
Arcos lobulados no interior do Castelo de Silves
“O palácio do Xarajibe, de Silves, foi, no Ocidente, uma autêntica visão das ‘Mil e uma Noites’.
Cantaram-no os poetas com o mais alto requinte, adornaram-no os artistas com obras de estranho lavor, celebraram-no os historiadores, como encantadora residência principesca.
Dessa harmonia chegam até nós os ecos apagados, num suave murmúrio…E o Xarajibe esplende, de novo, rebrilhando em vivos fulgores.
Ficaram célebres as suas noites de festa e de música, de poesia e de dança, de encantamento sem par; as suas tardes suaves e mornas, de doces afagos, de reflexos violetas e de branda penumbra; os seus dias claros e ardentes de tragédia e de luta, em que os pátios e os mosaicos das salas se tingiram do sangue da vingança e do crime; as suas madrugadas de terrores, de suspeitas e de alucinações; as suas manhãs de iluminura, aureoladas pela esperança de novas e felizes alianças; as suas horas de fogo e de guerra, em que tudo se joga e tudo se ganha ou perde.
Evocar o Xarajibe é evocar uma época, um estilo de vida _ a época e o estilo de vida dos luso-árabes.”
(José Garcia Domingues in Revista Atlântico nº 4, Nova Série, 1947, p. 42)

Torre albarrã e Torre de Aben Afan
O Xarajibe nas fontes
A referência mais antiga que existe sobre o chamado Palácio do Xarajibe encontra-se no poema de Al-Mu’tamid ibn ‘Abbad (Al-Muatamid), escrito a Ibn ‘Ammâr al-Andalusî, no século XI, conservado pelo historiador Ibn Cacane na sua obra Calaíde al-Iquiane (Colares de Ouro). O texto árabe foi reproduzido por Reinhart Dozy na obra Scriptorum Arabum loci de Abbadidis, na página 39, apresentando uma tradução em latim na página 83, cujo excerto é o seguinte:
O poema foi traduzido por Garcia Domingues: “Saúda o Palácio do Xarajibe da parte dum donzel que perpetuamente suspira por esse Palácio” (DOMINGUES 1947: 43)
Existem outras traduções do poema em francês, espanhol e português, que apresentam os seguintes textos, traduzidos pelo autor deste artigo:
“Saúda sobretudo o Charâdjîb, esse soberbo palácio (…) e diz-lhe que há aqui um jovem cavaleiro que a toda a hora arde do desejo de o rever”. (DOZY 1861: 146)
“Saúda sobretudo o Sharadjib, esse soberbo palácio, (…) e dize-lhe que ha aqui um joven cavalleiro que anceia a toda a hora por tornar a vê-lo ” (PARREIRA 1898: 286)
“Saúda o Palácio das Varandas, da parte de um donzel que sente perpétua nostalgia daquele castelo”. (GARCÍA GÓMEZ 1905: 73)
“Saúda sobretudo o palácio d’aš-Šarâǧib da parte de um jovem cavaleiro que sente por ele a mais viva paixão”. (PERES 1953 : 148)
Garcia Domingues considera que a tradução de Emílio García Gómez “é a mais exacta que conhecemos” e é coincidente com a sua própria versão. (DOMINGUES 1947: 49)

Silves. A cidade e o castelo
Outra referência ao Xarajibe é a sua descrição feita por Al-Mu’taz Billah (Al-Muataz ou Almotaze), filho de Al-Mu’tamide, e wali (governador) de Silves, também citada pelo historiador Ibn Cacane, que pretendia fazer a biografia do seu irmão Ar-Râdî (Arradi). Ibn Cacane transcreve o poema de Al-Mu’taz, numa noite em que Ar-Râdî foi homenageado e em que se evoca o Xarajibe.
O texto em árabe encontra-se reproduzido por Reinhart Dozy na obra Scriptorum Arabum loci de Abbadidis, na página 170, apresentando uma tradução em latim nas páginas 178 e 179.
A transcrição da passagem inicial em árabe é a seguinte:

A tradução para português do texto de Dozy por Garcia Domingues é a seguinte:
“Este palácio do Xarajibe chegara então ao mais alto cimo da magnificência e do esplendor. Era semelhante ao mais ínclito da cidade de Bagdade, no Iraque”. (DOMINGUES 1947: 44)
E Garcia Domingues segue com a tradução do texto de Dozy:
“Corriam nele os nobres cavalos nos seus átrios e brilhavam nos seus terraços os relâmpagos das coisas que mais se poderia desejar e ele oferecia. A fortuna, na verdade obediente, irradiava dele, desde aquele momento em que começava a viagem da manhã até ao fim da viagem da tarde, isto naqueles dias em que não eram afastados desse palácio os talismãs que constituíam a sua segurança. E não faltavam, sequer, ao palácio, cálices com as flores da juventude. Esta cidade tinha-o como local onde alegremente vivia a sua múltipla esperança e a mais alta das suas riquezas. Ao que se acrescentava a beleza do panorama, a fragrância dos perfumes e das brisas e a disposição alegre e luxuriante dos jardins e dos tufos de arvoredo. Além do mais, era esta cidade quase rodeada pelos seus dois rios como por um colar, do mesmo modo e no mesmo local em que o homem costuma usar o cinturão” (DOMINGUES 1947: 44)

Zona escavada no interior do castelo
O referido palácio existente em Bagdade é identificado por Henri Peres como sendo o Palácio Zaura (DOMINGUES 1947: 50), que aqui se reproduz com tradução a partir do francês pelo autor deste artigo:
“Sobre o Palácio das Varandas (sarâgib), não sabemos nada, senão que rivalizava em beleza com o Zawrd’ do Iraque, quer dizer, com o mais belo palácio de Bagdade. Ainda existia no século XII e no século XIII”. (PERES 1953: 148)
Garcia Domingues refere sobre o texto de Al-Mu’taz que nessa época Silves era rodeada por dois braços de rio. O actual e outro que partia do Enxerim e contornava a cidade pelo lado Norte.

O Castelo de Silves
Ibn Alabar conta o assassinato do místico Ibn Qasi no Xarajibe:
“Assassinaram-no no mês de jumada Iº de 546, no Alcácer do Xarajibe onde vivia”.
Garcia Domingues esclarece que “esta passagem da Al-Hullat Assiirra de Ibne Alabar, foi transcrita por Dozy em Notices sur quelques manuscri pts arabes, pág. 200 e traduzida pelo Dr. David Lopes, em Os Árabes nas obras de Alexandre Herculano, pág. 333”. (DOMINGUES 1947: 50)
Esta tradução não corresponde exactamente ao texto de Ibn Alabar, tendo em conta que junta duas frases que se encontram separadas no texto original e altera a sua ordem.

Tradução do autor deste artigo a partir do árabe, das duas frases na sua ordem original e com indicação do hiato:
“Mataram-no no alcácer do Xarajibe onde morava (…) e isso ocorreu no mês de Jumada 1º do ano de 546”.

O Castelo de Silves
O historiador do século XIV Abû al-Fidâ (Abulfeda) refere-se a Silves e ao Xarajibe na sua obra Taqwim Al-buldan, na página 167:

Tradução do autor deste artigo a partir do árabe:
“Silves é uma bela cidade famosa pelos seus escritores e foi nela que Al-Mu’tamid ibn ‘Abbad cresceu. Em Silves existe o alcácer do Xarajibe, sobre o qual ele escreveu saúda o Palácio do Xarajibe da parte de um donzel que perpetuamente suspira por esse palácio”.

O Xarajibe na História
Abd al-‘Aziz ben Mussa Mussa ocupa o Algarve em 713 e é instituída a kura ou província de Ossónoba, cuja capital é a cidade de Silves, que começa a ser fortificada. A muralha pré-califal do século VIII-IX foi construída sobre uma cerca romano-visigótica, referenciada aos séculos VI-VII. Uma segunda cerca foi edificada sobre esta no século IX-X. (GOMES 2011: 324)
A alcáçova terá também sido ocupada desde o século VIII, possivelmente com características palacianas. (GOMES 2011: 325)
No ano de 879, os muladis (mawlâ significa senhor e também protegido e designava os muçulmanos não árabes; muwallâd significa renascido ou adoptado. São dois termos que se referem aos cristãos convertidos ao islão, também chamados muladís) de Santa Maria do Ocidente (Faro) revoltam-se contra o Emir de Códova. A revolta, protagonizada pelos Becres (Banu Bakr), inseriu-se na insurreição generalizada que os muladis do Gharb al-Andalus levaram a cabo com o apoio das comunidades moçárabes.
Apesar de a revolta se afirmar em Santa Maria, a capital dos Becres é transferida para Silves, que a partir desta data adquire a sua notoriedade. O carácter de reino independente que o Algarve adquire nesta época prolongou-se por três gerações, com duração de 50 anos, e foi protagonizadas por Iáhia ibn Becre, um muladi de recente conversão ao Islão neto de um moçárabe (do árabe musta’rib ou arabizado, é o nome dado aos cristãos arabizados) chamado Rudolfo, e pelos seus descendentes, Becre ibn Iáhia e Cálafe ibn Becre. (DOMINGUES, 2010: 97-102)
Garcia Domingues refere a propósito de Becre ben Iáhia:
“Engrandeceu a cidade de Silves, onde instalou uma chancelaria, um conselho de estado e tropas numerosas, bem equipadas e armadas e acostumadas à disciplina”. (DOMINGUES 2010: 100)
E acrescenta que, o instalar em Silves a Chancelaria (mexuar) e o Conselho de Estado (diwân), Becre inicia a formação do futuro Palácio do Xarajibe. (DOMINGUES 1947: 47)

O sistema defensivo de Silves
Ar-Razi, citado por António Borges Coelho, refere no século X, que “sob o seu senhorio (o de Ocsónoba) há vilas e castelos, um dos quais é Silves, que é a melhor vila do Algarve”. (COELHO 1989: 50)
Em 1031 dá-se a queda do Califado de Córdova e o fracionamento do Al-Andalus em reinos independentes ou Reinos de Taifas. O Algarve é dividido em duas Taifas, Silves e Santa Maria. A Taifa de Silves é governada pelos Banu Muzaine, que já em 1028 governavam a cidade. (DOMINGUES 2010: 117)
Ahmed Tahiri referencia o Xarajibe ao período dos Primeiros Reinos de Taifas e ao governo dos Banu Muzain em Silves:
“No que se refere aos elementos urbanísticos da cidade de Silves, temos referência textual sobre a existência de um antigo palácio intramuros denominado nas fontes como al-Qasr. Foi o recinto palaciano onde residiram os Banu Muzayn antes da anexação do Algarve ao reino ‘abbadi de Sevilha. Seria o mesmo palácio taifa reputado entre os homens de letras de Al-Andalus pelo nome de Qasr al-Xarajib (Palácio das Varandas), submetido nessas datas a algumas obras de restauração ou de ampliação.” (TAHIRI 2007: 183)
Tahiri acrescenta que Silves tinha ruas pavimentadas com mármore e a sua mesquita principal era um elemento fundamental da topografia urbana da cidade. (TAHIRI 2007: 184)
Segundo Felipe Maillo Salgado, os Banu Muzain intervencionaram as muralhas da cidade. (MAILLO SALGADO 1991: 33)

A muralha da Alcáçova e a Torre das Mulheres
Os dois reinos independentes do Algarve foram conquistados pelos Abádidas que governavam a Taifa de Sevilha, criando um grande reino que abarcava o Algarve e a parte Ocidental da actual Andaluzia Espanhola.
O último príncipe dos Beni-Mozaine foi morto no Xarajibe, depois duma resistência heróica travada contra ‘Abbad al-Mu’tadid, pai de Al-Mu’tamid Ibn ‘Abbad, que “penetrou no seu palácio, fê-lo prisioneiro e cortou-lhe injustamente a cabeça com ofensa audaz de Alá o grande poderoso. Ocorreu isto em Xaual de 455 (Set-Out. de 1063)”. (COELHO 1989: 215)
Foi durante o reinado dos Abádidas em Silves, sobretudo de Al-Mu’tamid, de Ibn ‘Ammar e de Mu’taz Billah, que o Xarajibe atinge o seu máximo esplendor.
“Durante as denominadas primeiras taifas, Silves dependia administrativamente de Sevilha, sendo possível que ao longo daquele período possuísse, apenas, dispositivo defensivo delimitando a alcáçova. Aquele foi mencionado na eloquente poesia “Evocação de Silves” de Al-Mutamide, quando rei de Sevilha, onde recorda com saudade os tempos que ali passou, como governador da cidade, no Palácio das Varandas”. (GOMES 2011: 325)
Esta possibilidade levantada por Rosa Varela Gomes prende-se com o facto de, muito provavelmente, o Califa de Córdova Abdarramão III ter mandado demolir a muralha que cercava a medina de Silves, por forma a “impedir possíveis insurreições locais”. (GOMES 2011: 325)

Gravura de Silves publicada na revista Panorama nº 27 de 1842. p. 209
As ameaças dos cristãos aos Reinos de Taifas provocaram um pedido de auxílio aos Almorávidas, que invadiram o al-Andalus e o unificaram. Muitos dos reis das Taifas foram mortos, outros feitos prisioneiros. Corria o ano de 1091.
“Almutâmide e a família foram privados de todas as suas riquezas. E sem a menor provisão para o seu sustento meteram-nos num barco que os levou a África como se se tratasse de um comboio fúnebre”. (COELHO 1989: 255)
Nos Segundos Reinos de Taifas, Abû al-Qassim ibn Qasî foi governador de um vasto território com capital em Mértola, cidade que administrava.
“Ibn Caci conferiu o governo de Beja a Ibn Wazir e o de Silves a Ibn Almundir”. (DOMINGUES 2010: 190)
Mas os seus partidários deixaram de o apoiar e Ibn Qasî foi a Marrocos pedir ajuda a Abdel Mumen, chefe dos Almóadas. Regressou a Silves, sua terra natal, que governou com o apoio Almóada. Mas Abdel Mumen tinha a pretensão de unificar o Al-Andalus e Ibn Qasî fez um pacto com Afonso Henriques, que lhe foi fatal.
O poder de Ibn Qasi em Silves durou até ao ano de 1151, data em foi assassinado no alcácer do Xarajibe, como contou Ibn Alabar. (DOZY 1847: 200)

Uma das torres albarrãs do Castelo de Silves
No período Almóada a cidade foi alvo de importantes obras, nomeadamente na alcáçova e na construção de uma nova muralha e de torres albarrãs (GOMES 2011: 324 e 327-331).
Huici de Miranda relata o envio por ‘Umar Timsalit de numerosos pedreiros de Silves para Beja, para reconstruir as fortificações desta cidade após os estragos causados durante a sua ocupação por Geraldo o Sem Pavor, numa descrição de Ibn ‘Îdârî al-Marrâkuxî (tradução do espanhol pelo autor deste artigo):
“Quarta-feira, 7 de Jumada 1º do ano de 570 que relatamos – 4 de Dezembro de 1174 – chegou ‘Umar b. Timsalit de Silves e outros lugares com quinhentos homens recrutados e pedreiros, levando víveres para um mês inteiro e tudo o que necessitavam de ferramentas para edificar. Continuou o trabalho e o esforço para reconstruir a muralha, até ao final do citado mês – termina a 28 de Dezembro de 1174 -. Voltou Ibn Timsalit outra vez a Silves e ao Algarve, a fim de fazer outra recruta para a reconstrução e o trabalho prolongou-se na referida construção até ao mês do Ramadão – começa em 26 de Março de 1175 -. Uma vez terminada a muralha da alcáçova, começou-se a reconstruir o muro da cidade, apesar da sua extensão e ruína.” (HUICI DE MIRANDA 1953: 20)
Al-Idrisi descreve Silves na sua Primeira Geografia do Ocidente, escrita no século XII (tradução do francês pelo autor deste artigo):
“É uma bonita cidade construída numa planície, rodeada por uma muralha bem defendida. Os seus arredores são cultivados e plantados de jardins; aí se bebe uma água de um rio que chega à cidade do lado Sul e que faz mover moinhos (…) A cidade é bonita e tem edifícios elegantes e mercados bem fornecidos”. (AL-IDRISI [1154?) 1999: 262)

Gravura da cidade de Silves de João Baptista da Silva Lopes, em 1844
Silves seria conquistada pelos cristãos em 1189, reconquistada pelos Almóadas em 1191 e definitivamente perdida para os portugueses em 1249 durante a campanha de D. Afonso III e D. Paio Peres Correia.
João Baptista da Silva Lopes traduz a descrição de Silves por um cruzado que participou na sua conquista em 1189:
“O estado de Silves he tal qual passo a descrever. Em grandeza não discrepa ella muito de Goslar (cidade da Alemanha); todavia tem muito mais casas e mansões ameníssimas; he cingida de muros e fossos, de tal arte que nem huma só choupana se encontra fora dos muros, é dentro delles havia quatro ordens de fortificações, a primeira das quaes era como huma vasta cidade estendida pelo valle chamado Rovale (arrabalde). A maior estava no monte, e davão lhe o nome de Almedina (cidade) tendo outra fortificação na encosta que desce para o mesmo vallea fim de proteger o canal das águas, e hum certo rio chamado Arade ou Brade; outro corre para o mesmo, o qual se chama Odelouca; e sobre o canal ha quatro torres, de modo que por aqui se provesse sempre d’agua em abastança a cidade superior, e tem esta fortificação o nome de Coirasce (Couraça). As entradas pelas portas erão de tal arte angulosas e tortuosas, que mais facilmente serião escalados os muros do que entraria alguém por ellas. Abaixo da primeira era o castello que se chamava Alcay. Também havia huma grande torre no Rovale, e tinha huma estrada coberta para Almedina, de sorte que delia se podia ver o que se passava de fora dos muros da Almedina, e os que acommettessem os muros de revéz podessem ser offendidos da torre, e da parte opposta, e esta chamava-se Alvierana (albarrã). Cumpre notar que estes nomes são appellativos e não próprios, pois em toda a parte que por estas terras ha semelhantes localidades nas cidades, dão-lhes os mesmos nomes assim os infiéis como os christãos. Os Mouros que habitão em Hespanha chamão-se Andaluzes; os que morão na Africa Mucimilas, ou Moedirnas, e os que vivem em Marrocos Moraviditas. Também se deve notar que as torres estavão tão perto nos muros de cada cidadella , que qualquer pedra atirada d’huma dellas cursava até á terceira, e em algumas partes ainda erão mais próximas.” (LOPES 1844; 14 e 16)

As muralhas vistas do lado Norte
Sobre a localização do Xarajibe, Garcia Domingues localiza-o no actual Castelo de Silves. “Inclinamo-nos para a sua localização no próprio castelo de Silves. A designação de “alcácer” ou “castelo” está a indicá-lo. Não cremos que a cidade de Silves tivesse, nesses tempos recuados, outro castelo superior ao actual”. (DOMINGUES 1947: 45)
O Xarajibe não coincidiria apenas com a área do actual Castelo, ocupando também a “zona de uma moradia com amplos quintais” existente do lado Oeste. “Ainda no século passado, como se pode provar por fotografias, havia uma comunicação bem saliente, entre o castelo e os edifícios a ocidente, agora desaparecida”. (DOMINGUES 1947: 46)

Planta do Castelo de Siles e a zona dos quintais que Garcia Domingues refere
A interpretação/tradução do termo Qassr ax-Xarajib

As referências ao Xarajibe designam-no como Qassr ax-Xarajibe ou Alcácer do Xarajibe.
Na língua árabe não existe uma palavra específica para palácio, sendo usado o termo qassr, alcácer ou castelo. A adopção da terminologia palácio pela generalidade dos autores reside na opção de relacionar o edifício com a vida palaciana que se viveu em Silves no período das Taifas. Garcia Domingues exprime bem essa opção:
“Era o Xarajibe um palácio ou um castelo? Em nosso entender, um misto de palácio e de castelo. Os castelos tinham no seu interior residências senhoriais e todo o palácio de valor era rodeado de obras de fortificação que permitiam a sua defesa. Para sermos exactos devíamos dizer o ‘Castelo do Xarajibe’, mas, atendendo a que deu margem a autêntica vida palaciana e a que possuía ornamentos de vivenda, não nos parece descabida e até se nos afigura própria a designação de palácio.” (DOMINGUES 1947: 50)
Nesta perspectiva, parece razoável adoptar a designação alcácer, que deriva do termo original e tem um significado menos específico do que castelo e palácio.
Sobre o termo xarajibe, é também opinião generalizada dos autores consultados que significa varanda. O próprio Garcia Domingues o diz:
“Na verdade, porém, o que encontramos no árabe é “Alcácer Axarajibe” que se traduz por “Castelo das Varandas” (…) A palavra “xarajab” faz no plural “xarâjib”. Significa: balcão, terraço, varanda”. (DOMINGUES 1947: 45 e 50)
Domingues cita Abreu Figanier, que esclarece que xaradjam significa janela, balcão e varanda. (DOMINGUES, [1945] 2010: 139).
No entanto, Garcia Domingues é cauteloso na caracterização do Xarajibe enquanto edifício que tinha varandas:
“No que se refere às formas arquitectónicas do Xarajibe, nada se sabe, a não ser que, muito provavelmente, possuiria varandas de que lhe veio o nome e átrios e terraços, como se diz na descrição de Almotaze”. (DOMINGUES 1947: 47)

Torre Aben Afan
Apesar de para generalidade dos autores xarajibe significar varandas, não encontramos evidências claras que o atestem, nem explicações sobre a origem da palavra.
O termo xarjab é referido na obra Thesaurus philologicus criticus linguae hebraeae et chaldaeae Veteris Testamenti de Wilhelm Gesenius, de 1853, na página 1447:

Janela de clatrato, pela qual passa o vento frio (…) A palavra é usada no trabalho em treliça.
Nota: a palavra clatrato tem origem no latim clathratus, significando cercado ou protegido por barras transversais de uma grade (traduzido do latim pelo autor deste artigo).
Heinrich Fleischer na sua obra Kleinere Schriften, de 1888, na página 574 refere:

Janela, cruzada. (traduzido do francês pelo autor deste artigo)
O termo xarjab pl xarajib surge na obra Supplément aux dictionnaires arabes de Reinhart Dozy, de 1927, na página 742, que refere:

Balaustrada, guarda-corpo composto de balaustres, espécie de varanda, saliente da fachada de um edifício e envolvida de uma alta balaustrada, na qual existiam janelas. (traduzido do francês pelo autor deste artigo)
Na sua obra Lettre à M. Fleischer contenant des remarques critiques et explicatives sur le texte d’al-Makkari, na página 98, Reinhart Dozy escreve :
“A passagem de Maccarî que citei, permite-nos esclarecer melhor o significado do termo em questão. Conclui-se que o chardjab era uma espécie de varanda, uma projeção na fachada de um edifício e rodeada por uma balaustrada alta, na qual havia janelas. É sem dúvida a estas varandas que o soberbo palácio de Silves, o Caçr as-charâdjîb (ou as-charâdjib), deve o seu nome. Mo’tamid cantou-o e al-Fath elogiou-a nos termos mais pomposos”. (traduzido do francês pelo autor deste artigo)

Na página electrónica Wiktionary, xarjab pl. xarajb é traduzido por janela.

Na página electrónica Al-Maeani, xarjab é traduzido por longo.
É curioso que Reinhart Dozy diz que o chardjab era uma espécie de varanda, uma projeção na fachada de um edifício e rodeada por uma balaustrada alta, na qual havia janelas. Ou seja, não era uma varanda com as características que hoje conhecemos, mas um elemento saliente na fachada, encerrado numa “balaustrada” alta, na qual havia janelas.

A Casbah do Glaoui em Ouarzazate
Sobre a arquitectura berbere, concretamente a chamada Arquitectura das Casbahs, refira-se que, apesar de constituir uma arquitectura enraizada no modelo de construção e de ocupação do território pelos berberes no Vale do Dadés, Vale do Draa e contrafortes do Alto e Anti Atlas, é muito provável a sua origem num modelo trazido do Yemen pelas tribos árabes Hilalianas nos séculos XI e XII, sobretudo pelos Banu Maaqil, sendo evidente a influência da arquitectura árabe Yemenita que apresenta. (PAULA 2016: página electrónica citada)
A varanda árabe tradicional
A varanda, tal como a concebemos, não faz parte dos elementos de composição da arquitectura tradicional árabe, caracterizada por espaços fechados ao exterior, onde a privacidade tem um papel central. O prolongamento da casa para o exterior faz-se através de espaços descobertos como o pátio e a açoteia, integrados na orgânica da habitação e concebidos de forma a garantir a sua privacidade.

A própria palavra árabe que designa varanda, churfa, é de formação recente, apenas criada quando esses elementos passaram a fazer parte da vida quotidiana das sociedades árabes modernas.

Na arquitectura doméstica, a varanda árabe tradicional, se assim lhe podemos chamar, é uma abertura de dimensões generosas, situada nos pisos superiores da habitação, balançada sobre a via pública, protegida por painéis de entrelaçado de madeira, chamada maxrabya termo derivado do verbo xariba, que significa beber, já que constitui o local onde se bebia o chá. É também chamada rawxan, termo que deu origem ao nome português reixa. Às designações maxrabya e rawxan juntam-se outras como takhrim, palavra que deriva de haram, que significa interdição, no sentido de designar o local onde as mulheres olham para o exterior, mas não são vistas, e, acrescentamos, xarjab, plural xarajib.
Varandas Árabes ou maxrabyas na cidade do Cairo, numa foto antiga
Hassan Fathy esclarece a importância das maxrabyas no conforto térmico das habitações, no sentido de terem cinco diferentes funções: controlar a passagem da luz, controlar o fluxo do ar, reduzir a temperatura da corrente de ar, aumentar a humidade da corrente do ar e assegurar privacidade da habitação. O desenho das reixas em termos de largura dos seus orifícios é realizado de tal forma que a parte superior da maxrabya tem orifícios mais largos, deixando os raios de sol penetrar, iluminar o compartimento e aumentar a temperatura da sua zona superior, assegurando a frescura da zona inferior, já que o ar quente se desloca para a primeira. Humidade e temperatura são inseparáveis. Durante a noite, a humidade do ar é absorvida pelos poros da madeira da reixa e, durante o dia, ao ser exposta aos raios solares, a humidade é libertada, diminuindo a temperatura. (FATHY 1986: 47-49) (tradução do autor deste artigo a aprtir do inglês)
“A mashrabiya é uma janela que automaticamente ativa o ciclo convectivo que movimenta massas de ar das zonas de alta pressão para as de baixa pressão (…) Durante as tardes, quando o pátio interior aquece, o sistema malqaf devolve o ar do pátio às ruas secundárias, até à noite, criando um equilíbrio perfeito entre as diferentes áreas da casa”. (FICARELLI 2010: 241) (tradução do autor deste artigo a aprtir do inglês)
Nota: o sistema malqaf é um sistema de ventilação do antigo Egipto e da Pérsia, também conhecido como captador de vento.

Exemplo de varanda patente no Alhambra de Granada
No entanto verifica-se que nos palácios e residências opulentas surgem elementos como varandas ou terraços que fogem às regras da privacidade da arquitectura doméstica. Para tal contribuem a generosa área dos edifícios e seus espaços não edificados privados, que os afastam dos olhares indiscretos, e o facto de não terem contacto com o espaço público, mas com zonas ajardinadas ou pátios interiores. Nestas tipologias é comum a existência de varandas tipo galerias, muitas vezes protegidas com painéis de reixa, assegurando a privacidade do espaço interior, ou terraços cobertos, assentes em colunas e arcadas.
As descrições que temos da opulência do Xarajibe não se coadunam com a actual área da alcáçova de Silves, pelo que, muito provavelmente, a teoria de Garcia Domingues sobre a inclusão da zona situada a Poente no edifício original fará todo o sentido.

Grade na entrada do Castelo de Silves
Bibliogafia
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