-39)
O processo de arabização ocorreu paralelamente ao processo de islamização, se bem que com expressões diferentes, já que a arabização foi generalizada, mas a islamização não o foi, conservando as várias comunidades as suas religiões. Os cristãos convertidos eram chamados mawlâ, que significa senhor e também protegido ou muwallâd que significa renascido ou adotado. Eram também chamados muladís.
A facilidade com que Tariq avança no al-Andalus e sobretudo a política de pactos que estabelece com os autóctones não agrada nada a Mussa, e a sua reacção foi brutal.
No ano de 712 Mussa b. Nussayr entra no al-Andalus com um poderoso exército Árabe composto de iemenitas e caissídas (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 9), reforçado por oficiais Berberes, e ataca Medina Sidónia, Carmona e Sevilha (COELHO 1989: 50-51).
A travessia do Estreito por Mussa faz-se junto ao monte mais elevado na costa de Marrocos, monte que adquire o seu nome, Jebel Mussa ou a Montanha de Mussa, e daí desembarca em Algeciras. (AL-MAKKARI 1840: 284)
Mussa terá então dividido o seu exército em três, um dos quais confia aos eu filho ‘Abd Allah, que se dirige para a zona de Málaga e Granada, o segundo confia ao outro filho ‘Abd al-Aziz, que ataca Orihuela, e o terceiro, comandado por ele, dirige-se para Mérida que se tinha revoltado, e é cercada, onde ‘Abd al-Aziz se junta ao pai.
Posteriormente Mussa prepara a campanha para a tomada do Norte da Lusitânia e da Galiza, estabelecendo a sua base em Astorga, anteriormente conquistada por Tariq, e conquista o Lugo, Chaves, Viseu e Braga. (DOMINGUES 1997: 58-60)

O Jebel Mussa no Estreito de Gibraltar
Ahmed Tahiri refere a constante quezília entre Tariq e Mussa, reforçando o caracter oportunista e ambicioso deste último e o carácter tendencioso de alguns cronistas que omitem este facto:
“A sua iniciativa de empreender caminho até ao al-Andalus não foi com a intenção de apoiar Tariq e completar as suas conquistas, como foi amplamente divulgado pelos antigos cronistas árabes e pela historiografia contemporânea, mas para salvar a sua carreira e reputação política. Não é nenhum segredo como fluiu a tinta das plumas para descrever e elevar o valor da falsa campanha de Musa b. Nusayr em comparação com a verdadeira, a de Tariq b.Ziyad”. (TAHIRI 2019: 180-181)
Em Junho de 712, Mussa e Tariq encontram-se em Córdoba, onde Tariq é feito prisioneiro. Só seria libertado dois anos depois, em Junho de 714. Tariq foi destituído, “maltratado, repreendido, vergastado e humilhado”. (TAHIRI 2007: 30)
A prisão de Tariq não foi apenas uma vingança com base na inveja e o ciúme, senão uma mudança radical na política de acordos. Para além de permitir que Mussa se apropriasse dos feitos de Tariq, o afastamento deste último permitiu a Mussa e ao seu filho ‘Abd al-Aziz começarem a violar os pactos estabelecidos. As referências contraditórias nas várias fontes podem explicar numerosas “duplicações” de conquistas de Tariq posteriormente atribuídas a Mussa e aos seus filhos. (TAHIRI 2019: 183-185)
De seguida usurpou o poder de Julião e entregou o território Gumara ao seu filho ‘Abd al-Malik, transferindo a capital de Ceuta para Tânger. A hostilidade Mussa contra Julião não era recente. Os ataques de Mussa contra Ceuta e as razias dos seus campos remontavam aos tempos de Vitiza, que apoiava Julião nesta contenda. Julião sempre se defendeu valentemente, mas acabou por sucumbir. (AL-MAKKARI 1840: 253-254)
Mussa iniciou uma crise generalizada nos territórios que os Omíadas controlavam debaixo de um respeito pelas suas autonomias e que se declaram independentes, incluindo o de Nakur por mão de Salih b. Mansur. (TAHIRI 2007: 30)
Entretanto chegam aos ouvidos do Califa Omíada as notícias sobre “a permanência do emir Musa b. Nusayr com os seus homens no al-Andalus sem o seu consentimento, facto que o preocupou”. O Califa envia Mughit com ordens para que voltasse a África e libertasse Tariq, ordens que Mussa não acatou. O Califa enviou outro emissário chamado Abu Nasr com ordens categóricas. Mussa, Tariq e Mughit regressam a Africa e daí a Damasco. O governo do al-Andalus fica nas mãos do filho de Mussa, ‘Abd al-Aziz b. Mussa. (TAHIRI 2019: 185-186)

Silves
Mérida rende-se em 713 após vários meses de cerco. Nos termos da rendição foi garantida aos cristãos a posse das suas terras e liberdade de culto. As terras dos mortos, dos que fugiram para Norte e da Igreja passaram para as mãos dos vencedores. No cerco de Mérida foi aprisionada Egilona, mulher de Rodrigo, que se viria a casar com ‘Abd al-Aziz. (DOMINGUES 1997: 56)
Terá sido também durante o cerco de Mérida que ‘Abd al-Aziz submete Ossónoba. Évora é ocupada neste ano sem combate. (DOMINGUES 2010: 85)
Em 714, Santarém, Lisboa e Coimbra entregam-se sem combate a ‘Abd al-Aziz b. Mussa, que garantiu aos cristãos dessas regiões a plena posse das suas terras, conforme relata o historiador Mohamed Ibn Muzayne de Silves.
‘Abd al-Aziz seria morto em 715 pelo seu próprio exército, a mando do Califa Suleiman, e com o assentimento do seu pai, supostamente por ser um “mau muçulmano e um revoltoso”. Na base da acusação estaria o facto de se ter casado com a viúva de Rodrigo, a quem os árabes chamavam Umm-‘A´ssem (mãe do protector). Egilona, cujo nome de baptismo era Eylah, beneficiava da Dimmah, professando livremente a religião cristã, e era inclusivamente proprietária de uma igreja em Sevilha que ‘Abd al-Aziz contruiu para si. No dizer de Al-Makkari, ‘Abd al-Aziz tinha uma forte ligação a Egilona e estava profundamente enamorado dos seus encantos. (AL-MAKKARI 1843: 30-31)
Integrado nas tropas de Mussa vinha um importante destacamento de Árabes do Yemen, que ocupam o actual Algarve. O seu chefe, Abu Sabah Al-Yahsubi é nomeado governador da Kura (província) de Ossónoba, cuja capital é a cidade de Silves. Para além dos iemenitas, instala-se na zona de Faro um destacamento do Jund (exército) de Egípcios.
No ano de 741 estala uma revolta berbere generalizada como contestação ao poder centralizado instituído pelo Califa de Damasco, contra a qual o Califa Hixam envia uma força de tropas sírias. (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 10-14)
Esse exército, comandado pelo general Balg b. Bishr, tinha 30.000 homens, entre os quais 12.000 sírios, tropas do governador do al-Andalus ‘Abd al-Malik ibn Katan e Árabes instalados em Espanha. A revolta foi esmagada e seguiu-se uma terrível repressão, de acordo com o cronista Ibn ‘Idari.

A costa do Rif
No ano de 750 dá-se a queda do Califado Omíada de Damasco e instituição do Califado Abássida de Bagdade. Os Omíadas são chacinados no massacre de Abu Fotros, mas dois príncipes, ‘Abd ar-Rahman e Idriss conseguem fugir para o Magrebe.
O Califa Omíada Maruane ibn Mohamed é assassinado e a sua cabeça enviada a Açafah, primeiro Califa Abássida, que transfere a capital do califado de Damasco para Bagdade. Os Omíadas são perseguidos e assassinados, desde os homens às mulheres e crianças. Para se salvarem, os sobreviventes ocultaram-se entre as tribos mas os Abássidas encontraram um estratagema traiçoeiro para os chacinarem. Anunciaram um perdão e enviaram cartas de segurança, tendo-se apresentado muitos ao novo califa. Foram decapitados 73 junto ao rio Abu Fotros, nome com que ficou conhecida a matança. Os restantes Benu Umaia ao saberem do perdão tinham regressado a suas casas, onde também foram mortos. (AL-MAKKARI 1843: 58-60)
No al-Andalus o novo poder Abássida é entregue ao governador Yussuf. (COELHO 1989: 79-81)
Com a revolta Abássida de 750 e consequente transferência do poder califal de Damasco para Bagdade, é criada uma situação de crise política e fraccionamento do poder no Magrebe.
Os dois príncipes Omíadas fugidos do Médio Oriente refugiam-se no Ocidente do império, onde vão criar dois emiratos independentes do Califado Abássida.
Idrissi refugia-se nas montanhas do Médio Atlas e funda em 789 a Dinastia Idrissida, com o apoio de tribos berberes, e estabelece a sua capital na cidade de Fés. É considerada a primeira dinastia marroquina, durante a qual são pela primeira vez delineadas as actuais fronteiras do Reino de Marrocos e estabelecida a sua identidade enquanto Nação Árabe-Berbere.
‘Abd ar-Rahman ad-Dajil (o Imigrado), refugia-se no Rif, no seio dos Nafza, tribo berbere da qual era originária a sua mãe. (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 15)
“Foi em Temsaman que Abd ar-Rahman se refugiou durante quatro anos. Ali amadureceram as aspirações políticas do fugitivo omíada, se elaboraram os planos para se realizar o histórico desembarque em Almuñecar e cristalizaram-se os preparativos para a tomada do poder no al-Andalus. O apoio logístico do emir de Nakur, Idris b. Salih b. Mansur, foi fundamental para a fundação do emirato omíada de Córdova.” (TAHIRI 2007: 57)

A Mulher Morta (o Jebel Mussa visto de Ceuta)
‘Abd ar-Rahman travessa o Estreito de Gibraltar em Setembro de 755 com um exército de Berberes e com o apoio dos iemenitas de Espanha (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 16), derrota os Abássidas do governador Yussuf e institui o Emirato Omíada de Córdova no ano de 756, tomando o nome de Abd ar-Rahman I. As tropas do Jund egípcio são expulsas do al-Andalus pelo facto de terem apoiado o representante dos Abássidas, Yussuf, na oposição à entrada dos Omíadas na Península. (COELHO 1989: 91-93)
Al-Makkari refere que ‘Abd ar-Rahman embarcou no Rif e desembarcou na costa de Al-Birah (Elvira), no local de Al-Munekab (Almuñecar), onde era aguardado por Abu Othman e o seu genro Abu Kháled, que o levaram para Torosh (Torrox). Sete meses depois entrava em Córdova, após derrotar Yussuf na batalha de Musárah, nos arredores da cidade. (AL-MAKKARI 1843: 66 e 71)
Em Sevilha, ‘Abd ar-Rahman encontra-se com o chefe dos iemenitas, Abu as-Sabah b. Yahya al-Yahssubi, governador do Algarve, a quem prometeu o governo da kura de Sevilha.
A instituição do Emirato de Córdova foi em grande parte possível pelo apoio que o Emirato de Nakur deu a ‘Abd ar-Rahman. Posteriormente, Nakur apoiou o Emirato Omíada “na organização estatal e na estruturação do poder político e administrativo”. (TAHIRI 2007: 77)
Á data da instituição do Emirato de Córdova já existiam no Magrebe três outros emiratos: o de Nakur, instituído em 710, o Idrisida de Fez, instituído em 789 e o de Tamsna, instituído em 744 pelos Berghouata na região da Chaouia. Em 758 é instituído o Emirato de Sigilmassa pelos Beni Midrar.
Voltemos a Córdova, onde ‘Abd ar-Rahman é confrontado com uma revolta dos Árabes do Iemen do Algarve. O emir tinha prometido ao seu líder, Abu Sabah, o governo de Sevilha em troca do apoio dado à derrota dos Abássidas no al-Andalus, mas a promessa não é cumprida e os iemenitas revoltam-se. Abu Sabah é chamado a Córdoba, onde se dirige com 400 cavaleiros seus. O emir recebe-o a sós e mata-o. No seguimento da morte de Abu Sabah, Beja revolta-se e organiza um exército que marcha sobre Córdoba, sendo dizimado pelas tropas do emir. (COELHO 1989: 103-106)
Al-Makkari referencia a revolta dos iemenitas ao ano de 768 (AL-MAKKARI 1843: 82), mas a generalidade dos autores consultados colocam-na antes do ano de 764.
Tribos Berberes revoltam-se na região do Alentejo 764, comandados por um guerreiro chamado Xáquia, que manteve durante durante seis anos a região entre o Tejo e o Guadiana independente. (DOMINGUES 2010: 92)

Santa Maria do Ocidente (Faro)
Os berberes imigrados em Espanha viviam sobretudo nas zonas rurais, principalmente nas regiões montanhosa, enquanto os árabes eram uma população maioritariamente urbana. As migrações árabes para a Península deram-se principalmente até ao século IX, enquanto as dos berberes se prolongaram até à época Almóada. A política africana dos califas ‘Abd ar-Rahman III e al-Hakam favoreceu estas migrações, como forma de constituir corpos de mercenários para fazer face à aristocracia árabe. As quatro principais confederações berberes no al-Andalus foram os Matghara, Madyuna, Miknasa e os Hawara. (LÉVI-PROVENÇAL 1996: 23-26)
No ano de 879 estalam as revoltas muladis no Algarve, que mantiveram a região independente durante 50 anos. A revolta inicia-se Ukshunuba (Faro) que passa a chamar-se Santa Maria do Ocidente, mas a capital política dos Banu Bakr ou Becres, é a cidade de Silves. (DOMINGUES 2010: 97-102)
A vida política do al-Andalus foi sempre conturbada, marcada por tentativas de centralização do poder e de revoltas por autonomias regionais. O caráter tribal das ocupações das várias zonas por etnias árabes e berberes e a existência de comunidades de muladís e de moçárabes organizadas contribuíram em grande medida para essa situação.
No Magrebe, a vida dos emiratos instituídas encontrava-se permanentemente ameaçada com ataques de várias proveniências.
No ano de 909 surge o Califado Fatimita com capital em Mahdiya na actual Tunísia, capital que é posteriormente transferida para a cidade de Mansouria. Os Fatimitas são uma ameaça constante para os emiratos, tendo aniquilado o Emirato Idrissida em 985 por intermédio de berberes Miknasa. Aliás, o Emirato Idrissida já fora sistematicamente atacado pelos Abássidas de Bagdade que assassinam Idrissi I por ordem do Califa Harún ar-Rachid. A sua mulher Kenza estava então grávida e o nascimento de um filho varão assegurou a continuidade da dinastia até esse momento.
O Emirato de Nakur sofreu inicialmente um violento ataque dos piratas Majus ou Vikings, que no ano de 859, comandados por Hastein e Bjorn Ironsides, saquearam a cidade durante oito dias, fazendo inúmeros cativos. El-Bekri descreve o acontecimento:
“No ano 858, os Madjous ‘Normandos’, que Deus os amaldiçoe! Invadiram a cidade de Nokour e pilharam-na. Levaram como cativos todos os habitantes que não conseguiram fugir. Entre os prisioneiros estavam Ammat-er-Rahman ‘a serva de Deus o misericordioso’, filha de Ouakef, filho de El-Motacem ibn Saleh, e a sua irmã Khanaoula: mas foram resgatadas pelo imam Mohammed ibn Abd er-Rahman, quinto soberano omíada da Hispânia. Durante oito dias a cidade de Nokour ficou sob o poder dos Madjous (idólatras, não crentes).” (EL-BEKRI 1859: 213)

Drakar Viking
Os Majus fizeram três incursões no al-Andalus. A primeira iniciou-se em 844 e teve como principal alvo a zona de Sevilha, onde fizeram grandes estragos, para além de terem atacado Lisboa, Cádis, Faro e Beja. A segunda campanha iniciou-se em 859 e os ataques centraram-se na costa Ocidental de Portugal, em Sevilha e Nakur. A terceira começou em 966, atacando Lisboa e rumando posteriormente a Silves, onde sofreram uma derrota naval arrasadora. A esquadra Andalusa ataca os seus navios com recurso a projecteis de nafta incandescentes atirados por catapultas, afundando a maioria dos navios e pondo os restantes em fuga. Com a Batalha do Arade do ano de 966 terminam em definitivo os ataques dos vikings ao al-Andalus.
Nakour seria destruída duas vezes pelos Fatimitas, em 917 e 934, e duas vezes reedificada, pelo Califa de Córdova em 931 e de novo reconstruída, sendo finalmente apagada do mapa pelos Almorávidas em 1080 que viam na sua relação comercial com Sigilmassa uma concorrência com o eixo comercial Marraquexe-Rabat que pretendiam desenvolver.
No ano de 929, ‘Abd ar-Rahman III proclama-se amir al-muminin ou príncipe dos crentes, e o Emirato transforma-se em Califado. A proclamação do Califado de Córdova é um golpe no equilíbrio institucional que vigorava entre os emiratos do Magrebe e o do al-Andalus, já que, ao colocar Córdova num patamar superior, implicava a submissão dos emiratos ao seu poder, situação que era inaceitável para os emires magrebinos.
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